quinta-feira, 17 de março de 2022

William Waack: A guerra da Ucrânia e as ideias

O Estado de S. Paulo.

O conflito significa muito mais para o Brasil do que preço de combustíveis

Quando se trata das decisões de Vladimir Putin a questão não é de geopolítica, argumenta o historiador Timothy Snyder (bestsellers no Brasil: Terras de Sangue e Na Contramão da Liberdade). Pois, em termos geopolíticos, diz ele, tudo o que Putin conseguiu invadindo a Ucrânia foi acelerar a vassalagem da Rússia diante da China.

A guerra lançada por Putin é em torno de uma ideia nascida de interpretação errônea de “fatos” históricos, enfileirados para satisfazer as convicções místicas do chefe oligarca em Moscou. Nesse sentido, Snyder lança um grande desafio para a escola do “realismo” na interpretação das relações entre as potências, segundo a qual os únicos fatores que realmente importam são poder e segurança.

O principal representante do realismo no debate atual é o professor John Mearsheimer (best-sellers: The Tragedy of Great Power Politics e The Great Delusion). Segundo ele, os Estados Unidos são culpados pelo que está acontecendo, pois forçaram a integração da Ucrânia na Otan, apesar de a Rússia ter dito que jamais toleraria esse fato, visto por ela como ameaça existencial.

As aulas de Mearsheimer em vídeo estão com milhões de acessos. “Putin o agressor” é uma história inventada por políticos ocidentais, diz o professor, para justificar a própria falta de visão e irresponsabilidade. E Putin está fazendo o que os americanos sempre fizeram: “o poder (militar) cria o direito”.

O debate tem um interesse muito mais abrangente do que o acadêmico. O “realismo” afirma que a nova ordem internacional que nasce agora obedece aos fatores de sempre (poder e segurança). Snyder acrescenta um aspecto que não contradiz a visão “realista”, mas a amplia ao se tentar entender o que está acontecendo: a força das ideias.

Assim, a expansão da Otan é a consequência de uma má ideia abraçada por gerações de líderes ocidentais: a de que forças irresistíveis (o capitalismo) “inevitavelmente” multiplicariam democracias. A China já havia provado o erro dessa suposição, mas, mesmo assim, acreditou-se, nas capitais ocidentais, que não havia mais alternativas (“fim da História”).

Mas também a reação ucraniana à invasão é em torno de uma ideia, a da integração europeia, que supõe princípios respeitados por todos (como a não violação de territórios). Mais ainda, a resistência à injustificável agressão ensina que ser uma nação não significa apenas possuir idioma ou história em comum. “Nação” é uma coletividade possuir uma ideia comum do que deveria ser seu futuro.

Uma óbvia lição para o Brasil.

 

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