segunda-feira, 14 de março de 2022

Mirtes Cordeiro*: A esperança que vem das mulheres

Após 49 anos da queda de Savaldor Allende, então presidente do Chile, por um golpe militar (11.09.1973) que derrubou o regime constituído democraticamente pelo povo, surge novamente a oportunidade para a recondução da história, renovada pela forma persistente e disciplinada dos movimentos sociais organizados pelo povo chileno.

A esperança surge na figura do novo presidente, Gabriel Boric, um jovem de 36 anos à semelhança do Allende, um representante da esquerda chilena.

Conforme anunciado no seu discurso de posse, o zelo pela construção do Estado Social como um ente coletivo, retumba o primeiro discurso de campanha. “Diante do povo e dos povos do Chile, prometo dar o melhor de nós pelo bem do país”, reafirmando compromisso com a luta contra as ações que provocam as alterações climáticas, e o empoderamento da mulher.“Estou muito feliz de ter diante de mim um gabinete com mais mulheres que homens”.

As prioridades do programa de governo apontam para a recuperação da economia, para a reestruturação das pensões e aposentadorias, tornando-as dignas, para o reconhecimento dos povos originários, para o não endividamento dos estudantes com a educação, para a continuidade das buscas pelos desaparecidos durante a ditadura.

No governo atual do Chile, as mulheres assumem 14 ministérios, entre eles o Ministério do Interior e Segurança Pública, o Ministério da Defesa Nacional, o Ministério da Mulher e Equidade de Gênero, o Ministério da Saúde e Ministério das Relações Exteriores.

Impossível pensar em construir um Estado Social, com equidade e justiça, sem considerar que homens e mulheres estão presentes na sociedade de forma paritária. No Chile as mulheres constituem 50,6% da população, dados de 2022.

Sem dúvida, o exemplo chileno será referência para os países da América Latina.

Apesar do avanço das mulheres em vários aspectos da vida pelo mundo afora, ainda observamos que há muito o que fazer. É o que revela uma pesquisa realizada em 40 países com 30.890 pessoas, indicando que apenas uma minoria da população acredita que homens e mulheres devam ser tratados sem discriminação de gênero. (Doxa/Win dados apresentados à imprensa por ocasião do dia internacional da mulher, 08 de março).

Países que avançaram no respeito à paridade de gênero são Filipinas, Tailândia, Indonésia e Vietnam. “O núcleo familiar foi o âmbito onde a maioria dos entrevistados a nível mundial relatou haver mais paridade de gênero (66%)”.

Outro estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), através do Relatório de Desigualdade Econômica de Gênero, demonstra que a pandemia contribuiu muito para que haja um alongamento de 36 anos na projeção de igualdade de gênero no mundo, em relação à “edição anterior que apontava um prazo de 99,5 anos para equalizar a participação de homens e mulheres na economia, na política e na educação”.

As mulheres continuam sendo prescindidas na contratação para o trabalho em muitas empresas, e com certa dificuldade chegam a ocupar funções de liderança.

No entanto, tem-se observado que em muitos países algumas empresas têm colocado diretrizes estratégicas que possibilitam que mulheres possam ter reconhecidas as suas capacidades e possam ocupar os postos de liderança.

A dupla jornada de trabalho, o cuidado com os filhos e os níveis de escolaridade ainda são questões que impossibilitam que mulheres e homens se coloquem na sociedade em condição de igualdade, observado-se as diferenças individuais.

No Brasil, atualmente as mulheres são 52% da população e sua representatividade no Congresso Nacional é de apenas 14%. Assim sendo, o Brasil levará cerca de 120 anos para se alcançar a igualdade de gênero no Congresso. (cálculo de Juliana Granjeia)

Eu e muitas gerações não veremos esse estágio da sociedade, se permanecerem as mesmas condições de discriminação e violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Muito difícil. As mulheres estão presentes nas ações ou na vida das pessoas que são a base da sociedade, como nas áreas de saúde e educação, nos cuidados com idosos e crianças, nas ações de solidariedade. Nas ONGs e Associações de Moradores. No entanto, é pequeno o avanço quando se trata da representatividade política e de ocupar cargos de liderança nas empresas e da preservação da vida.

Para as eleições de 2022, apenas em nove dos 27 estados da federação mulheres estão cotadas para serem candidatas ao cargo de  governadora.

E para a Presidência da República, até momento apenas uma mulher se lançou como pré-candidata, a senadora pelo Mato Grosso do Sul, Simone Tebet. E com muita dificuldade de ser aceita no próprio partido, o MDB.

No entanto, quase todos os dias a imprensa dá conta da situação de violência contínua e sistemática contra a mulher na sociedade, em todas as regiões do país. Parece até que são ações conduzidas por um planejamento hediondo e macabro.

Os direitos de igualdade previstos na nossa constituição nem são lembrados pelas instituições, pelos governantes e por nós mesmas.

Os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, indicam que em 2021, no Brasil, aconteceu “um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas”. (G1 DF)

Segundo a diretora do Fórum, Samira Bueno, não existe espaço no Brasil em que a mulher esteja realmente segura. “Ela está sofrendo violência dentro de casa, aí ela pega o metrô para ir para o trabalho, onde também vai ser assediada. Qual é o lugar seguro, então? Ele existe?”(BBC News Brasil)

Então, o que fazer e para onde vamos?

As leis no Brasil existem, mas não são cumpridas. Políticas públicas que são estruturadas são também desfeitas com a maior facilidade pelo governo de plantão.

Diz-se que tudo isso acontece por uma questão cultural. Cultura muda com educação, adoção de conhecimentos, avanço da ciência, revisão de valores com o objetivo de proteger a sociedade. E as pessoas não são nem capazes de mudar a cultura que flagela e mata as mulheres que carregam por nove meses os filhos de todos em suas barrigas?

A paridade de gênero é uma necessidade para as mulheres, para os homens e para a sociedade, porque elimina todas as formas de discriminação e violência contra mulheres, e faz surgir um ambiente em que privilégios são substituídos pela garantia de direitos, fortalecendo as relações sociais.

Este ano teremos eleições para a Presidência da República, governos estaduais, Senado, Câmara Federal e Assembleias Legislativas (estados), momento oportuno para se apostar na paridade de gênero na política.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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