domingo, 3 de abril de 2022

Elio Gaspari: O circo do deputado Daniel Silveira

O Globo / Folha de S. Paulo

O ministro Moraes apontou a maluquice da situação no Congresso

O Congresso Nacional nunca viveu uma situação com a carga de ridículo do episódio da tornozeleira do deputado Daniel Silveira. Recusando-se a vestir o equipamento que se destinava a monitorar suas movimentações, o parlamentar foi para o prédio do Congresso e passou a noite entrincheirado em seu gabinete.

Durante todo o dia, discutiu-se a inviolabilidade do plenário e do próprio prédio. Um deputado chegou a falar em "estupro constitucional". Puro circo.

Foi o próprio ministro Alexandre de Moraes, que havia determinado o uso da tornozeleira, quem apontou a maluquice de situação:

"Não só estranha e esdrúxula situação, mas também de duvidosa inteligência a opção do réu, pois o mesmo terminou por cercear sua liberdade aos limites arquitetônicos da Câmara dos Deputados, situação muito mais drástica do que àquela prevista em decisão judicial".

Elementar: com a tornozeleira o deputado podia ir à padaria. Entrincheirado no gabinete não podia ir nem à padaria e seus movimentos estavam controlados.

Alexandre de Moraes dobrou a aposta. Bloqueou os bens do deputado que desafiava o Judiciário, impôs-lhe uma multa de R$ 15 mil diários. Daniel Silveira foi para casa e no dia seguinte compareceu à Polícia Federal. Saiu de lá tornozelado.

Terminava assim o episódio circense que reflete o artificialismo das crises que o bolsonarismo quer impor ao processo eleitoral. Não foi a primeira nem será a última.

PINDORAMA É PINDORAMA

Sabe-se lá o que tinha na cabeça o deputado Daniel Silveira quando decidiu se entrincheirar na Câmara para descumprir a decisão do ministro Alexandre de Mores. Uma ideia parecida já ocorreu, teve triste desfecho e um momento ridículo.

Em 1966, o Brasil era presidido pelo marechal Castello Branco e a Câmara pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso. Eles se respeitavam, e Castello havia prometido que não cassaria mandatos de parlamentares (o Ato Institucional nº 2 dava-lhe esse poder.)

No dia 12 de outubro, Castello cassou os mandatos de seis deputados. Adauto recusou-se a aceitar a cassação e alguns dos deputados cassados continuaram no prédio da Câmara.

No dia 14, Castello decidiu fechar o Congresso. O general Ernesto Geisel, chefe de sua Casa Militar, achava preferível cassar Adauto, mantendo o Congresso aberto.

No dia 20, foi desencadeada uma operação militar. A determinada hora da noite, seria cortada a energia do prédio do Congresso e uma tropa comandada pelo coronel Meira Mattos cumpriria a ordem de fechar o Parlamento.

À hora prevista, hierarcas do Planalto foram para a janela para assistir ao apagão do Congresso. Pfff e apagaram-se primeiro as luzes do Planalto. O Congresso continuou iluminado até as cinco da manhã.

A segunda parte da operação foi em frente. Adauto e Meira Mattos tiveram o seguinte diálogo:

Adauto: "Estou admirado de vê-lo aqui, coronel, não para cumprir um decreto, mas para o cerco ao Congresso".

Meira: "E eu, admirado por sua atitude antirrevolucionária".

Adauto: "Eu sou, antes de mais nada, um servidor do poder civil".

Meira: "E eu, deputado, um servidor do poder militar."

O Congresso só foi reaberto em novembro.

Em janeiro de 1967, numa decisão típica de sua postura ambivalente, Castello Branco convidou Adauto Lúcio Cardoso para o Supremo Tribunal Federal e ele aceitou.

XEQUE-MATE

O ministro Alexandre de Moraes fixou em R$ 15 mil diários a multa a ser paga pelo deputado Daniel Silveira caso não colocasse a tornozeleira eletrônica. Além disso, congelou seus bens.

Do casamento das suas providências resulta que, no futuro, se algum engraçadinho quiser desafiar a Justiça pedindo depósitos numa vaquinha, ela nascerá congelada.

TUNGA COM PESCADORES

A Polícia Federal detonou um esquema de corrupção no pagamento do seguro defeso que protege os pescadores do Pará no período em que suas atividades são proibidas. São trabalhadores que precisam dessa proteção. A PF descobriu que espertalhões avançavam no benefício e estima-se que a roubalheira tenha desviado mais de R$ 1 bilhão enquanto esteve em atividade.

A quadrilha fabricava falsos pescadores, juntando servidores de repartições ambientais e do INSS, bem como empresários, dirigentes de associações e sindicatos. Como sempre, há políticos da região metidos na bocarra.

Um jovem de 20 anos recebeu R$ 1,2 milhão.

O juízo da 3ª Vara Federal do Pará decretou a prisão preventiva de 35 pessoas. Foram afastados 42 servidores.

Os documentos da Operação Tarrafa, nome dado à investigação, somam mais de 300 páginas.

Mordiam o cofre da Viúva a partir de um benefício para gente pobre destinado a proteger o meio ambiente na região amazônica.

QUEM AVISA AMIGO É

O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, foi aconselhado a rever sua escalafobética decisão de censurar os músicos do festival Lollapalooza durante o último fim de semana. Durão, ficou em copas.

Acabou sozinho.

A COLEÇÃO DE BRITO

Depois que o relógio Piaget de Lula fez fama, sente-se a falta que faz o fotógrafo Orlando Brito. Com sua aguda percepção, ele começou a fotografar o pulso de Lula quando ele apareceu com um patacão negro.

Em 2011, Brito havia catalogado oito relógios. Nenhum era capaz de competir com o Breitling de Fernando Collor ou com os três Patek Philippe de Vladimir Putin. O Piaget de Lula sai por uns R$ 80 mil. Essa marca foi moda nos anos 1960, por ter poucos milímetros de espessura. Foi desbancada pelos patacões.

José Sarney atravessou todo mandato com o mesmo relógio.

A FÚRIA DE MORO

Em meados de janeiro, Sergio Moro enfureceu-se quando se noticiou que poderia desistir da candidatura à Presidência.

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