terça-feira, 29 de março de 2022

Joel Pinheiro da Fonseca: A riqueza do liberalismo brasileiro

Folha de S. Paulo

A imagem do movimento pode estar suja, mas não faltam liberais dispostos a limpá-la

A reputação do liberalismo no Brasil está manchada. E quem a manchou foi a parcela (infelizmente expressiva) dos liberais que embarcaram de corpo e alma no projeto bolsonarista. Inicialmente extasiados, vislumbravam uma "primavera liberal" no governo de um presidente que defendia abertamente tortura e grupos de extermínio, exaltava a ditadura militar e dizia preferir um filho morto a um filho homossexual.

Não é que eles gostassem da truculência e da ignorância de Bolsonaro (alguns, é bem verdade, gostavam sim). É que, em nome da prometida liberalização econômica, topavam tudo. Assim, a acusação do professor Rodrigo Jungmann em seu artigo de domingo está correta: "Nossos liberais são em grande parte responsáveis eles mesmos por este estado de coisas [a noção distorcida que o público tem do liberalismo]. E o são em razão do que bem poderia ser chamado de obsessão pela economia."

Essa obsessão não é de hoje. Nomes importantes do pensamento liberal brasileiro, como Eugênio Gudin e Roberto Campos, também cometeram o erro fatal de transigir com a parte política do liberalismo, apoiando a ditadura (não esqueçamos que seus adversários desenvolvimentistas e marxistas incorriam no mesmo exato erro, mudando apenas o tipo de ditadura).

Ainda assim, tinham uma visão mais ampla do que os liberais bolsonaristas de hoje. Para Gudin e Campos, tão importante quanto a liberalização do mercado era garantir a educação básica de qualidade. Não veriam com bons olhos a pasta da Educação entregue a ideólogos delirantes e pastores corruptos.

É importante notar, contudo, que muitos liberais não cederam à tentação economicista e se colocaram contra o bolsonarismo desde seu início. Mesmo quando não era fácil, mesmo quando apontar a incompetência e a má-fé do governo era recebido com vaias por plateias ditas liberais, como ocorreu com Demétrio Magnoli no Fórum da Liberdade de 2019 em Porto Alegre.

De lá para cá muita coisa mudou. Antigos entusiastas pularam do barco. Não se espera grandes coisas de Paulo Guedes. O desastre econômico, educacional, ambiental, diplomático e democrático é incontornável.

E neste momento de necrose do bolsonarismo, em que qualquer pretensão de agenda já foi sacrificada em nome do poder, é justamente a parte do liberalismo brasileiro que não se rendeu ao bolsonarismo que ganha destaque. É o caso, por exemplo, do Livres.

Lá atrás, em 2018, o Livres era a tentativa de renovação de um partido político: o PSL. A chefia do partido, no entanto, resolveu encampar a candidatura de Jair Bolsonaro, ao que o grupo deixou a sigla, transformando-se num movimento apartidário e, inicialmente, sem muita clareza do futuro.

Foi uma decisão custosa à época, mas o grupo entendeu que seu valor básico de liberdade —econômica, social e política— era incompatível com os preconceitos e valores antidemocráticos que Bolsonaro trazia. Nisso, se diferenciaram do próprio Rodrigo Jungmann, que aderiu fervorosamente ao bolsonarismo e até fez campanha pelo Capitão.

Hoje o Livres tem mais de 40 representantes em cargos eletivos e 4 mil associados. Seus membros são presença constante no debate público. Inspirados por intelectuais como José Guilherme Merquior, priorizam a liberdade individual sem esquecer do compromisso social.

A imagem do liberalismo pode estar suja. Mas não faltam liberais brasileiros aptos e dispostos a limpá-la com suas ideias e seu exemplo.

 

 

 

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