sexta-feira, 25 de março de 2022

César Felício: Quadro consolidado

Valor Econômico

Guerra da Ucrânia deve impactar cenário eleitoral

A pesquisa Datafolha permite dizer que o presidente Jair Bolsonaro consolidou a presença no segundo turno da eleição deste ano. Mas o longo intervalo entre a pesquisa divulgada nesta quinta e a anterior do Datafolha, em dezembro, prejudica o entendimento da curva. Na fotografia, o presidente foi de 22% para 26% e Lula de 48% para 43%. A diferença entre os dois, que era de 26 pontos percentuais, agora é de 17 pontos. Não se pode falar propriamente em queda ou alta, porque a lista de candidatos é diferente. Mas a situação de Bolsonaro indiscutivelmente melhorou.

Existissem levantamentos em janeiro e fevereiro seria possível aferir se já surte efeito a inflação persistentemente alta, fator que deve travar a recuperação presidencial no próximo trimestre, de acordo com os especialistas Christopher Garman, da Eurasia, e Antonio Lavareda, do Ipespe.

Com Rússia e Ucrânia em guerra, não há como impedir no Brasil os repasses de aumentos de cotações internacionais em commodities. Há como mitigar, mas não se impedirá perda de renda. O presidente deu azar, porque tinha o terreno antes preparado para continuar crescendo até junho.

Era a hora de colher a resposta do eleitorado às bondades em série do governo federal, traduzidas em auxílio Brasil, liberações do FGTS, desonerações, reduções de impostos, e por aí vai. Ele ainda se beneficiou do abrandamento da pandemia da covid-19. Há praticamente um consenso de que sua gestão desse tema é pessimamente avaliada. Essa colheita das benesses do governo ainda não veio, ela estaria por vir.

O que veio agora, em grande medida, foi a volta ao bolsonarismo de uma franja do eleitorado que buscava uma alternativa na terceira via. Sergio Moro e João Doria, dois ex-bolsonaristas, somavam 13% em dezembro e somam 10% agora. Bolsonaro apresenta quatro pontos a mais.

O presidente veste-se de outsider, com discurso antissistema, mas toda sua estratégia recente é 100% insider. Ele foi para um partido grande, está estabelecendo uma coligação, armou palanques consistentes no Brasil afora. Tem a caneta na mão, tempo para campanha na televisão, estrutura para a reeleição, tudo que um incumbente deve ter.

O único ponto fora da curva é o fato de não ter entregue para a costura política o posto de vice-presidente. Braga Netto na chapa é um sinal de que Bolsonaro não faz uma aposta integral na institucionalidade. Está preparado para um jogo “fora das quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer.

Nos Estados, o vento que sopra é a favor das reeleições. Segundo um levantamento feito pelo cientista político Antonio Lavareda, 73% dos líderes das pesquisas estaduais existentes são governadores que buscam um novo mandato. Segundo Lavareda, isso significa que o incumbente é o grande critério de voto neste ano. A eleição será focada no desempenho dos administradores. E aí está um problema para Bolsonaro, que paga certos preços que os administradores estaduais não pagam.

A inflação da Ucrânia deve impedir que Bolsonaro se recupere mais até junho. Um dos primeiros a antever a recuperação de Bolsonaro no primeiro trimestre, o cientista político Christopher Garman, com quem a coluna conversou antes da divulgação da pesquisa do Datafolha, não reviu sua estimativa de chances de reeleição no Brasil - a seu ver baixas, da ordem de 30% - fundamentalmente em razão disso. E a partir de junho, a eleição entra na dinâmica da campanha, Bolsonaro perde o que Lavareda chama de “monopólio natural da comunicação”, esgota-se o veio de ações do governo para proporcionar uma bolha de consumo.

Desta forma, seria lógico para Bolsonaro se desvincular do próprio governo e transferir o foco da eleição para um julgamento de seu principal oponente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para quem comanda um governo impopular, uma saída é ser o antissistema, estando no comando do sistema. Observadores da cena política, como o filósofo Marcos Nobre, apostam nisso.

O problema é que a narrativa que está se desenhando este ano é outra. A eleição de 2018 era momento de protesto e de ruptura. Este não parece ser o quadro agora. Um sinal nessa direção é o fato do índice de rejeição a Bolsonaro ser menor que o de desaprovação a seu governo. É um fator que tende a fazer com que Bolsonaro se afaste ainda mais da postura outsider. A virada de Bolsonaro sobre Lula no primeiro turno não é provável. Segundo turno, como gostam de dizer os políticos, é outra eleição.

Semipresidencialismo

A emenda do semipresiden- cialismo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) impulsiona, caso venha a ser aprovada, entra em vigor só a partir de 2030, sem afetar, portanto, o mandato de quem venha a ser eleito ou reeleito em outubro próximo. No plano formal, é uma discussão desvinculada da cena eleitoral. No plano subliminar, o significado é diferente.

A introdução desse debate agora, quando a disputa oscila entre Bolsonaro e Lula, dá aos presidenciáveis amostra da disposição no parlamento em abrir mão das prerrogativas que o Legislativo detêm.

Entusiasta da proposta, o coordenador do grupo de trabalho criado na Câmara para o tema, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), diz que o que se busca é achar uma saída institucional melhor para um fato ineludível: o presidente não voltará ao poder que teve um dia. “Vivemos um orçamento parlamentarista com regime presidencialista e o que o próximo presidente vai fazer? Vai acabar com as emendas impositivas? Acabar com as emendas de relator? Com as emendas de bancada? Não vai”, sentenciou o tucano.

Em outras palavras, seja quem for o próximo presidente, não terá o comando do Orçamento, como Bolsonaro atualmente não tem. E mudanças, se vierem a ocorrer no Congresso, serão para fortalecer o Legislativo, não o oposto.

Em relação ao mérito da proposta, o argumento de Moreira, como de outros parlamentaristas, é que o sistema garante mais estabilidade, por pressupor um gabinete com maioria parlamentar, sem barganha a cada votação ou risco permanente de impeachment.

 

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