terça-feira, 8 de março de 2022

Míriam Leitão: O grande risco das soluções erradas

O Globo

A crise econômica internacional se agravou muito ontem e está havendo um choque de petróleo. O economista Mohamed A. El-Erian prevê recessão de 30% para a Rússia. A economista Monica de Bolle diz que o rublo está perto do colapso e prevê consequências espalhadas na economia do mundo. O risco é enfrentar uma crise deste tamanho com o governo Bolsonaro, que nunca tem visão estratégica e improvisa as soluções. Ainda mais agora com as eleições.

A agricultura brasileira é o setor mais dinâmico da nossa economia e enfrentará, com a guerra de Putin, a falta de fertilizantes. Aqui dentro há mais soluções do que o governo imagina. A mineração em terra indígena, que Bolsonaro quer, não é absolutamente a solução para problema. É uma proposta oportunista e extremamente perigosa.

— O Brasil usa fertilizante demais, mais do que precisa. A Embrapa e universidades vêm desenvolvendo uma série de soluções há 20 anos para a agricultura brasileira que, se implantadas, reduziriam à metade a dependência dos fertilizantes — diz o engenheiro agrícola Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa.

Uma solução é a fixação biológica do nitrogênio, em que se inocula nas sementes uma bactéria que tira o nitrogênio do ar e, desta forma, não é necessária a adubação nitrogenada. Em 2010, no lançamento do Plano ABC, da Agricultura de Baixo Carbono, essa solução estava desenhada, e Assad inclusive fez parte da negociação com o Ministério da Agricultura.

— Na época ficou combinado o investimento de R$ 50 milhões por ano por cinco anos para desenvolver esses inoculantes para o milho, cana-de-açúcar, feijão e trigo, o que reduziria em 70% a importação do adubo importado que vem do petróleo. Não investiram. Mas a Embrapa e as universidades têm pessoas competentíssimas que desenvolveram com os recursos disponíveis essas soluções. Inclusive para a pastagem, e eu estou falando de 150 milhões de hectares de pastos que podem ser formados sem precisar de fertilizante importado. Há outras soluções que estão mais do que conhecidas. Uma delas é a mistura do adubo orgânico —restos da indústria de laranja, esterco, resíduos da agricultura — aos minerais. Isso funciona em todas as lavouras — explica Assad.

O risco neste momento é o governo ceder aos diversos lobbies que sempre emperram soluções disponíveis. Outra tendência é negar a gravidade do problema. O economista José Roberto Mendonça de Barros afirma que os estoques de fertilizantes dão para três meses.

— O risco da falta de fertilizantes para a próxima safra, que será plantada a partir de setembro, é real. Ir ao Canadá todos estão indo. E nós somos os maiores importadores. Uma das soluções poderia ser adubar menos e contar com o adubo que já está no solo — explica Mendonça de Barros.

O presidente Bolsonaro defende o projeto de mineração em terra indígena, como se fosse a solução. E ontem mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira, já estava anunciando que apressará a tramitação do projeto.

Assad alerta que o potássio na Amazônia é de grande profundidade, teria que ser buscado a 800 metros. O que exige muito investimento. Mendonça de Barros alerta para o risco:

— As ocorrências já detectadas são perto da calha dos grandes rios. O risco de inundação é enorme. Isso já foi estudado pela Vale e descartado pelo risco da mineração.

Na verdade, Bolsonaro sempre quis acabar com as terras indígenas e liberar garimpo e mineração de ouro e outros metais pesados na Amazônia.

Crise neste governo é sempre momento de extremo perigo porque surgem falsas soluções com graves efeitos colaterais. É a síndrome cloroquina.

Ontem foi um dia difícil nos mercados. No blog, no dia 27, postamos que o dólar poderia subir 100% em relação ao rublo. Ontem bateu 104%. Mas tudo pode piorar muito mais.

— A conta que está sendo feita pelos governos dos EUA e da Europa é de que o colapso cambial na Rússia seria questão de dias e semanas, e não de meses — diz a economista Monica de Bolle.

Ela acha que o banimento do petróleo russo pelos mercados ocidentais já não é uma questão de se, mas quando.

Em artigo publicado no Project Syndicate, o economista Mohamed A. El-Erian previu uma recessão sem precedentes, em torno de 30%. Putin está demolindo a Ucrânia e sua própria economia.

 

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