quarta-feira, 30 de março de 2022

Daniel Rittner: Arrá, urrú, o Congresso é nosso!

Valor Econômico

Antes refém do Planalto, Legislativo agora impõe a pauta

Há uma mudança significativa em andamento nas relações entre o Executivo e o Legislativo. Ela já tem sido percebida pelos principais atores políticos do país, mas não devidamente assimilada pelo setor produtivo e pela sociedade civil organizada.

Evidência da mudança: a Câmara dos Deputados e o Senado, antes reféns do que queria o Palácio do Planalto, têm ditado cada vez mais a pauta legislativa. Há dez anos, dois terços dos projetos de lei aprovados no Congresso eram de autoria do governo. No ano passado, foi o inverso: dois terços das propostas que concluíram sua tramitação tiveram origem no próprio Parlamento. Nesse intervalo, desabou o índice de aprovação de medidas provisórias. Elas passaram a caducar (perder validade) com mais frequência.

Aos números: o Executivo conseguiu levar adiante um total de 37 projetos em 2012, incluindo a conversão de MPs em lei, quantidade que tem variado para mais ou para menos conforme o ano, mas chegou ao fim do período no mesmo patamar (38 em 2021).

Já a produção própria de deputados e senadores tem crescido de forma constante. Foram 18 projetos aprovados em 2012, subiram para 33 em meados da década passada, chegaram a inéditos 82 em 2021. Antes, a esmagadora maioria das MPs (92%) era convertida em lei. Hoje, apenas metade (56%) é aprovada.

Esse levantamento foi feito por João Hummel, um dos maiores conhecedores do Congresso Nacional, sócio- diretor da Action Relações Governamentais e que atua também como consultor da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).

Para fazer lobby em Brasília, segundo Hummel, batia-se na porta dos gabinetes do Poder Executivo. O governo tinha o controle da agenda. Era quem publicava uma MP, raramente rejeitada, ou mobilizava seus aliados para votar propostas em tramitação. Se fosse o caso, liberava emendas. E aí chovia dinheiro nos currais de cada parlamentar. Isso mudou. Foi uma evolução, diz o consultor político, que cita pelo menos cinco episódios importantes.

1) O novo Código Florestal, sancionado em 2012, tornou- se a principal experiência de empoderamento do Legislativo até então. Pela primeira vez em muito tempo, o governo teve que negociar muito. Fixou-se o precedente. Os congressistas adoraram. Anos mais tarde, a Lei das Teles (12.873) e a Lei de Licitações (14.133) - duas outras iniciativas que nasceram na Câmara e no Senado - foram pelo mesmo caminho.

2) Em 2012, o STF julgou uma ação de inconstitucionalidade que mudou o rito de tramitação das MPs. Em vez de irem para o plenário da Câmara e travarem a pauta, permitindo ao governo entupir o Legislativo com suas propostas, medidas provisórias começaram a ser analisadas por comissões mistas (15 deputados e 15 senadores). Com isso, elas passaram a travar menos a pauta do plenário e a caducar mais.

3) Em 2015, uma mudança constitucional obrigou o governo a executar emendas parlamentares individuais, criando o chamado Orçamento impositivo. Antes, congressistas apenas sugeriam as dotações, cuja execução ficava a critério do Executivo e normalmente servia como moeda de troca na votação de projetos de interesse do Planalto. Um instrumento a menos de pressão e barganha.

4) Até 2016, quando surgiu o teto de gastos, como se fazia o Orçamento? O governo enviava uma proposta, o relator inflava receitas e acomodava despesas maiores. Com tudo aprovado, o Executivo publicava um decreto de contingenciamento que tinha as emendas parlamentares como grande alvo. De novo, ficava o Congresso refém do Planalto. A partir do teto, esse círculo vicioso foi cortado. As despesas ficaram congeladas. O governo pode vetar, mas depois dependerá do Legislativo para aprovar crédito suplementar ou extraordinário.

5) As emendas RP 9, a partir de 2020, deram mais poderes ao relator do Orçamento. Ele passou a definir, com deputados e senadores, a alocação de bilhões de reais em emendas. Elas não são impositivas. Em tese, o Executivo sairia fortalecido nas negociações. Na prática, com um orçamento tão apertado para investimentos, o governo também tem todo interesse em usar esses recursos e se esforça em agradar os parlamentares.

Qual é o saldo final? “Hoje o Congresso é dono da pauta e dono do Orçamento”, afirma João Hummel. “E a forma de fazer lobby terá que mudar.”

O Congresso agora tem mais capacidade de aprovar projetos de sua autoria, mas conta com uma estrutura menos sólida do que o Executivo para formular textos complexos. “As assessorias dos partidos e as consultorias legislativas estão preparadas para organizar essa pauta mais intensa?”, provoca.

Aí entra o setor produtivo. Os empresários, que concentravam seus esforços no Executivo, agora estão incentivando a criação de novas frentes parlamentares e prestando apoio técnico para seus trabalhos. “Se a sociedade civil organizada não ocupar esse espaço, alguém vai ocupar”, alerta. Não é apenas teoria. Por anos, Hummel foi o consultor da bancada ruralista e fundador de um instituto que oferece suporte à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), talvez a mais influente do Congresso. Essa história de sucesso, diz ele, pode ser repetida em outras áreas.

 

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