segunda-feira, 28 de março de 2022

Bruno Carazza*: Valdemar e Jair

Valor Econômico

Quem se dará melhor no casamento do presidente com o PL e o Centrão?

Jair Bolsonaro já virou a página. Sabe que as condições que o levaram ao Palácio do Planalto em 2018 não se repetirão neste ano. Os gritos de “Mito! Mito!” nos aeroportos não são mais uníssonos, sendo entrecortados por “Genocida!” dependendo da localidade visitada. As redes de proliferação de mensagens, embora ainda atuantes, vêm sendo combatidas pelas mídias sociais. A Lava-Jato acabou e, com ela, o sentimento antipolítica arrefeceu. Acima de tudo, Lula teve seus processos anulados pela Justiça e lidera as pesquisas.

Bolsonaro se elegeu em 2018 rasgando todas as páginas do manual das campanhas eleitorais no Brasil: sem doações milionárias de campanha, sem marqueteiros, sem coligações ou palanques regionais, sem tempo relevante nos programas eleitorais no rádio e na TV.

Passados quase quatro anos de governo, com o desgaste natural que o cargo traz, agravado pelos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia, Bolsonaro correu para colar com fita adesiva as folhas dilaceradas há tão pouco tempo.

O presidente bem que tentou institucionalizar na forma de partido político o movimento criado em torno de seu nome - o termo “bolsonarismo”, se ainda não virou verbete no dicionário, com certeza já está inscrito nas principais referências bibliográficas que analisam estes nossos tempos.

A primeira alternativa, que seria a natural, seria se apossar do PSL, a legenda pela qual foi eleito. Graças única e exclusivamente a Bolsonaro, o partido saiu de apenas um deputado federal vitorioso em 2014 para se tornar a segunda maior bancada em 2018, com 52 parlamentares. Mas acontece que o PSL tinha um dono: Luciano Bivar, raposa velha formada na cartolagem do futebol, empresário bem-sucedido nas operações do DPVAT.

Sem conseguir destronar Bivar do comando do PSL, Bolsonaro a princípio cogitou criar o seu próprio empreendimento partidário. Com pompa e circunstância, e até logotipo cravejado com balas de revólver, o presidente e seus seguidores lançaram o Aliança pelo Brasil com a pretensão de disputar as eleições municipais de 2020.

Não se sabe se por incompetência para gerenciar a logística de coleta das mais de 500 mil assinaturas necessárias para o registro da nova agremiação ou se pela constatação de que o novo partido só teria direito a fundo eleitoral e partidário a partir de 2024, ninguém mais fala no projeto de se criar “o verdadeiro partido de direita conservadora do Brasil”.

Acossado pela ameaça de abertura de processos de impeachment pela sua gestão no combate à pandemia e pela participação em atos antidemocráticos, Bolsonaro fez um giro de 360 graus e voltou às suas origens: o Centrão da velha política que ele tanto criticou na campanha de quatro anos atrás, mas ao qual pertenceu desde que se elegeu vereador no Rio de Janeiro em 1988.

Filiado ao PL de Valdemar da Costa Neto e tendo ao seu lado o PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira e o Republicanos - legenda comandada pela Igreja Universal, mas que congrega lideranças de outros segmentos evangélicos -, Bolsonaro definiu o núcleo duro de sua estrutura política em 2022.

O megaevento realizado ontem em Brasília, com dezenas de filiações de ministros, políticos e celebridades à chapa bolsonarista, comprova que sua estratégia neste ano seguirá o script das campanhas tradicionais, com alianças regionais, puxadores de voto e muito dinheiro no marketing político.

A aliança de Bolsonaro com o PL, PP e Republicanos é um bom negócio para todas as partes, mas os políticos do Centrão têm mais a ganhar nesse acordo.

De sua parte, o presidente conta com os três partidos, principalmente sua estrutura nas prefeituras do interior de Minas, do Nordeste e nas margens do Rio Amazonas, para alavancar votos em regiões que ficaram em peso com os petistas em 2018, conforme mostram os mapas abaixo.

É tarefa complicada, dado que muitos desses políticos já fizeram parte da base lulista no passado - e isso justifica a injeção de recursos dos orçamentos público e secreto nas regiões nos últimos meses.

Se de um lado não há garantias de que a estratégia do “capitão do povo” (esse foi o slogan do evento de ontem) vai dar certo, para os caciques do Centrão, porém, é um jogo de ganha-ganha.

A migração de políticos bolsonaristas já tornou o PL de Valdemar da Costa Neto o maior partido da Câmara dos Deputados. O PP e Republicanos também cresceram desde a abertura da janela partidária.

Com Bolsonaro puxando votos, é de se esperar uma avalanche de votos em candidatos do Centrão para a Câmara e o Senado em outubro, turbinando suas bancadas e também o valor que PL, PP e Republicanos receberão dos bilionários fundo eleitoral e partidário no próximo quadriênio.

Se o presidente conseguir se reeleger, o Centrão terá muito mais poder no próximo governo; caso Bolsonaro seja derrotado, também.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

 

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