quinta-feira, 10 de março de 2022

Maria Hermínia Tavares: O funeral do PSDB

Folha de S. Paulo

Tucanos começaram a minar o próprio chão quando Aécio contestou resultado das urnas

A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980. Indistinguível de outras de igual porte, a legenda continuará à disposição dos que ambicionam fazer da política uma profissão.

Na sua origem, o PSDB foi a agremiação centrista de construtores da democracia; de reformadores moderados da economia e das estruturas do Estado; e de inovadores no terreno das políticas sociais. Sustentou com o PT, embora apenas no plano nacional, competição eleitoral centrípeta, que tornou possível a estabilização das regras democráticas e significativo progresso social.

Aproximava-os o compromisso com a democracia; com a garantia das liberdades; e a busca de maior equidade. Distanciavam-se na importância atribuída à moderação fiscal; às atribuições do setor público e dos mercados; e às formas de obter reconhecimento no exterior.

Quando, no poder, o PT conseguiu dominar todo o território do centro à esquerda, o PSDB foi deslizando para a direita, recrutando ali quadros e a maioria do seu eleitorado, ao tempo em que mudavam suas bandeiras e valores. Até 2014 —mas só nas disputas presidenciais— o partido foi o desaguadouro dos votos antipetistas de todos os matizes da direita: ultraliberais ou conservadores; republicanos ou patrimonialistas; democratas ou nostálgicos da ditadura.

Os tucanos começaram a minar seu próprio chão assim que, no dia seguinte à derrota de 2014, Aécio Neves contestou o resultado das urnas —pedra de toque do sistema do qual era um dos fiadores.

O partido continuou a fazê-lo ao aceitar, com malandro entusiasmo, a apropriação da Lava Jato contra seu principal adversário e ao embarcar alegremente na operação —para sempre sujeita a controvérsias— de destituir Dilma Rousseff, dando sustentação ao professor Michel Temer —um substituto com legitimidade contestada e apoio popular zero. A sigla morreu em 2018, quando seus eleitores tradicionais migraram em massa para Jair Bolsonaro, uns a contragosto, outros exultantes por encontrar, enfim, o chefe de suas afinidades.

O PSDB foi a principal vítima da crise política que ajudou a dar à luz e a nutrir, abrindo as portas para o que há de mais primitivo e cruel no país. Deixou órfãos —e a reboque dos ultras— políticos e eleitores que poderiam dar sustentação a uma direita civilizada como as democracias sempre comportam. Mas que nenhum dos candidatos da chamada terceira via parece, por ora, ser capaz de agregar.

 

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