terça-feira, 12 de abril de 2022

Merval Pereira: Falta de apetite

O Globo

Se existisse a possibilidade de surgir um candidato alternativo que unisse a centro-direita contra Lula e Bolsonaro, talvez ele pudesse chegar ao segundo turno. Mas não existe nenhum Macron no mercado político brasileiro que afaste do segundo turno um dos polos extremos do nosso espectro, e não por falta de eleitores. Por falta de interesse dos políticos.

O que se engendra nos bastidores do Centro Democrático é uma chapa anódina, que reuniria o presidente do União Brasil, Luciano Bivar, e a senadora Simone Tebet, do MDB, tanto faz em que posição ficarem. Seria uma chapa para deixar livres os eixos daqueles partidos que querem aderir a Lula ou Bolsonaro.

Parte significativa dos senadores do MDB foi a um jantar com Lula em Brasília, organizado pelo ex-senador Eunício Oliveira. Bivar como representante do União Brasil, numa provável chapa única da frente centrista, ameniza o desconforto dos ex-integrantes do DEM que não querem parecer adversários frontais de Lula como pareceriam se escolhessem o ex-juiz Sergio Moro ou até mesmo Ciro Gomes, do PDT.

Os dois têm em torno de 10% das preferências do eleitor, na margem de erro. Seria um bom começo, se unissem os partidários do nem nem, mas isso é cada vez mais improvável, diante dos interesses regionais e da quase certeza de que a polarização nacional se repetirá na maioria dos pleitos estaduais.

Uma chapa anódina resolveria um problema central do PSDB. O candidato oficial, João Doria, se aponta como o verdadeiro representante da terceira via, o que é discutível mesmo entre os tucanos. Outro ex-governador, Eduardo Leite, continua tentando mudar o resultado das prévias que perdeu, mas não tem muita saída. Os partidos do Centro Democrático prometeram anunciar chapa única no dia 18 de maio. As convenções nacionais para indicar candidatos começam em 20 de julho.

Quer dizer, se o candidato da terceira via não for Doria, e sim Eduardo Leite, a chapa a ser apresentada não terá garantia de ser aceita pela convenção do PSDB. Ao contrário, se for outro candidato, como Bivar ou Tebet, poderá ser um estímulo a que Doria abra mão da candidatura alegando que cumpre o prometido: apoia quem o grupo de partidos de centro indicar. Se Leite for o indicado pela convenção tucana meses depois, ele estará traindo pela segunda vez, desta os membros do Centro Democrático. E os demais partidos, escolhendo um candidato que perdeu as prévias, estarão desautorizando um partido parceiro.

Pela mesma razão, o ex-juiz Sergio Moro, se não for indicado por seu partido, o União Brasil, não poderá fazer parte da chapa única. Tudo conspira, portanto, para que a chapa a ser anunciada não tenha força política capaz de enfrentar a polarização e, na verdade, nem se disponha a isso. A classe política está dando como definida a disputa entre Lula e Bolsonaro no segundo turno e se organiza em torno desses dois candidatos.

O que se discute agora é se e quanto Lula perderá com o desgaste da campanha eleitoral e se e quanto Bolsonaro conseguirá crescer. Essa disputa para que o eleitor decida quem é o menos ruim é a novidade desta eleição. Em 2018, havia o antipetismo, mas um antibolsonarismo suave. O eleitorado de centro-direita resolveu esquecer o passado de Bolsonaro, na ilusão de que Paulo Guedes controlaria a economia, e o governo combateria a corrupção, o que teria sido confirmado com a nomeação de Moro como superministro da Justiça.

Hoje, há um antibolsonarismo talvez mais forte que o antipetismo, amenizado diante da tragédia que Bolsonaro representa para o país. Mas o antipetismo está sendo reativado com força nas redes sociais. A cada momento em que Lula defende o aborto sem contextualizações ou orienta seus seguidores a “esculachar” os políticos em suas residências, como seus radicais fizeram em 2018 na casa da ministra do STF Cármen Lúcia em Belo Horizonte, para pressioná-la a colocar na pauta do STF a discussão sobre sua prisão, mais ajuda o trabalho de Bolsonaro. Lula fortalece os que votaram numa suposta economia liberal de Guedes quando fala em fim do teto de gastos, critica as privatizações ou a reforma trabalhista.

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