sábado, 23 de abril de 2022

Ascânio Seleme: Bolsonaro é Sylvio Frota

O Globo

O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário

À primeira vista, o desgraçado indulto que Jair Bolsonaro concedeu ao deputado Daniel Silveira foi visto pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, como um ato normal que não pode ser contestado. Depois, em entrevista ao GLOBO, disse que ele fragiliza a justiça penal, mas é legítimo. Antes do decreto ser assinado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, já havia enviado ofício ao Supremo Tribunal Federal em favor de Silveira, pedindo que a Corte defina que apenas o Congresso pode cassar o seu mandato. Os chefes da Câmara e do Senado, que deveriam defender as instituições e a democracia que as duas Casas sustentam, condenando com veemência a afronta de Bolsonaro, se posicionaram de maneira dúbia, com espinhas dobradas.

Pacheco e Lira foram condescendentes e são cegos. Não conseguem enxergar que mantida esta escalada, mais adiante os alvos da ira antidemocrática do presidente serão eles e seus pares. Bolsonaro se coloca acima da Constituição ao decretar que o Supremo Tribunal errou e indultar Silveira. E o que os presidentes das casas legislativas fazem? Nada. Apenas Pacheco fez uma breve ponderação, passando o pano sobre o ato que chamou de constitucional e que, segundo ele, tem de ser acatado pelo STF. O que houve, além da afronta ao Supremo, foi um insulto ao Congresso, mas seus líderes abaixaram a cabeça. Um dia podem ser obrigados a baixá-las para serem cortadas pelo presidente golpista.

Bolsonaro, todos sabem, é um candidato a autocrata que defende a ditadura de 1964 e faz reverência a torturadores, como o seu herói Brilhante Ustra. Se fosse mais velho e não tivesse sido expulso do Exército por baderna, certamente estaria entre a tigrada que desceu o pau nos porões do regime. Provavelmente teria se conflagrado contra o presidente Ernesto Geisel e apoiado o general Sylvio Frota na tentativa de golpe que o ministro do Exército quis aplicar contra a abertura do regime, em 1977. Bolsonaro, não tenham dúvida, seria da linha dura da ditadura.

Se consumar o golpe que vem tentando desde 7 de setembro do ano passado, sua prática será absolutista. Não ouvirá ninguém. Se fosse moderado, cassaria alguns ministros do Supremo e parlamentares da oposição. Mas, não, Bolsonaro é Sylvio Frota. O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário. Pacheco, Lira e outros parlamentares do Centrão que apoiam o governo, a maioria por razões fisiológicas, não conseguem ver o óbvio. Aparentemente, a proximidade dos cofres públicos embaça a visão.

O objetivo de Bolsonaro é evidente. Obviamente ele não está indultando um presidiário que cumpriu parte da sua pena, que se comportou exemplarmente durante o encarceramento, que tem família para criar. Ele está beneficiando um criminoso aliado do seu agrupamento fascistóide de maneira a provocar o Supremo, gerando uma crise institucional que beneficia seu projeto golpista. Ele quer um óbice do STF para alegar que seus poderes constitucionais estão sendo violados. Por isso, para reforçar a posição do tribunal, os líderes do Congresso deveriam se manifestar de maneira firme e inequívoca contra o indulto. Não foi o que se viu.

Se com seus poderes hoje balizados pela Constituição Jair Bolsonaro já governa cercado por generais, imaginem se o seu golpe vingar. Seguirá escolhendo sempre generais que pensam como ele, os linha dura, agressivos, autoritários (Braga, Ramos, Heleno) e os lambe botas (Pazuello). Os mais inteligentes, independentes e éticos (Santos Cruz, Rêgo Barros) foram defenestrados do governo e continuarão fora do jogo. Será com aqueles, além dos zeros que o acompanham nas suas barbaridades, que o ditador vai compartilhar o poder e o butim se deflagrar com êxito um golpe. Aí, não sobrará muita coisa para Lira, Pacheco e o resto da turma.

Lambança militar

Não é necessário repetir as inúmeras lambanças feitas em nome das Forças Armadas porque muita gente aqui do GLOBO já tratou do assunto. Nem é preciso falar da sua desmoralização galopante. Mas é importante voltar a uma delas, a mais grave, a que debocha da tortura. E nesse caso, apenas para falar da estupidez do vice-presidente general Hamilton Mourão e da ignorância do presidente do STM general Luís Carlos Gomes Mattos. Mourão foi estúpido porque riu de uma das etapas mais tenebrosas da vida nacional. Mattos foi burro porque não entendeu do que se tratava e chamou o episódio de “notícia tendeciosa”. Não era notícia, era história. História vergonhosa da qual o general agora faz parte.

Sem resposta

Bobagem decretar cem anos de sigilo sobre dados polêmicos. O governo Bolsonaro já tapa o cheiro forte que emana do Palácio do Planalto se recusando a responder perguntas de jornalistas sobre os malfeitos de Jair e sua turma. Como faz sempre, desde que demitiu o ex-porta-voz general Otávio Rêgo Barros.

O delírio de Lira

A julgar pela entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Arthur Lira, acha que os brasileiros são idiotas. Ele disse que o orçamento não é secreto porque os parlamentares publicam em suas redes sociais todas as suas atividades e divulgam as emendas que aprovam para os seus redutos eleitorais. Ocorre que houve gente de um estado que mandou verba para outro e que agora não quer ver seu nome associado a liberações feitas para repartir privadamente recursos públicos. Lembra do “Tratoraço”? Em seu delírio, Lira esqueceu de afirmar que há três meses o Congresso se nega a atender determinação da ministra Rosa Weber de quebrar esse sigilo.

A ilusão do PT

O problema do PT é que muita gente no partido acredita serem seus todos os mais de 40% de eleitores que dizem nas pesquisas que vão votar no Lula em outubro. Não são. O patamar autenticamente petista não é baixo e deve ficar em torno de 30%. Os demais estão ali porque se desiludiram com Bolsonaro ou não acreditam no sucesso da terceira via. Serão esses que poderão dar a vitória a Lula e precisam ser cultivados.

Dinheiro pouco

Pesquisa da CNI revela que um em cada três brasileiros teve sua renda reduzida nos últimos seis meses. Entre os mais pobres, com até um salário mínimo, o percentual sobe para 47%. No Nordeste de Lula, 42% dos brasileiros perderam fortemente o poder de compra no período. O Datafolha já mostrava em março que os beneficiários do Auxílio Brasil julgavam insuficiente o valor da bolsa de R$ 400. E os milzinhos do FGTS não vão nem fazer cócegas. É a inflação de Bolsonaro trabalhando contra o pacote de bondades do Bolsonaro.

Paulinho ou Aécio?

Eduardo Leite preferiu esconder o bolsonarista Aécio Neves e manter o condenado Paulinho da Força na foto oficial da visita que fez ao presidente do Solidariedade. O ex-governador do Rio Grande do Sul deve achar que Aécio atrapalha. O tucano de Minas trabalha pela reeleição de Bolsonaro, de quem quer um Ministério em 2023; Paulinho foi condenado pela primeira turma do STF a dez anos e dois meses de prisão por crime contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Só não está recolhido porque recorreu ao plenário do tribunal. Com qual dos dois você gostaria de posar?

De onde menos se espera...

O advogado do mal afamado deputado Daniel Silveira se recusou a mostrar um atestado de vacina ao se apresentar para defender o indigitado parlamentar. Paulo Faria foi obrigado a fazer um teste rápido para poder permanecer no plenário do Supremo. O pastor Silas Malafaia disse que o “mundo evangélico” estava decepcionado com o ministro André Mendonça que deu um voto mandrake na sessão e não pediu vistas para atrasar o processo. Alguma surpresa? Claro que não, daí é que não sai nada mesmo.

Aplausos

Passa da hora de render homenagens a Anitta. Foi corajosa e politicamente esclarecida ao responder a Bolsonaro sem se preocupar com repercussões negativas em sua carreira. Ela disse quase tudo, só faltou mandar o capitão parar de perder tempo com futrica e ir trabalhar.

Carnaval

E o rei Momo chegou para fazer a alegria de muita gente bamba. Um excelente carnaval para quem passa o ano esperando esses dias, para os que ganham a vida com os festejos, para os apaixonados pelas escolas e pelos amantes do samba. Que não são poucos.

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