quarta-feira, 2 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Relatório da ONU sobre clima traça cenário alarmante

O Globo

Publicado na segunda-feira, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, conhecido pela sigla em inglês IPCC, deixa claro que os riscos do aquecimento global estão aumentando — e em alta velocidade. Pior: em breve, poderão se tornar maiores que a capacidade da humanidade e da natureza de se adaptar. O documento é resultado do consenso formado nos seis últimos anos por 270 cientistas de 67 países, inclusive o Brasil.

Nas discussões sobre o clima, muitas vezes a opinião pública acaba se sentindo perdida em meio a números e jargões obscuros. Para evitar confusão, basta lembrar que a bússola nesse debate é uma só: a temperatura. A média global já aumentou cerca de 1,1 °C desde o século XIX. O período pré-industrial, antes de a ação humana resultar na emissão de grandes quantidades de poluentes e na devastação de florestas, é usado como a base de comparação.

Caso nada seja feito daqui para a frente, chegaremos a 2100 em algum ponto entre 2 °C e 3 °C de aumento. O relatório do IPCC afirma que a meta estabelecida em 2015 no Acordo de Paris — garantir um aquecimento abaixo de 2 °C — não será suficiente para evitar o pior. Se o aumento de temperatura passar de 1,5 °C, os esforços de adaptação poderão falhar.

Uma alta de 1,5 °C ajudaria a reduzir de forma substancial as estimativas de perdas, mas não as eliminaria. Mesmo nesse cenário, entre 3% e 14% das espécies terrestres provavelmente enfrentarão alto risco de extinção. Nos oceanos e nas áreas costeiras, o risco de perda de biodiversidade variará de “moderado” a “muito alto”, segundo o relatório.

Entre 3,3 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas, cerca de 45% da população mundial, vivem em lugares altamente vulneráveis à mudança climática, afirma o IPCC. A América do Sul é apontada, assim como partes da África, como uma das regiões mais vulneráveis. É esperado o aumento dos períodos de secas prolongadas que já se fizeram sentir nos últimos anos. No outro extremo, chuvas torrenciais e cheias.

Os efeitos não deverão ficar restritos à agricultura. Também estão no horizonte problemas maiores de abastecimento de água nas grandes cidades, migrações de áreas inóspitas e epidemias de doenças como dengue, zika ou chicungunha.

A Amazônia é particularmente vulnerável a períodos de seca, como já demonstraram as registradas em 1998, 2005, 2010, 2015 e 2016. A combinação dos efeitos da alta da temperatura e da ação humana na região aumenta o risco para o ecossistema como um todo.

Nas palavras do português António Guterres, secretário-geral da ONU, o relatório do IPCC, “é um atlas do sofrimento humano e uma prova do fracasso da liderança sobre o clima”. Para enfrentar os desafios, serão necessárias ações em diferentes frentes. As duas principais: medidas para mitigar os efeitos negativos sentidos por populações vulneráveis em escala global e metas novas, muito mais ambiciosas, de corte na emissão de gases causadores do efeito estufa. Guterres falou por muitos quando declarou que o estudo “precisa soar como uma sentença de morte para os combustíveis fósseis, antes que eles destruam o planeta”.

Telegram só reagiu depois que o STF ameaçou suspender serviço

O Globo

Os executivos do aplicativo de mensagens Telegram deram, finalmente, sinal de vida. Depois que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçou mandar suspender o aplicativo pelo prazo inicial de 48 horas, os canais do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos foram bloqueados. Havia anos que a empresa, criada por russos e com sede em Dubai, fazia pouco-caso das autoridades brasileiras. Tentativas de notificação feitas pela Justiça Eleitoral desde 2018 não haviam sido respondidas. A primeira notificação de Alexandre, em 13 de janeiro, também fora ignorada.

Os responsáveis pelo Telegram faziam de conta que não acompanhavam o noticiário do quinto maior país do mundo em usuários de internet, onde seu aplicativo está em 53% dos celulares. A caneta de Alexandre acabou com a indiferença no dia 18 ao usar a palavra suspensão. Ele determinou a intimação dos sócios e de seu procurador domiciliado no país, que cuida sobretudo de questões relacionadas à propriedade intelectual.

Foram bloqueados três canais do blogueiro, alvo de dois inquéritos no STF que investigam um esquema de desinformação: Allan dos Santos, TV Terça Livre e Artigo 220. Será preciso acompanhar os próximos passos do Telegram para saber se foi uma atitude isolada ou o início de um novo comportamento que deixe para trás o deboche com a Justiça brasileira. Espera-se que haja uma mudança de postura.

Uma nova frente poderá ser aberta no Congresso, onde tramita o Projeto de Lei 2.630/2020, apelidado de PL das Fake News, com votação prevista para este mês. Um dos artigos exige que empresas com participação significativa no mercado tenham representantes legais no país. Nada mais razoável. Seria uma forma de fazer valer as decisões judiciais. Nas Cortes e entre parlamentares existe o temor de que o festival de mentiras que circulou no WhatsApp na campanha de 2018 migre neste ano para o Telegram. Não por coincidência, o aplicativo se tornou popular entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Se a aprovação do PL e as ações futuras do Telegram são pontos de interrogação, o comportamento de Allan dos Santos é bem menos incerto. Logo após o bloqueio dos canais, ele apareceu em vídeo nas redes sociais debochando da decisão judicial, se dizendo vítima de censura e comparando o Brasil a países como China, Cuba ou Coreia do Norte. Deixou claro que criara um perfil reserva no próprio Telegram, de onde seguiu xingando Alexandre e ensinando seus seguidores a driblar restrições ao aplicativo.

A prisão preventiva de Allan dos Santos, que vive nos Estados Unidos, foi decretada em outubro. O Ministério da Justiça recebeu também no ano passado o pedido para que desse início ao processo de extradição dele, mas, até agora, tem gastado mais energia tentando explicar por que quase nada foi feito.

Rússia sob sanção

Folha de S. Paulo

Medidas tendem a derrubar a economia do país, mas impacto sobre Putin é duvidoso

Sanções econômicas dificilmente derrubam regimes ou mesmo autocratas de turno. As retaliações e o isolamento impostos a Coreia do Norte, Cuba, Irã ou Venezuela são exemplos notórios do impacto limitado desse tipo de instrumento de conflito ou punição.

Acreditar que as medidas contra a economia da Rússia possam colocar em perigo iminente o poder de Vladimir Putin é especular contra as probabilidades conhecidas, pois. De resto, parece haver pouco conhecimento acerca do esquema de sustentação do líder russo.

Está evidente, entretanto, o efeito imediato das sanções na economia do país. Os danos serão tanto maiores quanto mais tempo durarem o conflito e as retaliações.

De pronto, a Rússia foi submetida a uma crise de pagamentos externos. O país ficou sem acesso a parte de suas reservas em moeda forte, por decisão de Estados Unidos, União Europeia e aliados.

As autoridades econômicas russas, portanto, têm de lidar com uma crise de confiança ampliada por essa nova restrição, mas com meios reduzidos de fazê-lo.

É difícil evitar uma desvalorização aguda do rublo, o que vai provocar mais inflação. A fim de combater a carestia e o descrédito na moeda, nos bancos e nos títulos de dívida, elevam-se brutalmente as taxas de juros. Tal aperto monetário contribuirá para desaceleração ainda maior da economia.

Os maiores bancos russos foram banidos dos mercados americano e europeu e do sistema principal de pagamentos internacionais. A medida dificulta a realização de negócios, elevando riscos e custos.

Além do mais, empresas e bancos ocidentais temem punições de seus países por burlar as sanções, inadvertidamente. Temem ainda o risco de inadimplência da contraparte russa, sujeita à escassez de moeda forte ou outros óbices.

Assim, cancelam-se operações, o que afeta até o comércio de petróleo ou de grãos, que não foi objeto direto de retaliações. Grandes fretadoras de navios mercantes do mundo evitarão atracar nos portos russos; companhias ocidentais rompem parcerias ou desinvestem no gigante da Eurásia.

O país pode perder até sua fonte restante e contínua de recursos, as exportações, que colocam no azul seu balanço de pagamentos, que lhe rendeu US$ 21 bilhões em janeiro deste 2022 e US$ 120 bilhões em todo o ano passado.

No médio prazo, a escassez de recursos externos e as restrições a compras de alta tecnologia ocidental vão estrangular ainda mais a atividade econômica.

Sem solução ampla do conflito com o Ocidente, o que vai muito além da guerra na Ucrânia, a perspectiva da Rússia é de empobrecimento a perder de vista.

Desigualdades do clima

Folha de S. Paulo

Impactos do aquecimento global são mais letais em países pobres, diz relatório

São decrescentes as chances de a humanidade evitar um desastre planetário decorrente da mudança do clima, cujos desdobramentos já afetam de forma significativa populações e ecossistema inteiros.

O prognóstico emerge da segunda parte do AR6, o sexto relatório de avaliação do IPCC, painel do clima das Nações Unidas —um compilado da melhor ciência produzida sobre o tema, que busca nortear a ação dos governos.

A primeira, anunciada em agosto de 2021, focalizara as bases físicas da alteração climática; a atual concentra-se nos impactos, vulnerabilidades e adaptações.

Conduzida por 270 pesquisadores de 67 nações, a extensa revisão científica descreve um cenário de flagrante desigualdade, em que regiões mais pobres terminam desproporcionalmente afetadas.

Basta dizer que, de 2010 a 2020, a letalidade de secas, inundações e tempestades em áreas altamente vulneráveis, que incluem países da África, Ásia e América Latina, foi de 15 vezes a verificada em nações mais ricas. Além disso, espantosos 40% da população mundial vive em zonas de risco, altamente suscetíveis à mudança climática.

Se a temperatura média do mundo subir 1,5°C na comparação com os níveis pré-industriais (o objetivo do acordo de Paris), até 14% das espécies terrestres correrão risco muito alto de extinção.

Ocorre que a redução de emissões proposta até o momento implica aumento acima de 2,5°C. Nesse cenário, quase um terço da vida sobre a terra pode desaparecer.

E mesmo que o limiar de 1,5°C seja ultrapassado apenas temporariamente, afirma o relatório, uma série de danos graves e irreversíveis deve afetar de ecossistemas à geração de energia, passando pela segurança alimentar e pelo abastecimento de água.

Um dos ecossistemas destacados no relatório é a Amazônia, onde o impacto das alterações do clima se soma ao avanço crescente do desmatamento. Incêndios, desflorestamento e períodos de seca ameaçam transformar parte substancial da floresta numa vegetação de campo, com repercussões deletérias para o agronegócio brasileiro.

Apesar dos reiterados alertas do IPCC e dos efeitos já visíveis do aquecimento global, os compromissos dos países para reduzir suas emissões e a ajuda financeira às nações mais vulneráveis seguem em franco descompasso com a realidade, como se pôde constatar mais na recente COP26.

Segurança pública não é violência

O Estado de S. Paulo

Ao lado de casos de sucesso na segurança pública, como são as câmeras nos uniformes policiais, observam-se ações políticas que fomentam a violência e a baderna

Ao lado do sucesso das câmeras no uniforme, ações políticas fomentam baderna.

Aspecto fundamental da vida em sociedade, a segurança pública afeta todas as pessoas e empresas. Ninguém está imune à desordem, à violência, ao crime e à sensação de insegurança. Tal constatação deveria conduzir a um consenso mínimo sobre políticas públicas para a área, identificando prioridades e os meios disponíveis para realizá-las. No entanto, observam-se ideias e ações políticas diametralmente opostas que, mais do que diferenças ideológicas, revelam uma grande confusão sobre a própria concepção de segurança pública. Há gente se aproveitando do tema para a mais vil politicagem.

Constatam-se, de um lado, avanços significativos na área de segurança pública, como são os bons resultados advindos do uso de câmeras em uniformes das polícias. Cada vez mais governos estaduais e municipais adotam a tecnologia. Segundo levantamento do Estadão, além de São Paulo, Santa Catarina e Rondônia – que já usam as câmeras de forma permanente –, nove Estados têm feito testes com os equipamentos. Guardas municipais também têm usado a tecnologia.

Trata-se de investimento público que melhora a segurança da população. As câmeras corporais filmam a atividade policial, monitorando a legalidade das condutas e colhendo provas. Como era previsível, o uso da tecnologia diminuiu drasticamente a taxa de letalidade policial. O equipamento também propicia uma melhor coordenação da atividade policial, ao fornecer a localização precisa dos agentes e das ocorrências.

O uso de câmeras corporais é um poderoso caso de sucesso de política pública na área da segurança. Vale lembrar que a transparência também beneficia diretamente o bom trabalho dos policiais. Com o registro das evidências, as ações policiais em defesa da lei podem ser facilmente justificadas. Diante da incontestável eficiência da tecnologia, o Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) está elaborando uma diretriz sobre as câmeras corporais, para orientar e fomentar sua adoção em todo o território nacional.

Ao lado dessas experiências positivas, verificam-se também ações políticas que, sob o pretexto de aumentar a segurança pública, trazem na verdade riscos para a população. Nessa rota de retrocesso e violência, o bolsonarismo tem notório protagonismo.

Se as câmeras corporais são uma excelente notícia para o País, é simplesmente estarrecedor constatar o crescimento do número de registros de armas. Em 2021, a Polícia Federal licenciou mais de 204 mil artefatos para a população civil, segundo informou o jornal O Globo. Em 2020, foram 177 mil licenciamentos e em 2019, 94 mil. Em 2018, último ano do governo de Michel Temer, a Polícia Federal havia licenciado 51 mil peças. Os números não incluem as armas utilizadas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACS), controladas pelo Exército.

O progressivo armamento da população civil, que contraria a Constituição e o Estatuto do Desarmamento, revela o quão nefasta é a permissividade do governo de Jair Bolsonaro, que reduziu o controle e as restrições relativas às armas de fogo. Recentemente, contrariado com uma notícia que mostrava como armas obtidas por meio da licença para CACS abasteciam o crime organizado, Bolsonaro reafirmou sua enorme confusão e ignorância sobre o tema. “Estamos no caminho certo. Cidadão legalmente armado (no campo ou cidade) além de segurança para si e sua família, é a certeza que nunca será escravizado por nenhum ditador de plantão”, escreveu no Twitter.

Não há segurança pública se o cidadão precisa se armar. Cabe ao poder público prover a segurança de todos. Um presidente da República que, sob o pretexto de proteger o cidadão, libera o uso de armas está admitindo sua mais cabal incompetência em realizar um serviço que compete ao Estado prestar.

Além disso, como nos tempos de mau militar, Jair Bolsonaro segue atiçando paralisações e motins das forças de segurança estaduais. Isso é grave baderna ilegal e irresponsável. Segurança pública é proteção do cidadão, dentro da lei. Não é violência, é cidadania.

A grande revolução do cano enterrado

O Estado de S. Paulo

O saneamento é o setor que expõe com mais crueldade a desigualdade do País. O novo Marco foi um grande passo rumo à universalização. Mas é só o primeiro

É um velho refrão que “cano enterrado não dá voto”. Analogamente, as instituições civis dedicadas ao saneamento sabem que ele não traz popularidade. Mas aqueles que trabalharam pelo novo Marco do Saneamento podem se regozijar por serem protagonistas daquela que pode ser a maior revolução social da história do Brasil.

Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável, quase 100 milhões não têm coleta de esgoto e 4,4 milhões, sem nenhum esgoto, são obrigados a defecar a céu aberto. Além da ofensa à dignidade humana, isso acarreta imensos problemas ambientais, sanitários e econômicos. A calamidade estarrece não só pelo seu tamanho, mas pela sua resiliência. Os números são praticamente os mesmos há anos.

Em 2014, o Plano Nacional de Saneamento estabeleceu a universalização do abastecimento de água até 2023 e a da rede de esgoto até 2033, com investimentos de R$ 25 bilhões anuais. Na última década, a média de investimentos ficou em metade disso. Nesse ritmo a universalização só seria atingida em 2060. Para piorar, não só os investimentos vinham caindo (entre 2014 e 2018 a redução foi de 12,3%), como o cálculo parece defasado: especialistas apontam a necessidade de investir entre R$ 30 bilhões e R$ 60 bilhões ao ano.

A Constituição determinou que os serviços públicos fossem precedidos de licitação e proibiu o tratamento privilegiado às estatais. Mas, ao contrário de áreas como energia, transporte e telecomunicações, o saneamento ainda agonizava entre regras retrógradas. As companhias estaduais operam sem capacidade de investimento. As parcerias público-privadas, mesmo respondendo por 20% dos investimentos, representam só 6% do mercado.

O novo Marco, aprovado em 2020, centralizou a regulação na esfera federal da Agência Nacional de Águas (ANA), promovendo a uniformização das normas pulverizadas entre milhares de municípios, e exigiu licitação e adesão a metas para os contratos. Com isso garantiu segurança jurídica e competitividade ao setor, ajudando a atrair investimentos e promover a eficiência. Além disso, previu a montagem de blocos regionais, combinando localidades rentáveis e deficitárias, de maneira a permitir que as primeiras compensem as carências técnicas e financeiras das últimas.

Os resultados já se fazem sentir. Em 2021, os megaleilões em grandes cidades elevaram em 15% os investimentos. Entre 2022 e 2023, a expectativa é de que as 23 licitações previstas (12 em cidades pequenas) aumentem os investimentos em 18%.

O saneamento não é só um imperativo moral, mas econômico. Estima-se que cada R$ 1 gere um retorno de até R$ 4 entre redução de gastos com saúde, aumento da produtividade, valorização imobiliária ou receitas do turismo.

A solução para a calamidade sanitária e econômica precipitada pela pandemia passa em boa medida pelo saneamento. Ele melhorará as condições sanitárias da população e é o setor de infraestrutura com maior perspectiva de investimentos.

Entre os desafios ainda estão uma regulação equilibrada por parte da ANA; uma reforma tributária que aumente a capacidade de arrecadação e investimento municipal; e um plano de ação da União que priorize investimentos em municípios mais precários.

Mais do que tudo, é preciso uma revolução na consciência pública. Nenhum setor expõe com tanta crueldade a desigualdade do País e todo progresso econômico será ilusório enquanto as pessoas não tiverem acesso à água e esgoto. Políticos confortáveis com o adágio “cano enterrado não dá voto” deveriam ter sua ambição à vida pública morta e enterrada. Mas para isso a população precisa se conscientizar. Uma pesquisa da Kimberly-clark revelou que entre os 10 problemas que mais preocupam os entrevistados o saneamento está em 9.º lugar, e 70% subestimam o problema.

O Marco do Saneamento foi só o primeiro passo rumo à universalização. A defasagem é profunda, os desafios são enormes, mas tudo indica que, literalmente sob nossos pés, a grande revolução já começou. Para que seja consumada, será necessária a mobilização de todos. Basta de tolerar o intolerável.

Financiamento da dívida mobiliária já está mais caro

Valor Econômico

Conflito afeta o Brasil com mais pressão sobre a inflação, volatilidade no câmbio e reforça a tendência de alta dos juros domésticos

O secretário do Tesouro Nacional, Pedro Valle, vangloriou-se de que o Brasil está preparado para enfrentar a volatilidade dos mercados internacionais causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Desde que o conflito estourou, na quinta-feira da semana passada, os mercados reagiram negativamente, pressionando os juros e o câmbio. Valle argumentou que o país possui reservas elevadas e que parcela pequena da dívida mobiliária é dolarizada.

Valle tem razão em relação à dependência reduzida dos financiadores estrangeiros para rolar a dívida mobiliária. Em janeiro, os estrangeiros detinham R$ 565,4 bilhões da dívida mobiliária brasileira, ou 10,53%. Instituições financeiras e fundos de investimentos concentram 53% da dívida mobiliária. No passado, estrangeiros já tiveram posição mais relevante. Em novembro de 2015, chegaram a possuir 19,37%. A dívida em moeda estrangeira também está em níveis baixos, somava R$ 249,9 bilhões, ou 4,4% do total.

Outros fatores que contribuem para uma certa tranquilidade são as reservas internacionais, que estão no nível confortável de US$ 350 bilhões; e o colchão de liquidez do Tesouro. Apesar de os resgates realizados ao longo de janeiro terem diminuído em R$ 54 bilhões esse colchão, a reserva de segurança fechou o mês em R$ 1,132 trilhão, com um salto de 40% em um ano, em comparação com os R$ 806 bilhões de janeiro de 2021. O volume é suficiente para cobrir 85% dos vencimentos previstos para os próximos 12 meses em R$ 1,334 trilhão, o equivalente a quase um quarto do total da dívida mobiliária, que atingiu R$ 5,616 trilhão no fim de janeiro.

Mas não há como escapar da influência da turbulência no mercado doméstico dada a pressão que a guerra no Leste Europeu deve provocar sobre os preços, contribuindo para elevar os juros ainda mais. O conflito alimentou a expectativa de alta dos juros e dos preços internacionais ao pressionar as cotações do petróleo, gás e commodities em geral.

O custo de financiamento da dívida mobiliária federal já vinha aumentando ao longo do ano passado, acompanhando a elevação dos juros básicos (Selic), determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) para deter a escalada da inflação. Os preços subiram no Brasil por motivos internos, como a crise hídrica, mas também externos, como a elevação do petróleo e problemas nas cadeias globais de suprimentos causados pela covid-19.

Na esteira da escalada da Selic, que saltou dos 2% do início de 2021 para os atuais 10,75%, o custo médio de emissão da dívida mobiliária federal quase dobrou, saindo de 4,67% em janeiro de 2021 para 8,92% em janeiro passado. O aumento mais acentuado foi das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), títulos pós-fixados indexados à Selic, que, apesar da demanda forte, teve a taxa triplicada, de 2,19% em janeiro de 2021 para 6,60% no mesmo mês deste ano.

Como as LFTs acompanham a Selic, a alta dos juros é a principal impulsionadora da demanda por esse título. A participação das LFTs no estoque total da dívida mobiliária federal aumentou de 35,2% em janeiro de 2021 para 38,4% agora. Desde o começo do ano, o Tesouro emitiu R$ 217,5 bilhões em títulos públicos 63,5% dos quais são LFTs. Mais recentemente a demanda, verificada também nas operações do Tesouro Direto, causou o recuo das taxas desses papéis.

Também foi significativo o aumento das Letras do Tesouro Nacional (LTN), de 3,71% para 7,34% no mesmo espaço de tempo. Subiram, embora com menos intensidade, as Notas do Tesouro Nacional (NTNs). As NTNs B, que acompanham o IPCA, passaram de 10,52% para 15,31%; e as NTN-Fs, prefixadas, subiram de 7,18% para 9,25%.

É compreensível que o secretário do Tesouro queira transmitir calma e garantir que a administração da dívida mobiliária está sob controle. Apesar dos fatores positivos do colchão de liquidez, das reservas internacionais e da baixa dependência do capital externo para rolar os títulos públicos, o ano ainda está no começo. Se já havia preocupação com as turbulências esperadas em consequência das eleições presidenciais, o quadro agora se agravou com o conflito no Leste Europeu. O desenvolvimento do conflito no Leste Europeu parece bem incerto e os prognósticos são pessimistas. Além das perdas em vidas humanas, há todo o impacto econômico que afeta o Brasil, com mais pressão sobre a inflação, volatilidade no câmbio e reforça a tendência de alta dos juros domésticos, além dos 12,25%, que é a mediana das projeções colhidas pela pesquisa Focus, do BC.

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