quinta-feira, 24 de março de 2022

Vinicius Torres Freire: Real se valoriza, mas ainda está fraco

Folha de S. Paulo

Por ora, taxa de câmbio refresca pouco o calor da caldeira que é a inflação mundial

O real foi a moeda que mais se valorizou neste ano, entre as 38 acompanhadas pelo FMI, todas as que interessam, o dinheiro de países que fazem o PIB global quase inteiro. Na média de março em relação à média de dezembro de 2021, o dólar caiu quase 11%. As comparações são de valores nominais (ou seja, não descontam inflações nem corrigem a taxa de câmbio por outros fatores relevantes).

É a história econômica mais relevante dos tempos que correm, pois o país não tem política econômica propriamente dita, estando à deriva ou na inércia. No que importa, restam apenas as decisões do Banco Central, agora quase a reboque do que vai acontecer com os preços mundiais de commodities. No mais, existe sempre a possibilidade de o governo aloprar além do que já se sabe e estourar as contas a fim de ganhar uns votos.

A taxa de câmbio pode dar um refresco na inflação. Pouca gente se arrisca a falar do assunto porque:

1) A valorização recente do real compensa pouco o imenso tombo que ocorreu na epidemia, alta de 30,5% do dólar de fevereiro de 2020 a dezembro de 2021;

2) Assim como a alta recente foi uma surpresa, é também difícil dizer quanto vai durar, o que depende de humores da finança mundial, do tamanho do tombo que a economia global vai tomar com a guerra da Ucrânia ou da quantidade de disparates que vamos ouvir na campanha eleitoral, para ficar em poucos exemplos;

3) O preço de mercadorias básicas, commodities, subiu tanto neste ano que a alta do real ainda enxuga gelo inflacionário. Além do mais, a inflação doméstica se disseminou (preços de vários setores econômicos aumentam, embora não os salários, convém notar).

Ainda assim, é a novidade que temos; pode vir a ser um motivo de alívio, com alguma sorte e com a contenção das loucuras domésticas (gostamos de dar tiro no pé, no peito e, nos últimos dez anos, na cabeça). Sim, o movimento não ocorre apenas no Brasil, mas com algumas moedas do mundo, em particular as dos países latino-americanos, que todos apanharam muito no câmbio nos dois primeiros anos da epidemia.

Por ora, a alta do real em relação ao dólar refresca pouco o calor da caldeira que é a inflação mundial. O preço do petróleo (tipo Brent) aumentou cerca de 50% neste ano. O da gasolina, 47%. Trigo, 46%. Soja, 29%. Minério de ferro, 20%. Boi gordo, porém, e açúcar ficaram quase na mesma. As contas constam de relatório de economistas do Bradesco (que tratava de outro assunto e que nada têm a ver, necessariamente, com o argumento destas linhas).

Convém lembrar que nem a variação dos preços mundiais nem sua tradução em reais são repassadas imediata ou integralmente para os preços domésticos. A inflação no atacado ou para os produtores não se transforma sem mais nem menos em inflação para o consumidor. Isto posto, a gente pode ver que a ordem de grandeza dos aumentos das commodities e da valorização do real é diferente, para pior.

O dólar baixou a R$ 4,84 nesta quarta-feira. Na última semana útil, ficou em R$ 5,02. Na média de dezembro, estava em R$ 5,66. Em fevereiro de 2020, último mês antes do início "oficial" da pandemia, em R$ 4,34. Em janeiro de 2020, em R$ 4,15 (sempre em valores nominais, sem qualquer tipo de correção). O real ainda precisa comer muito arroz e feijão, aliás caros, para se recuperar. Em tese, vai ser muito difícil que volte aos valores de inícios de 2020, mas ainda pode vir refresco pela frente. Se houvesse um governo, não dependeríamos tanto dessa esmola da sorte mundial. Mas é o que temos. Se os candidatos a presidente disserem coisa com coisa, uma espécie de pré-governo de 2023, também ajuda.

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