terça-feira, 29 de março de 2022

Andrea Jubé: Ato do PL foi aperitivo do horário eleitoral

Valor Econômico

Campanha começa a testar slogan “o capitão do povo”

Cena interna. Domingo de manhã. Imagens do auditório repleto de apoiadores, quase todos de verde e amarelo. O espaço que comporta até quatro mil pessoas, está cheio, mas não lotado. É possível circular sem esbarrões, há cadeiras livres. Uma minoria usa máscaras.

Centenas foram levados pela equipe da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL), que deixará o cargo na próxima semana. Esposa do ex-senador e ex-governador José Roberto Arruda, Flávia disputará uma vaga ao Senado pelo Distrito Federal. Se for eleita, voltará 22 anos depois ao palco onde o marido renunciou ao mandato, para evitar a cassação. Em 2000, Arruda, então líder do governo, envolveu-se na violação do painel do Senado durante a votação da cassação do então senador Luiz Estevão.

Os telões instalados no local promovem o Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro: “Movimento Filia Brasil - É com ele que eu vou” e “PL, o maior partido do Congresso Nacional”.

Música instrumental típica de bailes de formatura embala a entrada de Bolsonaro. No trajeto até o palco, o locutor de rodeio interrompe a música: “quem tem orgulho de ser brasileiro, levanta a mão e dá um grito aí! Aqui é Cuiabano Lima, seguraaaa!”, completou uma das vozes mais famosas do Brasil.

Num tropeço da organização, o apresentador oficial não compareceu. O jeito foi transformar Cuiabano Lima, que faria apenas uma participação especial, em cerimonial.

“A emoção fala mais alto, o povo bate no peito, aí vem ele, recebe o carinho do meu povo, o aplauso daqueles que dizem esse é o capitão do povo”, exaltou Cuiabano, ao narrar o momento em que Bolsonaro subiu ao palco.

“Capitão do povo” é um dos slogans que começa a ser testado pela campanha bolsonarista. Um claro contraponto ao “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, uma das palavras de ordem recorrentes da militância petista.

Cuiabano Lima é personagem relevante do universo bolsonarista. Com quase 400 mil seguidores no Instagram, amigo próximo de Bolsonaro, tornou-se um dos locutores de rodeio mais populares do país. O PL informou à coluna que ele atuou no evento de domingo como “voluntário”.

Dono de um dos cachês mais altos do segmento, ele é garoto-propaganda do governo federal. Em 2020, segundo reportagem do Congresso em Foco, recebeu R$ 36 mil pela campanha da Mega Sena da Virada. No ano passado, estrelou anúncios do Auxílio Emergencial.

Corta para o momento religioso. Cuiabano convida: “somente quem acredita em Jesus Cristo levanta a mão”. Em seguida, antecipa uma fala do presidente: “mais que batalha política, é uma batalha espiritual”. Minutos depois, Bolsonaro afirmaria: “não é uma luta da esquerda contra a direita, é uma luta do bem contra o mal”.

No discurso de meia hora, Bolsonaro mandou vários recados para os adversários, antecipando o tom da campanha. Em meio às vaias no festival Lollapalooza, o presidente fez um apelo: “pais e avós têm obrigação de mostrar para eles [filhos e netos] para onde o Brasil estava indo, bem como vivem os jovens em outros países como a Venezuela”.

Pesquisa Datafolha mais recente mostrou que 51% dos jovens entre 16 e 24 anos preferem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enquanto 22% declararam voto em Bolsonaro.

Na véspera do pedido de demissão do ministro da Educação, Milton Ribeiro, alvo de denúncias de corrupção, Bolsonaro fez uma declaração velada sobre o tema. Acusou adversários de transformarem “gota d’água em tsunami” e reafirmou que “acabou a farra com dinheiro público”. Não citou o MEC em hora nenhuma.

O presidente ainda retomou as ameaças veladas ao regime democrático. “Se para defender a nossa liberdade, nossa democracia, eu tomarei decisão contra quem quer que seja (...) A certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado, composto de cada um de vocês”.

A declaração, que embute outros recados nas entrelinhas, também se deu na véspera de uma reunião com a cúpula das Forças Armadas, em que selou a nomeação do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, para o Ministério da Defesa.

Ou seja, pela primeira vez um general da ativa será ministro da Defesa, estando à frente da interlocução com as três Forças. O movimento também permitirá a Bolsonaro nomear o terceiro comandante do Exército em um mesmo mandato.

Corta para o final apoteótico. Cuiabano Lima pede que todos esvaziem o palco e deixem apenas Bolsonaro e sua esposa, Michelle. A primeira-dama é a principal aposta do PL na campanha para reduzir a rejeição ao marido.

As luzes se apagam e os vultos de ambos, de mãos dadas, assistem a um vídeo emocionante com imagens que vão da infância do presidente, passando pela academia militar, a eleição para deputado federal, até a posse como presidente.

O ato do PL no domingo foi uma amostra inicial do que será a propaganda de Bolsonaro no horário eleitoral. Foi um apanhado de tudo: a batalha espiritual no campo dos costumes, para onde Bolsonaro quer arrastar o PT, defesa da gestão da pandemia, crítica aos governadores, a bandeira da redução dos impostos e até ameaças veladas ao regime democrático.

Faltou a cena romântica no final. A plateia gritou “beija, beija, beija” para Bolsonaro e Michelle e deixou todos no suspense. Na hora do clímax, a câmera tirou o casal do foco e se voltou para a plateia.

Palestra

Em meio à confirmação de que será substituído no cargo, o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, dará uma palestra hoje no Superior Tribunal Militar sobre “monopólio e mercado competitivo”. O vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu sua permanência no cargo, falará antes dele, abrindo o evento. “Ele vai poder defender a gestão dele na empresa”, disse à coluna um aliado de Silva e Luna.

 

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