segunda-feira, 25 de abril de 2022

Lygia Maria: Democracia sob ataque

Folha de S. Paulo

A ferramenta mais democrática para lidar com ataques verbais à democracia é a esfera do debate público

O deputado Daniel Silveira foi condenado a quase nove anos de prisão por proferir ofensas e ameaças contra ministros do STF. Dentre os artigos da Lei de Segurança Nacional infringidos, está: "tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito". No vídeo, há ofensas como "menino mimado", "bosta", "covarde" e ameaças como "que o povo entre no STF e agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho e sacuda a cabeça de ovo dele".

Juristas manifestaram opiniões contrárias à dosimetria da pena, considerada exagerada, e sobre o âmbito processual: o juiz, que é vítima, acusa, julga e condena. Porém, a meu ver, também há a questão da liberdade de expressão. Segundo Alexandre de Moraes, "A Constituição não garante liberdade de expressão como escudo protetivo para discurso de ódio, contra a democracia, contra as instituições".

Ora, claro que garante. O professor de história e candidato a governador Jones Manoel disse, em encontro do PCB, que "a gente tem que pegar pelos cabelos aqueles ministros do STF, tem que odiar, tem que xingar, tem que enterrar, tem que odiar a burguesia brasileira". Da mesma forma, no congresso da Central Sindical Popular, o professor da UFRJ Mauro Iasi disse que "as transformações neste país não passarão pelo Congresso Nacional, passarão pelas ruas, onde se constituirá um novo tipo de poder contra o Estado burguês" e conclui afirmando que com a direita não há diálogo, só a bala, que a direita deve ir para o "paredão".

Apesar das falas similares à de Daniel Silveira, nenhum dos dois foi acusado de proferir discurso de ódio contra a democracia e suas instituições. Ainda bem. A democracia deve permitir ataques discursivos (frise-se) a ela mesma. Se há radicais de direita e de esquerda proferindo disparates contra a democracia, há democratas aqui para defendê-la no mesmo plano das palavras, na esfera do debate público, sem estimular a sanha punitivista do Estado via Judiciário.

 

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