domingo, 6 de março de 2022

Elio Gaspari: Em 1917, o czar não entendeu nada

O Globo

Não se sabe o que acontece no Kremlin, muito menos o que se passa na cabeça de Vladimir Putin. Passados 105 anos, sabe-se bem o que acontecia nos palácios do czar Nicolau II em 1917.

No dia de hoje, pelo calendário gregoriano, a Rússia Imperial estava em guerra contra a Alemanha e ia mal. A vida doméstica de Nicolau ia pior. Uma de suas filhas e o príncipe herdeiro, Alexei, estavam doentes (era sarampo). A czarina Alexandra ainda não havia se recuperado do assassinato, em dezembro, do monge Rasputin, curandeiro de seu garoto hemofílico. Ela vivia chapada por tranquilizantes. A Corte russa era um serpentário de intrigas e pensava-se até num golpe. Num desses planos, Alexandra seria mandada para um mosteiro.

Nos últimos dois anos, além de Rasputin, a Rússia tivera quatro primeiros ministros, cinco ministros do Interior, três chanceleres, outros três ministros da Guerra e quatro da Agricultura.

Bailava-se nos palácios, mas faltava comida em São Petersburgo e formavam-se longas filas diante das lojas num inverno que levava a temperatura a quinze graus abaixo de zero. Como aconteciam alguns protestos e greves, Alexandra aconselhou o marido: “Eles precisam aprender a ter medo de você. O amor não basta.”

No dia seguinte, 8 de março, o tempo estava bom (cinco graus abaixo de zero), e dezenas de milhares de trabalhadores, a maioria mulheres, tomaram as ruas de São Petersburgo. Se o negócio era botar medo, veio um mau sinal: os soldados relutaram em reprimir a manifestação. Muita gente cantava a “Marselhesa”. Nada a ver com os bolcheviques, que eram poucos. Lênin estava na Suíça, Trotsky, em Nova York, e Stalin, na Sibéria. Essa data de março marca o início da Revolução de Fevereiro. Era o dia 23, pelo calendário juliano, vigente à época na Rússia.

As greves alastraram-se, paralisando 200 mil trabalhadores, e começaram casos de confraternização de soldados com operários. Com novas manifestações, dessa vez com cerca de 200 mil pessoas, a czarina disse ao marido que aquilo era coisa de desordeiros e, se a temperatura caísse, eles ficariam em casa. Um chefe bolchevique da cidade achava coisa parecida: bastaria que houvesse mais pão. O czar descansava a cabeça lendo Júlio César. Nisso, adoeceu mais uma filha, e na cidade saqueavam-se padarias, mas os teatros funcionavam.

Nicolau mandou atirar, e morreram duzentas pessoas. Três regimentos de elite da cidade amotinaram-se, varejaram o arsenal, levaram 40 mil rifles e seguiram para a cadeia onde estavam os presos políticos, libertando-os. Um general que passava de carro a caminho de um almoço no palácio ficou a pé. Indo para a costureira, a poeta Anna Akhmatova reclamava porque não conseguia um táxi. São Petersburgo foi tomada pela revolta, o chefe de polícia foi morto. A bailarina Mathilde Kschessinska, que muitos anos antes tirara a virgindade de Nicolau, foi avisada que a coisa ia mal, juntou algumas coisas e abandonou seu palacete. No dia seguinte, a casa foi saqueada. (Meses depois, ela veria uma bolchevique, com seu casaco de arminho.)

No dia 12 de março (27 de fevereiro, pelo calendário juliano), os motins tomaram conta dos quartéis. Segundo o historiador Richard Pipes, esta deveria ser a data da Revolução de Fevereiro. Quando a notícia chegou a Nicolau, ele disse que eram maluquices que “nem me incomodei de responder”. Sua mulher achava que estavam acontecendo “coisas terríveis” e passou pela sepultura de Rasputin. Ele previra que se morresse ou se o czar o abandonasse, perderia a coroa em seis meses.

Passaram-se apenas dois meses, e o regime caíra. Os ministros foram presos e levados para uma fortaleza, escoltados por um rebelde que lá estivera preso.

Na noite de 15 de março, Nicolau II abdicou. Como não havia entendido o que acontecia, passou a coroa para um irmão, achando que mais tarde iria para a Inglaterra. Nada disso aconteceu.

Stalin chegaria a São Petersburgo em março, Lênin, em abril, e Trotsky, em maio. Em outubro, com um golpe, os bolcheviques tomaram o poder, e a Revolução de Fevereiro ficou fora de moda.

Hungria 1956

A repulsa dos Estados Unidos e das nações europeias diante da invasão da Ucrânia honra a nova ordem mundial, mas o estímulo à resistência armada deve levar em conta um mau precedente.

Em 1956, o povo húngaro foi estimulado para rebelar-se contra a invasão soviética e deixado à própria sorte.

O primeiro-ministro Imre Nagy asilou-se na embaixada da Iugoslávia. Foi deportado, devolvido e acabou enforcado.

Brasil e EUA

O Brasil e os Estados Unidos já tiveram períodos de aproximação e de distanciamento. Nunca, porém, viveram um período no qual o que falta é interlocução. No caso da guerra da Ucrânia, o que faltou foi conversa.

O embaixador americano em Brasília deixou o posto há mais de um ano, e sua sucessora ainda não chegou.

Há três anos, Bolsonaro dizia que mandaria seu filho para a embaixada, e o palácio espalhava que o presidente Donald Trump mandaria um de seus filhos para o Brasil.

Madame Natasha

Natasha está tentando transformar seus frascos de perfume em coquetéis molotov para defender o idioma. Ela concedeu mais uma de suas bolsas ao ministro Ricardo Lewandowski. Trancando a ação que o lavajatismo moveu contra Lula pela compra dos caças suecos, ele disse o seguinte:

“Não há como deixar de levar em conta a incontornável presunção de que a compra das referidas belonaves ocorreu, rigorosamente, dentro dos parâmetros constitucionais de legalidade, legitimidade e economicidade mesmo porque, até o presente momento, passados mais de sete anos da assinatura do respectivo contrato, não existe nenhuma notícia de ter sido ele objeto de contestação por parte dos órgãos de fiscalização, a exemplo da Controladoria-Geral da União, do Ministério Público Federal ou do Tribunal de Contas da União.”

Ele quis dizer que a compra dos aviões foi legal e ninguém reclamou. Não precisava de uma frase com 79 palavras. Natasha e o dicionário Houaiss são do tempo em que belonave era navio e não voava.

Aviso ao agro

País de vocação e história agrícolas, a Ucrânia tem excelentes institutos de pesquisas. Assim como o antissemitismo trouxe para o Brasil destacados cientistas, a bola está rolando para os pés do agronegócio.

Mourão e o Rio

Foram muitos os motivos que levaram o general da reserva Hamilton Mourão a disputar uma vaga no Congresso pelo Rio Grande do Sul e não pelo Rio de Janeiro. Afinal, lá ia bem nas pesquisas.

Com o patrimônio do próprio nome, não queria se expor a alianças radioativas.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e não vai à praia porque é grátis. Ele não se impressionou com a decisão do governo de zerar o imposto de importação de 16% dos jet-skis.

O que ele não entende é porque o mesmo governo cobra 14,4% na importação de telefones celulares.

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