sábado, 9 de abril de 2022

Carlos Alberto Sardenberg: Negação da realidade

O Globo

Vamos falar francamente: não há democracia quando há corrupção. Já tivemos por aqui o conhecido “rouba, mas faz” — que resultou em muito roubo e pouca estrada. Agora, parece estar surgindo o “rouba, mas é democrata”. Não faz sentido.

A corrupção está longe de ser um problema moral. Se fosse “apenas” uma questão ética, já estaria errado. Teríamos corrompido os costumes sociais e políticos. Na verdade, temos muito disso por aqui.

No caso do social, muita gente acha que não tem nada demais dar uma caixinha para o policial do trânsito ou para o burocrata que emperra uma demanda qualquer, como o registro de uma pequena empresa. Resultado: mais burocracia, menos eficiência e impessoalidade do serviço público.

Nos costumes políticos, são abundantes os exemplos de tráfico de influência — caso dos pastores que iam rezar nas reuniões do MEC com prefeitos e aproveitavam para negociar verbas e “contrapartidas”. Eleito com a bandeira da moralidade, o presidente Bolsonaro, aliado ao Centrão fisiológico, não apenas enfraqueceu as instituições de combate à corrupção, como abriu as diversas instâncias de seu governo a balcões de negócios.

Se bem que, no caso de Bolsonaro, esse é o menor desvio antidemocrático. Ele vai direto ao ponto, tentando solapar as instituições políticas e o sistema eleitoral, além de pregar abertamente a volta da ditadura militar.

Sim, é preciso montar um polo democrático para barrar a reeleição do aspirante a ditador.

Mas quem pode entrar nesse polo?

Comecemos por quem não pode. Primeiro, todos aqueles políticos para os quais o partido no governo pode arrecadar dinheiro de empresas que vivem de negócios com o próprio governo. Dizem que o dinheiro é para defender boas políticas públicas, mas a corrupção original não tem conserto.

Como já demonstraram os estudos da professora Maria Cristina Pinotti, esse tipo de corrupção — pois é disso que se trata, um roubo —solapa a democracia e a competitividade da economia.

A democracia, porque tem mais chances eleitorais o partido que mais arrecada — sempre, claro, o partido que está em alguma esfera de governo. E a economia, porque vão para a frente as empresas que pagam as campanhas, e não aquelas mais eficientes.

Há também um efeito negativo sobre a administração pública. O governo precisa ter grandes projetos — de refinarias a estradas e metrôs — para formar aquele bolo de dinheiro de que se pode retirar um naco.

Não é de hoje, claro. No tempo da ditadura militar, o sábio professor Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda e do Planejamento, comentava quando deparava com alguns grandes projetos: melhor pagar a comissão e não fazer a obra. Não conseguiu — largou o governo, por esse motivo entre outros.

Já perceberam, claro, aonde queremos chegar. Lula pretende ser o polo democrático sem acertar as contas com a grossa corrupção dos governos petistas, do mensalão ao petrolão.

Uma ampla aliança da esquerda à direita — na verdade, uma associação dos apanhados na roubalheira — colocou em curso o desmonte do combate à corrupção. Está todo mundo sendo liberado. Mais que isso. Estão simplesmente numa negação da realidade.

Ficamos mal nessa polarização: um nega a ditadura que quer implantar; o outro lado nega a corrupção, entretanto evidente em vários processos locais e internacionais.

Há episódios deprimentes. No último dia 30, o MDB selou aliança com o PT na Bahia. Quem apareceu por lá, articulando? Sim, Geddel Vieira Lima, aquele que tinha R$ 51 milhões em dinheiro vivo escondidos num apartamento em Salvador. Foi preso, cumpriu pena, mas, na onda do “liberou geral”, ganhou liberdade condicional.

Geddel foi ministro de Lula e vice da Caixa no governo Dilma. Lula já reclamou, no passado, que a imprensa dava mais atenção ao triplex do Guarujá que ao apartamento de Geddel.

E agora, tudo bem?

Não, né!?

Lula não pode negar a corrupção e seus efeitos danosos, que quase quebraram a Petrobras, e, ao mesmo tempo, proclamar-se democrata da gema.

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