quinta-feira, 28 de abril de 2022

Míriam Leitão: Inflação sobe com crise interna

O Globo

Dois indicadores divulgados esta semana mostram que ainda não existe trégua no cenário de inflação. E esse é um dos maiores complicadores da atual conjuntura, porque vai corroer a renda das famílias e obrigar o Banco Central a elevar ainda mais os juros. O Boletim Focus voltou a ser divulgado depois de um mês de paralisação, por causa da greve no Banco Central, e mostrou uma forte piora das expectativas. Ontem, o IBGE divulgou outro número elevado do IPCA-15 de abril, em 1,73%, o que elevou a taxa para 12,03% em 12 meses, a taxa mais alta desde novembro de 2003. A alta do dólar nos últimos dias foi um balde de água fria em quem apostava em uma ajuda do câmbio para aliviar a alta dos preços.

Para se ter uma ideia da pancada, em cidades como Rio e Curitiba, a inflação, no IPCA-15, acumulada em apenas quatro meses desse ano, janeiro a abril, já supera 5%, o que é o teto da meta para o ano inteiro de 2022. Não é uma inflação causada apenas por crises externas. Há uma parte da alta de preços que é causada pelo governo Bolsonaro, quando não pelo próprio presidente. A má gestão das crises se soma às crises criadas pelo próprio presidente, como esse constante clima de confronto com o STF.

O Copom fará uma nova reunião na próxima semana, quando elevará a Selic em mais 1 ponto, para 12,75%. Isso ele já indicou na Ata. A piora dos números no Boletim Focus e a alta recente do dólar podem obrigar o BC a fazer novas elevações da Selic, que pode atingir ou superar os 13%. Isso é um choque de juros que derrubará o crescimento no segundo semestre e no ano que vem.

O economista-chefe do Opportunity Total, Marcelo Fonseca, explica que a inflação está espalhada por vários setores. O que antes era algo localizado nos bens industriais, por causa dos problemas de suprimento nas cadeias globais de produção, agora chegou aos preços das commodities e ao setor de serviços. Ele estima que o IPCA vai fechar o ano em 7,7% e o aumento da Selic levará o PIB de 2023 para próximo de zero.

—Estamos vendo uma tempestade perfeita na inflação. No mundo todo, e aqui em particular, houve uma combinação de estímulos fiscais e monetários, por causa da pandemia, o que aqueceu demais a demanda, com problemas de oferta. Agora também estamos vendo inflação nos serviços, com a reabertura, e um choque nas commodities, que também encarece vários setores da indústria — afirmou Fonseca.

O setor de vestuário, por exemplo, sente os aumentos nos preços do algodão nos mercados internacionais. As altas do petróleo e do gás tornam a energia elétrica mais cara, porque esses combustíveis movem o parque termelétrico. Marcelo explica que a inflação no mundo está elevada, mas no Brasil houve um componente a mais: a perda de confiança na política fiscal no governo Bolsonaro.

— No ano passado não houve trégua na política fiscal e isso contaminou demais o câmbio. Ele não funcionou como um amortecedor para a alta das commodities, como em outros momentos. Esse foi o componente adicional da inflação no Brasil, na comparação com o resto do mundo — afirmou.

As crises institucionais são um fator a mais de incerteza cambial, na visão do sócio da Tendências Consultoria, Nathan Blanche. E a comprovação disso, segundo ele, é o real liderando as perdas em relação a outras moedas desde a última sexta-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro concedeu perdão ao deputado Daniel Silveira. Além do recado mais duro do Fed, de aumento maior dos juros, esse risco político fez o dólar saltar da casa de R$ 4,60 para próximo de R$ 5,00.

O cenário internacional está rodeado de incertezas. A China pode ter uma forte desaceleração do PIB por causa do aumento de casos de covid e a política de tolerância zero do governo. Por um lado, isso reduz os preços das matérias-primas, mas pode também afetar o nosso saldo comercial. Nos Estados Unidos, o risco é de aperto mais forte dos juros, atraindo capitais que antes estavam vindo para mercados emergentes como o Brasil. E na Europa a guerra na Ucrânia está longe do fim, com uma escalada no envio de armas para os ucranianos e a ameaça de uma resposta nuclear pelos russos.

É nesse contexto que o país se encaminha para a eleição presidencial mais polarizada da história, com um presidente ameaçando dar golpe, a inflação em alta, e a economia sofrendo com um choque de juros pelo Banco Central.

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