terça-feira, 5 de abril de 2022

Míriam Leitão: Petrobras está acéfala e à deriva

O Globo

A Petrobras ontem era uma empresa à deriva, como resultado de intervenções do presidente da República e das articulações do centrão para dominar o comando da petrolífera. Depois de duas demissões atabalhoadas, o terceiro presidente indicado desistiu, por conflito de interesses. Tudo o que tem acontecido é um caso claro de abuso do poder do representante do acionista majoritário. Bolsonaro triturou todo o sistema de governança da companhia construído lentamente nos últimos anos. Também deve ir para algum livro de recordes o fato de a empresa ser punida, com as demissões dos gestores, mesmo apresentando lucros. Em três anos foram R$ 153,83 bilhões. Só no ano passado foram R$ 106,6 bilhões.

Os minoritários da Petrobras têm uma parcela grande da empresa. Mais precisamente 63,25% do capital total e 49,5% do capital votante. A petrolífera é lucrativa, pagadora de impostos e só no ano passado mandou para o setor público R$ 230 bilhões em dividendos para a União e em impostos pagos ao governo federal, aos estados e municípios. Essa é a única forma pela qual a Petrobras pode fazer política pública, sendo rentável. Assim, a receita que envia aos governos pode financiar os programas sociais. Deixá-la ser capturada por lobbies estranhos à boa gestão e às normas de governança e compliance é a forma de saquear a companhia e contratar o desastre.

No setor de óleo e gás, a indicação de Adriano Pires foi vista como fruto das articulações entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Durante a tramitação da MP que permitiu a privatização da Eletrobras, os três — Lira, Nogueira e Pires — atuaram fortemente em favor da aprovação dos jabutis que encareceram o projeto. Esses itens totalmente estranhos à proposta de privatizar a Eletrobras acabaram aprovados. Eles obrigam a contratação de termelétricas a gás em estados do Norte e Nordeste que estão longe dos centros de produção e consumo. Por trás da manobra, estão os interesses do empresário Carlos Suarez, dono de distribuidoras a gás nesses estados que serão beneficiadas pelo projeto. Suarez é cliente de Adriano Pires na sua consultoria CBIE.

— A meu ver, Lira e Nogueira viram uma oportunidade para controlar a Petrobras, diante da insatisfação de Bolsonaro com Silva e Luna. Mas o lobby ficou tão escancarado que agora eles estão tendo que recuar — disse uma fonte da indústria.

A informação que circula no setor de óleo e gás é que seria difícil a Adriano Pires tanto fechar a sua consultoria, que havia sido assumida pelo filho, quanto fazer a lista dos clientes. Só da Abegas ele receberia, segundo essas fontes, mais do que o salário de presidente da Petrobras. A lista dos clientes e os valores mostram um conflito de interesses tão claro que chegou a surpreender quem acompanha o caso de perto.

Muito pior é o caso do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, que tem relações de sociedade com o empresário Carlos Suarez. A Petrobras seria administrada por lobistas e por um sócio de uma empresa que depende da Petrobras para alavancar seus lucros e com interesses conflitantes com os da maior estatal do país. Mesmo assim, ontem o presidente Bolsonaro passou parte do dia aboletado na estatal, tentando reverter a desistência de Adriano Pires, que acabou formalizada, como antecipou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO.

A Petrobras deve se tornar em breve a quarta ou a quinta maior exportadora de petróleo do mundo. Isso se não for tragada pelos lobbies ou pela má gestão. O que a gestão deveria estar pensando agora é como deve fazer sua transição energética. Ela está muito atrasada nesse ponto, sua produção se concentra em óleo e gás, quando outras petrolíferas já se transformaram em empresas de energia, exatamente porque a tendência é caminhar para o crescimento de energia não fóssil.

Em vez de pensar nesse futuro, a Petrobras viu o presidente Roberto Castello Branco ser fritado, exposto e demitido por Bolsonaro. E um tempo depois viu o mesmo enredo repetido com o general Joaquim Silva e Luna. O militar saiu deixando clara a sua insatisfação em entrevistas a diversos órgãos de imprensa. Como tenho dito aqui, tudo o que aconteceu na Petrobras no governo Bolsonaro fere a Lei das Estatais, a Lei das S/A, o estatuto da empresa e todas as normas de governança.

 

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