domingo, 6 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Como fica o mundo depois da agressão russa à Ucrânia

O Globo

Em seu pronunciamento ao Congresso na última semana, o americano Joe Biden afirmou que o russo Vladimir Putin “está agora mais isolado do mundo do que nunca”. É sem precedentes o isolamento a que o Ocidente submeteu a Rússia como resultado da agressão à Ucrânia. As sanções foram muito além do esperado.

O bloqueio às transações do banco central russo e a suspensão de outros bancos do sistema de comunicação Swift garrotearam a economia russa. O rublo derreteu a ponto de o Sberbank, maior banco do país, ter de encerrar operações na Europa, pois suas ações viraram pó. A Apple parou de vender iPhones na Rússia. YouTube e Facebook restringiram canais oficiais russos em suas plataformas. Empresas como Ford, BMW, Volkswagen, Boeing, Dell, Ericsson, Nike, Exxon, Shell, BP, Disney e Warner Brothers decidiram suspender ou reduzir negócios na Rússia.

A reação se estendeu para além da economia. O maestro Valery Gergiev, conhecido pela proximidade de Putin, foi demitido da Filarmônica de Munique. A soprano Anna Netrebko e balés russos tiveram de suspender apresentações programadas na Europa. A delegação russa foi banida do festival de cinema de Cannes. A seleção nacional e os times russos foram suspensos da Copa do Mundo e da Eurocopa. O lançamento de satélites ocidentais por foguetes da Rússia foi cancelado, e surgiu dúvida até sobre o futuro envolvimento russo na Estação Espacial Internacional.

O desejo de deter Putin — medido pelas votações avassaladoras contra a Rússia nas Nações Unidas — levou os países europeus a um consenso inédito. Mesmo a neutra Suíça aderiu às sanções. E até a Suécia, que nem integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), decidiu enviar armas à Ucrânia.

O terremoto geopolítico transcende Rússia e Europa. Aprofunda-se uma divisão entre Ocidente e Oriente que se considerava enterrada com o fim da Guerra Fria. Essa ruptura trará consequências profundas e duradouras. A globalização — motor que permitiu integração comercial, geração de riqueza e redução da miséria em níveis jamais vistos — tende a recuar, à medida que a noção de um mundo unipolar, cujas regras incentivam a produtividade e o crescimento, cede lugar à realidade multipolar, em que segurança vale mais que eficiência.

A eclosão da guerra na Ucrânia expôs o principal limite da globalização: a integração comercial não foi acompanhada de um arcabouço institucional com força para disciplinar países que tentem usar seu domínio de mercados específicos para estender seu poderio geopolítico. Gargalos comerciais acabam por concentrar poder desproporcional em atores militarmente equipados, mas economicamente menos expressivos. É o caso da Rússia, uma potência nuclear que usou o fornecimento de energia e de grãos como alavancas para avançar sobre o território ucraniano.

A invasão da Ucrânia serviu de alerta. Os europeus puseram no topo da agenda a transição dos combustíveis fósseis às fontes alternativas de energia, na tentativa de reduzir a dependência do gás russo. No âmbito militar, a Alemanha passou a considerar a Otan insuficiente para sua defesa. Destinou € 100 bilhões ao setor bélico e decidiu ampliar esse investimento a 2% do PIB no futuro. Ante a ameaça russa, a política de defesa comum da União Europeia deixou de ser tabu — um despertar comparado ao 11 de Setembro para a Europa.

Do outro lado do Atlântico, a reação dos Estados Unidos à agressão russa mascara a preocupação de fundo com a ascensão da China. O recado da Rússia a europeus e americanos é semelhante: é preciso reduzir a dependência de parceiros pouco confiáveis. É incerto se seria viável separar economias imbricadas como a americana e a chinesa, mesmo assim é evidente a tentativa, apelidada de “desacoplamento”. Começou pela guerra comercial de Donald Trump e deverá, nos próximos meses, assumir a forma de processos judiciais nos Estados Unidos contra subsídios a empresas chinesas, em particular nos setores de alta tecnologia.

Gradualmente, os países se fecham. Nos mercados de matérias-primas, é palpável a preocupação com produtos controlados pela China, como as terras raras, metais usados em turbinas, baterias de carros elétricos e outros produtos. Ou pela Rússia, que, além de relevante nos mercados de petróleo, energia, grãos e fertilizantes, tem papel crítico na produção de alumínio, platina, cobre, níquel e paládio.

Desfazer a imensa teia de interdependência que forma as cadeias globais de suprimentos é um desafio virtualmente impraticável. O caso mais eloquente é a indústria de semicondutores. O neônio purificado na Ucrânia pode ser usado na fabricação de chips em Taiwan, reunidos em placas na Indonésia, depois usadas na China para montar, de acordo com um projeto desenvolvido na Califórnia, celulares vendidos no Brasil. É inverossímil que a tecnologia digital, hoje maior combustível de crescimento econômico no planeta, tivesse atingido tamanho grau de sofisticação e desenvolvimento sem essa produção distribuída.

No curto prazo, é mais que sensata a preocupação com os efeitos da guerra no fornecimento de alimentos — Rússia e Ucrânia respondem juntas por quase um terço do comércio mundial de trigo —, no agravamento da fome e da inflação global. No longo prazo, nas palavras de Martin Wolf no Financial Times, “os efeitos econômicos seguirão a geopolítica”. “Se o resultado for uma divisão profunda e prolongada entre o Ocidente e um bloco centrado na China e na Rússia, decorrerão divisões econômicas”, diz ele. “Todos tentariam reduzir sua dependência de parceiros belicosos e pouco confiáveis. A política vence a economia num mundo assim.”

Não há dúvida de que tal mundo representaria um retrocesso. Não apenas por motivos econômicos. Seria também menos seguro, com o risco de novas guerras, invasões — que fará a China em relação a Taiwan? — e proliferação nuclear. É verdade que o ataque russo à Ucrânia expôs os limites da globalização. Mas seria ilusão acreditar que os dilemas de um mundo onde o crescimento está intrinsecamente atrelado à inovação e à tecnologia serão resolvidos com uma mentalidade isolacionista ou mesmo com o “realismo” dos tempos da Paz de Vestfália ou do Congresso de Viena. Será preciso criar alternativa viável.

A ação possível

Folha de S. Paulo

Imperfeitas, sanções são melhor arma contra Putin; alternativa seria a 3ª Guerra

Em pouco mais de uma semana desde que decidiu unilateralmente invadir a Ucrânia de forma brutal, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não obteve ainda uma vitória militar decisiva contra o vizinho.

O russo logrou, contudo, um feito talvez tão ou mais impressionante do que a eventual queda de Kiev: ele viu seu país ser desligado do sistema internacional, setor por setor, gerando um isolamento nunca antes visto na globalização.

Mesmo as sanções que punem o Irã há anos, devido a suas ambições nucleares, nunca chegaram perto da ação contra a agressão russa. Trata-se, pelo valor de face, de uma demonstração saudável de que talvez não haja mais espaço no mundo para tal tipo de comportamento sem consequências duras.

Mas a questão tem mais nuances do que os clarões das bombas permitem ver neste momento.

Primeiro, há uma série de impactos secundários das medidas que já ameaçam afetar a economia mundial, da qual a Rússia constituía uma peça importante da engrenagem por seu peso no mercado energético e de alimentos.

A flutuação dos preços futuros nesses setores, com a inevitável inflação que será exacerbada pelos temores, é só um primeiro sinal. O exame de restrições de fato ao fluxo de hidrocarbonetos russos pelos Estados Unidos prenuncia um terremoto em potencial.

Há considerações éticas. O mundo ocidental vive uma onda de cancelamentos de tudo o que for russo, inclusive de pessoas que vivem há anos longe do reino de Putin.

É errado punir artistas exclusivamente por sua nacionalidade, da mesma forma como seria absurdo banir autores clássicos como Fiódor Dostoiévski, para ficar em apenas um nome.

Para além da discussão sobre se houve exageros, há limites práticos para o efeito das sanções. Até aqui, não impediram o derramamento de sangue nem sinalizam qual possa ser o desfecho da guerra.

Isso dito, são o instrumento possível de uso pelo Ocidente no momento, combinado com um apoio cada vez mais intenso aos ucranianos na forma de envio de armas.

A ideia de os Estados Unidos (e seus aliados europeus) instalarem uma zona de exclusão aérea em território com predomínio russo, como desejava o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, implicaria nada menos do que empurrar o mundo para uma Terceira Guerra. Talvez do tipo nuclear, como Putin sempre lembra.

O russo parece ter entendido o jogo, embora no mesmo dia tenha sugerido que mais restrições poderiam equivaler a uma escalada de conflito. Por ora, resta ao Ocidente esperar os efeitos de suas medidas.

Desastre educacional

Folha de S. Paulo

Exame paulista evidencia efeito devastador da pandemia e urgência de recuperação

Os dados do Saresp, o exame que avalia as habilidades acadêmicas dos alunos da rede paulista, confirmaram as piores expectativas quanto aos impactos da pandemia no aprendizado. Como se esperava, o longuíssimo período sem aulas presenciais levou a um desastre educacional, a demandar ações urgentes do poder público.

Os resultados da prova, aplicada em dezembro a cerca de 640 mil alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio da rede estadual, evidenciam que crianças e jovens não só não progrediram tanto quanto deveriam como tiveram retrocesso nas duas áreas avaliadas, língua portuguesa e matemática.

Os números mais preocupantes vieram dos concluintes do ensino médio, cujas notas médias nas duas disciplinas foram as menores desde que o exame foi implementado, em 2010. Só 3,2% dos alunos apresentaram um desempenho considerado adequado em matemática; em português, foram 24%.

Assim, a esmagadora maioria dos que terminam a educação básica se mostra incapaz de identificar uma simples figura geométrica ou identificar o objetivo central de um texto curto.

Já a regressão em relação à avaliação anterior foi mais acentuada no 5º ano do fundamental.

A média em língua portuguesa caiu 8,6% na comparação com a prova de 2019, retrocedendo para um patamar semelhante ao de 2012. Cerca de metade desses estudantes não consegue compreender a mensagem de um cartaz com poucas frases e uma ilustração.

Em matemática, a queda foi ainda mais expressiva, de 9,1%, com o menor rendimento desde 2013.

Além de atestar os efeitos nocivos do fechamento prolongado das escolas, a piora geral do nível de conhecimento evidencia também as falhas do ensino remoto. Seja por suas limitações intrínsecas, seja por problemas e atrasos na implementação, o fato é que o modelo digital não conseguiu impedir a marcha à ré estudantil.

Agora que os alunos retornam às salas de aula, impõem-se, em primeiro lugar, corrigir as defasagens de ensino acumuladas e impedir o abandono escolar daqueles que apresentam maior dificuldade.

Para tanto, as medidas emergenciais propostas pela Secretaria da Educação paulista —mudanças no currículo, reforço escolar, avaliações bimestrais e reorganização temporária de turmas— parecem um caminho para evitar que uma geração de estudantes venha a ter o seu futuro comprometido.

O roto e o rasgado

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro, cuja Presidência representa um retrocesso histórico, diz ao mercado que a volta de Lula seria a vitória do atraso. Fato: um e outro são o que há de pior

Consta que parte considerável do mercado apoiou a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, na presunção de que era isso ou a volta do diabo antimercado, isto é, o lulopetismo, ao poder. Bem, se o fez, cometeu erro gravíssimo. Não porque devesse ter escolhido o diabo, mas porque ignorou que havia alternativas muito mais racionais do que um mau militar e um mau deputado cujas credenciais autoritárias não eram segredo para ninguém. E não há nada mais antimercado do que o autoritarismo, ainda mais um autoritarismo alimentado por paranoia e ignorância profundas. 

Bolsonaro, afinal, não decepcionou quem o conhecia: sabota os pilares da estabilidade fiscal, abre mão do controle do orçamento, aparelha a máquina pública com fanáticos incompetentes, isola o Brasil no mundo, arrasa o meio ambiente e cria uma atmosfera de permanente desestabilização política e institucional.

Assim, quando Bolsonaro vociferou aos operadores do mercado, como fez há alguns dias em evento promovido por um banco, enumerando os retrocessos que Lula da Silva promete promover se reconquistar a Presidência, na verdade estava falando de si mesmo. 

Como Bolsonaro não tem o que apresentar ao País como justificativa para sua recondução ao cargo – se reunidas, as realizações de seu governo não preencheriam uma brochura –, ao presidente não restou outra tática eleitoral a não ser tentar incutir nos corações e mentes dos agentes econômicos o medo de um novo desastre na condução da política econômica caso ele seja derrotado por seu maior antagonista na corrida eleitoral no momento.

“O que os senhores acham de nós revogarmos a autonomia do Banco Central?”, perguntou Bolsonaro à plateia. “De revogarmos a reforma trabalhista, a reforma da Previdência? De retornarmos o imposto sindical, de reestatizar as empresas que foram desestatizadas, de acabar com o teto de gastos, de o governo começar a interferir nos preços da Petrobras e da energia?”, disse Bolsonaro, descrevendo o roteiro de terror que seria a volta de Lula ao poder.

De fato, Lula da Silva já anunciou que, sim, caso ele seja eleito, muitos avanços recentes serão “revistos”, como são os casos das reformas trabalhista e da Previdência. O chefão petista afirmou há pouco tempo que o Brasil nem sequer precisava dessas reformas. Lula também já prometeu que extinguirá o teto de gastos, que interferirá nos preços dos combustíveis e que não privatizará nenhuma estatal. Ou seja, o discurso destemperado de Bolsonaro não era, nem de longe, uma mentira – mas, como tudo o que envolve o presidente, era parte de um embuste.

Pois Bolsonaro já faz quase tudo o que diz que Lula da Silva vai fazer caso volte ao Palácio do Planalto. Se em 2018 Bolsonaro era a “novidade”, agora terá um passivo de, até este momento, três anos de desastres para tentar escamotear. Foi sob o governo Bolsonaro que ruiu o teto de gastos públicos; que o Orçamento da União foi franqueado por um presidente pusilânime ao apetite voraz do Centrão; que o Brasil se tornou um pária internacional por uma política externa destrambelhada e por retrocessos na proteção do meio ambiente. Foi sob Bolsonaro que o País passou a viver sob permanente tensão de uma disrupção política antidemocrática, algo que é essencialmente contra a livre iniciativa e o florescimento das atividades econômicas.

O segundo embuste do presidente da República, e neste ele está acompanhado por Lula da Silva, é vender aos empresários que a disputa presidencial já está definida entre ele e seu principal adversário. Não é verdade, pois ainda faltam oito meses para as eleições, tempo suficiente para que os eleitores conheçam todos os candidatos, e não somente Bolsonaro e Lula, que jamais desceram do palanque. Em 2018 havia alternativas responsáveis e capazes a Bolsonaro e ao preposto do então presidiário Lula da Silva, assim como certamente haverá boas alternativas a Lula e Bolsonaro neste ano.

Ou seja, compra a patranha quem quiser, seja qual for a coloração partidária.

Crise mundial e oportunismo

O Estado de S. Paulo

Alta excepcional do petróleo vira pretexto para a retomada de projetos populistas que tentam conter o aumento da gasolina

São cada vez mais evidentes os riscos econômicos em que a invasão da Ucrânia pela Rússia colocou o mundo. O fluxo de produtos originários ou destinados à região foi ou está sendo interrompido ou severamente prejudicado. Trigo, petróleo, gás e milho estão entre os principais produtos exportados pela região. O efeito é universal. Se ainda não subiram, em algum momento subirão os preços de bens tão diversos como o pão fresco, o macarrão, insumos e matérias-primas de uma vasta lista de produtos industriais, produtos agropecuários e o custo dos transportes.

Nos dez dias que se seguiram à decisão do presidente russo, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia, o preço do petróleo subiu mais de 20%. Em um ano, a alta é maior do que 70%. O barril do óleo tipo Brent chegou a ser cotado perto de US$ 120. Agora, vem oscilando em torno de valores recordes dos últimos 14 anos. Em algum momento, haverá impacto sobre os preços dos combustíveis para o brasileiro. É uma das formas como a crise do Leste Europeu afetará a vida no Brasil.

Transformar crise em oportunidade é um dos muitos lemas que executivos de empresas utilizam para motivar a si mesmos e a seus subordinados em momentos de dificuldades. Parece ser também o de políticos mais interessados em angariar prestígio e voto do que em amenizar as agruras que o brasileiro, sobretudo o menos protegido, já enfrenta há anos e que a crise europeia tende a acentuar.

Atento a oportunidades geradas pela crise, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que colocou na pauta de votação o pacote de projetos de lei que têm como objetivo declarado reduzir o preço dos combustíveis. “Precisamos tomar medidas que impeçam a elevação do preço dos combustíveis”, disse, para justificar sua iniciativa. Trata-se de evidente oportunismo.

Ainda que o senador tenha êxito e algum projeto com a finalidade por ele mencionada venha a se transformar em lei, será essencialmente inútil para atingir seu objetivo principal. O principal fator do aumento da gasolina tem sido a alta do petróleo. Leis, por mais bem-intencionadas que sejam, não impedem oscilações de preços típicas do mercado mundial de commodities, especialmente o petróleo. E o petróleo está tão caro como poucas vezes se viu na história.

A alta não é automática e integralmente repassada para o preço da gasolina. Graus diferentes de eficiência das empresas importadoras e refinadoras podem mitigar ou intensificar o efeito da alta do óleo sobre o bolso do consumidor final e sobre os custos das empresas que utilizam insumos derivados de petróleo. O câmbio igualmente afeta o preço em moeda local. Pode-se também criar uma espécie de colchão que amorteça os efeitos mais severos da alta do petróleo.

Congressistas tentam vender uma ilusão. O que eles prometem é uma solução que impeça a alta da gasolina. É populismo. Será que a Petrobras pode reduzir o preço da gasolina que está congelado há quase dois meses, período em que a cotação do petróleo explodiu? Um pouco de realismo evitaria aventuras como a que se trama no Senado.

Educação em frangalhos

O Estado de S. Paulo

Resultado do Saresp 2021 dá a dimensão do déficit de aprendizagem durante a pandemia. Resgatar os alunos é resgatar o Brasil

O recém-publicado resultado das provas do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), aplicadas em dezembro de 2021, revelou um panorama sombrio. Os alunos do 3.º ano do ensino médio da rede estadual obtiveram as piores notas em Matemática de toda a série histórica da avaliação feita pelo governo paulista, iniciada em 2010. A maioria dos alunos (58,7%) do último ano do ensino médio saiu da escola sem conhecer noções elementares da disciplina. O desempenho na prova de Língua Portuguesa foi igualmente sofrível.

Em 2021, os estudantes obtiveram nota 264,2 em Matemática. Até então, o pior resultado fora registrado em 2013, e mesmo assim acima do atual (268,7). Em Língua Portuguesa, a nota média obtida no fim do ano passado despencou em relação a 2019, aproximando-se do resultado de 2013. Note-se que não se está falando de conhecimentos altamente especializados, mas do manejo básico do idioma pátrio e das operações matemáticas. Sem isso, o que esperar do futuro dessa massa de jovens? Resgatá-los, em grande medida, é resgatar o País.

O Brasil estará condenado a ser um país medíocre caso o desastre causado pela pandemia de covid-19 na área de educação não seja revertido por políticas públicas bem planejadas e executadas desde já por Estados e municípios e, a partir do início de 2023, pelo governo federal. É quando se espera que o Ministério da Educação (MEC) – que se fez presente apenas pela irracionalidade de seus titulares nos últimos três anos – tenha, enfim, a chance de ser reerguido por um presidente da República digno do cargo após a razia promovida na pasta por Jair Bolsonaro.

A educação brasileira, particularmente nos níveis fundamental e médio, a rigor já não ia bem antes da eclosão da pandemia. Casos pontuais de boas políticas educacionais foram registrados em alguns municípios, mas os indicadores nacionais e regionais de desempenho dos alunos em conhecimentos básicos, como Língua Portuguesa e Matemática, já oscilavam abaixo dos padrões internacionais há algum tempo.

A disseminação do novo coronavírus, somada à inoperância de um presidente que enxerga o poder como mero exercício de mando e escudo contra a responsabilização por suas ações e omissões, impôs novos desafios à aprendizagem e agravou problemas antigos. De um dia para o outro, por exemplo, a pandemia obrigou professores e alunos que jamais haviam experimentado o ensino remoto a se adaptarem a uma nova forma de interação.

O necessário fechamento das escolas nos primeiros meses da pandemia foi seguido por políticas erráticas e desastrosas dos governos subnacionais em relação à reabertura – mais um reflexo da ausência do MEC. O que se viu foi o crescimento brutal da desigualdade entre alunos por classificações de renda e cor e um notável aumento do déficit de aprendizagem, que apenas no Estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do País, chega a seis anos.

É evidente que o resultado pífio obtido pelos estudantes paulistas no Saresp 2021 é parte de uma miséria cognitiva que se reproduz Brasil afora, fruto da tibieza dos governos, em todas as esferas da administração, ao lidar com a educação no curso da pandemia. O fechamento das escolas era uma medida necessária no início da pandemia, mas o ensino remoto, sem a estrutura necessária, provou-se um fracasso, sobretudo entre os mais pobres. Em seguida, criou-se um modelo híbrido, que também não se mostrou eficaz. E, nessa política de tentativa e erro, prevaleceu o erro e o resultado aí está.

Já se sabe o que precisa ser feito para reverter esse quadro trevoso. Há organizações da sociedade civil muito sérias que, diligentemente, têm feito diagnósticos e apontado caminhos. No Congresso, há uma dedicada bancada de deputados e senadores a serviço da educação trabalhando para tirar o País do atraso. Alguns secretários estaduais e municipais de Educação, por sua vez, têm conseguido êxitos locais que servem de exemplo para todo o País.

A importância da educação para o futuro do Brasil precisa deixar de ser o truísmo das campanhas eleitorais e se tornar a realidade percebida por milhões de alunos, pais e professores. O que falta é ação.

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