Folha de S. Paulo
Salário deve cair, juro nos bancos sobe e governo
quer se endividar para vender fogão
Em dezembro, o custo dos empréstimos mais
relevantes já era mais alto do que em dezembro de 2018, logo antes do início do
governo de Jair Bolsonaro.
Já estava mais caro financiar casa, carro, "outros bens" ou capital
de giro, por exemplo. Outras taxas de juros estavam à beira de ultrapassar esse
nível.
O governo e seus amigos da onça no
Congresso querem
diminuir impostos sobre combustíveis, eletricidade e também sobre produtos
industriais, eletrodomésticos, segundo Paulo Guedes.
Esqueça-se, por um momento, quanto há de besteira nessas ideias. Quem vai
comprar mais? Com que roupa, dinheiro ou ânimo?
A renda nacional, o PIB, não deve crescer
neste 2022, sendo otimista. Os rendimentos do trabalho vão crescer menos ainda.
Na verdade, é bem possível que diminuam.
Nas projeções dos economistas do Bradesco, a soma de todos os rendimentos do trabalho, a massa de rendimentos, deve cair 1% neste ano. De 2017 a 2019, os três anos gloriosos da penúria pós-recessão, a massa de rendimentos cresceu em média 2,6% por ano. Notem: nesses anos muito lascados, mas menos ruinzinhos, da década de empobrecimento nacional, o total de rendimentos ainda crescia. Em 2022, pode decrescer.
O valor médio dos salários deve cair ainda
mais, 3,5%, também segundo as estimativas do pessoal do Bradesco. No triênio
2017-2019, ainda subiram pelo menos 0,4% ao ano. Parecia então ruim. Pode ser
pior neste 2022 eleitoral.
O custo do crédito nos bancos não vai cair
tão cedo. Provavelmente, não antes de a taxa básica de juros,
a Selic,
começar a baixar, afora milagres, sendo otimista. Isto é, não antes de 2023. A
inadimplência e os atrasos de empréstimos nos bancos estão em níveis bem-comportados,
mas também devem aumentar, o que aumenta o custo do dinheiro e emperra parte da
liberação de financiamentos.
Quem vai ter ânimo de comprar, com taxa
de desemprego alta, o que dá medo? Com trabalhos precários, inseguros e que
pagam pouco? Para dizê-lo em outros termos, como vai a confiança do consumidor?
Melhor dar a palavra a quem mede esse ânimo, o Instituto Brasileiro de Economia
(Ibre) da FGV:
"A confiança do consumidor apresenta
um resultado positivo em dezembro, mas fecha 2021 em queda de 2,6 pontos. Foi
um ano difícil para os consumidores, principalmente para os de menor poder
aquisitivo. O descolamento entre a confiança dos consumidores de baixa renda e
a dos de alta renda atingiu o maior nível da série dos últimos 17 anos,
principalmente em função da dificuldade financeira dos consumidores de menor
nível de renda diante do quadro de desemprego, inflação elevada e aumento do
endividamento", dizia a nota em que foi divulgado o levantamento do final
do ano passado.
Além de comer o poder de compra, motivo
grande da queda prevista do salário médio real neste ano, a inflação vai
assustar quem ainda tem algum para gastar. O IPCA vai rodar na casa de 9% ao
ano até junho, muito perto dos 10%
em que fechou 2021.
A redução de impostos é uma demagogia
eleitoreira, que de resto pode dar em nada, na prática, e causar danos
colaterais. O governo federal tem déficit, gasta mais do que arrecada mesmo
desconsiderada a despesa com juros. Abrir mão de receita, portanto, implica
aumentar ainda mais a dívida pública. A depender do tamanho da besteira, o
estrago pode salgar ainda mais as taxas de juros e o preço do dólar.
Por fim, se é o caso de fazer mais dívida,
há necessidade muito mais importante na frente da fila. Basta olhar a gente
largada na miséria das calçadas, pedindo dinheiro na rua ou catando lixo para
comer.
É tudo um escândalo, uma demagogia demente,
uma sandice econômica. Quem está ligando?
Meu salário não veio com o aumento em janeiro.
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