terça-feira, 12 de abril de 2022

Andrea Jubé: Jantar de Lula com MDB já estava precificado

Valor Econômico

Palanque de Jucá em RR tem PL de Bolsonaro na vice

Quando era presidente do Senado, o então senador Eunício Oliveira (MDB-CE), acomodado em uma mesa do café atrás do plenário, rabiscou em uma folha de papel, com a destreza de uma criança de quatro anos, um suposto mapa do Brasil. Dividiu o esboço em 27 círculos e anotou, em cada um, o nome do cacique que dominava aquela região.

Na ocasião, Eunício explicou que o MDB era um partido de lideranças regionais, onde cada um era dono do seu quadrado. Assim, há mais de uma década, Eunício controla o diretório do Ceará, enquanto o ex-presidente José Sarney comanda o MDB no Amapá e no Maranhão, Renan Calheiros dirige o MDB de Alagoas, Jader Barbalho, o diretório do Pará, e o ex-senador Romero Jucá, o diretório de Roraima, para citar alguns dos principais cardeais.

É nessa configuração de potências regionais que o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), trabalha para construir maioria em torno da pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República.

O desafio de Baleia é duplo: garantir o MDB, e, na sequência, vencer o páreo na terceira via, entre a dupla de adversários tucanos: os ex-governadores João Doria e Eduardo Leite. O ex-juiz Sergio Moro tem afirmado que não saiu da corrida, mas o fato é que o União Brasil não lhe dará legenda para concorrer ao Planalto.

Em outra frente, Renan Calheiros e outros cardeais da sigla, tentam neutralizar a articulação de Baleia para levar o MDB para a coligação encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. O jantar de ontem à noite na casa de Eunício Oliveira foi mais um passo nessa direção.

“Gostaria de ter um candidato competitivo, mas para isso, a fotografia das pesquisas tem que mudar. Se tiver competitividade, tudo o que o MDB quer é a candidatura própria. Sem competitividade, eu defendo que o MDB apoie o Lula já no primeiro turno”, disse Renan à coluna.

“O MDB não aguenta mais um candidato a presidente com 1% dos votos. O [Henrique] Meirelles levou o partido a reduzir à metade a bancada na Câmara e no Senado. É um preço muito alto que se paga para brincar de ter candidato”, completou.

Renan e dezenas de lideranças do MDB não digeriram o índice de 1,2% nas urnas alcançado pelo representante do MDB na corrida presidencial em 2018. Meirelles terminou em sétimo lugar, atrás do Cabo Daciolo (Patriota), que ficou em sexto. Também naquele ano, Renan foi uma das vozes que se ergueram contra o projeto. Na convenção que sacramentou o nome de Meirelles, ele chamou a candidatura de “ridícula”.

Renan tem razão para estar apreensivo quanto ao encolhimento do MDB. A sigla que já foi hegemônica no Senado, com bancada de mais de 20 integrantes, minguou para 12 senadores. O PSD, que está em plena expansão, tem 11 senadores. Se quiser evitar a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em 2023 e voltar ao comando da Casa, o MDB vai ter que rebolar nas urnas.

Um impasse para os planos de Renan, entretanto, é o próprio Lula. Se quer o MDB com ele já no primeiro turno, não fez gestos para isso. Até hoje não buscou uma reunião com Baleia Rossi para tratar da eleição, criticou um petista do entorno de Lula.

Além disso, Lula declarou apoio ao líder do PSOL, Guilherme Boulos, para a Prefeitura de São Paulo em 2024, justamente quando o MDB tentará reeleger o prefeito Ricardo Nunes.

Em paralelo, o MDB filiou o ex-secretário Edson Aparecido, tucano da gema, que será o vice do governador Rodrigo Garcia (PSDB). O movimento é a sinalização de que o MDB tem projeto longevo de poder em São Paulo, com 2026 no horizonte e Boulos seria uma pedra no caminho.

Ainda sobre os descaminhos do MDB, Roraima é um exemplo irônico. Enquanto Renan tenta levar o MDB para Lula no primeiro turno, o ex-senador e ex-presidente do MDB Romero Jucá articulou um palanque no Estado com o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2018, Jucá foi uma das vítimas do bolsonarismo nas urnas e não conseguiu se reeleger, ao lado de outros próceres do MDB, como Eunício, Edison Lobão (MA) e Garibaldi Alves (RN).

A ex-prefeita de Macapá e ex-esposa de Jucá, Teresa Surita, vai concorrer ao governo de Roraima pelo MDB, enquanto Jucá tentará ser reconduzido ao Senado. A vaga de vice foi para o deputado Édio Lopes, presidente do PL local.

O palanque principal de Bolsonaro no Estado é do governador Antonio Denarium (PP), que tentará a reeleição. Mas não se descarta que o PL abra o palanque do MDB para Bolsonaro.

Em meio às desavenças internas, aliados de Tebet argumentam que tentar esvaziar a candidatura da senadora não é uma estratégia inteligente. Ao contrário, seria jogar a ala não lulista do MDB nos braços de Bolsonaro.

Os diretórios do MDB no Nordeste e em muitos Estados do Norte preferem Lula, mas o partido tem um eleitorado conservador que é historicamente refratário ao PT, principalmente no Sul, no Centro-Oeste e no interior de São Paulo - reduto eleitoral de Baleia Rossi.

Aliados de Simone Tebet estão convictos de que ela tem mais chances de se viabilizar como candidata da terceira via, pelos atributos do MDB. O partido tem o maior número de prefeitos e a maior capilaridade política. Tem o terceiro maior fundo eleitoral, enquanto o primeiro maior fundo está com o União Brasil. Por isso a torcida pelo deputado Luciano Bittar, presidente do União, na vice.

Se Simone Tebet não tem a unanimidade dos caciques do MDB em torno de seu projeto presidencial, a dissidência que jantou com Lula ontem na casa de Eunício já estava precificada no entorno de Baleia e da senadora. Renan, Eunício, Marcelo Castro (MDB-PI), Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Também eram esperados Eduardo Braga (MDB-AM) e Jader Barbalho (MDB-PA). Todos aliados históricos de Lula. “Tá combinado”, diz um interlocutor de Simone Tebet, citando a composição de Caetano Veloso. “Não tem nenhum engano nem mistério”.

 

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