quarta-feira, 20 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bomba fiscal não tardará a explodir

O Globo

É preocupante, desesperadora até, a bomba fiscal que vem sendo gestada em Brasília. Na tentativa de aumentar suas chances nas eleições de outubro, o presidente Jair Bolsonaro passou a conceder benesses que deteriorarão ainda mais um Orçamento onde já não existe espaço para nada e aumentarão o risco de déficits crescentes nas contas públicas.

As principais — não as únicas — são o corte de impostos de olho em eleitorados estratégicos e o aumento salarial irresponsável ao funcionalismo. Mesmo medidas sensatas, como a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), terão impacto negativo. Pensado sem nenhum juízo, o leilão de regalos aumentará o endividamento público e acabará estourando no colo de toda a sociedade nos próximos anos.

Medir o tamanho da bomba fiscal é um desafio. Basta ver o que aconteceu no Orçamento deste ano, cujas despesas já vieram infladas pelo estouro do teto de gastos. O economista Marcos Mendes, do Insper, analisou o aumento de despesas não incluídas e chegou a um valor aproximado de R$ 25 bilhões, quantia que ainda poderá crescer se prosperarem projetos com menor probabilidade de aprovação. Se acrescentado o reajuste linear de 5% ao funcionalismo no final do semestre, o rombo subiria a R$ 31 bilhões.

Para o ano que vem, se desenham novos desvarios. Obedecendo ao prazo legal, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) com suas metas e prioridades. Só que o valor turbinado do Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família, só tem provisão para este ano. Se pretender manter a mesma quantia em 2023, o governo precisará garantir a verba (neste ano foram R$ 57 bilhões além do teto). No feriado da Páscoa, Bolsonaro afirmou que debatera com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a elevação da faixa de isenção do IR para R$ 3 mil. Levada adiante, a medida traria queda de receita. Como fechar as contas públicas gastando mais e arrecadando menos?

Ninguém sabe onde a demagogia pode parar. Pela estimativa do Ministério da Economia, a dívida bruta terminará 2023 em 79,6% do PIB, 2024 e 2025 em 80,3%. Mas isso depende da arrecadação beneficiada pela alta das commodities. Da última vez em que houve aumento explosivo nos gastos e se confiou no cenário externo — governo Dilma —, a história não acabou bem.

Mesmo assim, o governo jura que está em curso um “crescimento estrutural” da arrecadação devido ao aumento da atividade econômica. Essa avaliação é um erro, pois estamos diante de fatores conjunturais: o avanço mais forte do PIB resultou da recuperação da recessão causada pela pandemia; a inflação alta turbinou temporariamente a arrecadação; e a alta das commodities foi alavancada pela guerra na Europa.

Reduzir impostos, dar reajustes salariais e corrigir a tabela do IR são medidas desejáveis. O inaceitável é adotá-las sem ter lastro, de forma irresponsável. Não existe mágica. Dinheiro não brota em árvore. A conta de tudo isso pode demorar a chegar, mas não tarda. Pior: perpetua o terrível padrão de voo de galinha da economia brasileira.

Quanto maior o buraco fiscal, mais alta a dívida, mais juros paga o governo, menor a quantidade de dinheiro disponível para investimentos e piores as chances de crescimento. Em vez de quebrar esse ciclo vicioso por meio da austeridade orçamentária, o governo insiste em repetir erros do passado.

TCU precisa liberar com urgência processo de privatização da Eletrobras

O Globo

Está na pauta de hoje do Tribunal de Contas da União (TCU) a privatização da Eletrobras. Depende da decisão da Corte a possibilidade de realizar ainda neste ano o aumento de capital e leilão do controle da estatal, peça essencial no programa de desestatização com que Jair Bolsonaro se elegeu presidente. Os opositores da privatização confiam num pedido de vista do ministro Vital do Rêgo para adiar ainda mais a venda.

É uma lástima que uma questão que já deveria ter sido resolvida há anos e foi objeto de inúmeras confusões ainda esteja estacionada nos escaninhos de Brasília, onde continua sujeita a todo tipo de lobby e interferência política. São conhecidos os interesses contrários à venda da estatal, de corporações encasteladas na máquina pública a grupos de interesse que sairiam prejudicados. Num tema sofisticado como a política de energia, eles costumam se esconder atrás de minúcias técnicas e detalhes processuais para tentar melar o negócio.

No final do ano passado, Rêgo já havia feito ressalvas à venda depois de ter identificado falhas que, segundo ele, resultariam numa subavaliação do valor que o governo poderia arrecadar no leilão. De lá para cá, já houve tempo mais que suficiente para corrigir esse e todos os demais problemas que pudessem ter sido encontrados no modelo de venda da estatal.

É verdade que o caminho escolhido para privatizar a empresa não foi o melhor. Em vez de incluí-la na lista das estatais a vender, o governo preferiu baixar em julho uma Medida Provisória para isso. Forçado a tomar uma decisão a respeito, o Congresso adotou uma solução ruim, cheia de penduricalhos para atender a interesses políticos, como a obrigação de instalar termelétricas afastadas de grandes centros de consumo, sem nenhum critério técnico.

O presidente Jair Bolsonaro vetou algumas das aberrações aprovadas no Legislativo, e o Congresso não examinou ainda os vetos. Com todos os defeitos que ainda tem, o modelo de privatização adotado foi aquele legitimamente decidido pelas instituições democráticas brasileiras. É fundamental, por isso, que a privatização siga adiante.

O TCU já teve tempo suficiente para analisar todos os detalhes. Pelos cálculos do Ministério da Economia e do BNDES, o tribunal deveria liberar a venda até a semana que vem para que seja viável realizar a privatização ainda neste ano. Mesmo que Rêgo peça vista, deveria devolver o processo o mais rápido possível. No leilão da telefonia celular de quinta geração (5G), o TCU tomou uma decisão que obrigou a devolução em uma semana no caso de um pedido de vista. Se estiver claro que a motivação do pedido de vista é meramente protelatória, com o objetivo de melar a venda até o próximo governo, a Corte deveria tomar decisão idêntica. O Brasil não tem mais tempo a perder.

Hora do veredito

Folha de S. Paulo

Julgamento de Silveira põe liberdade de expressão e defesa da democracia em jogo

Nem a proximidade de seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, marcado para esta quarta (20), parece ter abatido o ânimo do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).

Nas últimas semanas, o parlamentar voltou a criticar os ministros da corte e chegou a se entrincheirar em seu gabinete na Câmara para desafiar uma ordem do relator do caso, Alexandre de Moraes.

A petulância se revelou inútil, porque em poucas horas Silveira teve de vestir a tornozeleira eletrônica para evitar penalidades financeiras impostas pelo magistrado em resposta à sua desobediência.

Ainda assim, o deputado mostrou que está disposto a aproveitar a exposição garantida pelo processo judicial para insuflar seus aliados radicais. O mais notório deles é Jair Bolsonaro (PL), que não cansa de sair em sua defesa.

Silveira está no banco dos réus por causa de um vídeo infame divulgado há um ano na internet, em que defendeu o arbítrio da ditadura militar, ofendeu os ministros do STF e fez ameaças veladas.

Numa passagem abjeta, mencionou a possibilidade de o ministro Edson Fachin ser espancado na rua, medindo as palavras para não ser acusado de sugerir o atentado.

A Procuradoria-Geral da República o acusou de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições, coagir os integrantes do Supremo e tentar impedir o funcionamento do Judiciário.

O deputado ficou preso em caráter preventivo durante sete meses e depois foi alvo de medidas drásticas, como a proibição de conceder entrevistas sem autorização do STF —uma determinação que ignorou por diversas vezes.

Silveira admitiu ter cometido excessos no vídeo do ano passado e chegou a pedir desculpas logo após a prisão, mas diz que não pode ser condenado por criticar o tribunal e nunca demonstrou qualquer tipo de arrependimento.

Certamente contribuiu para isso a omissão da Câmara, que premiou o baderneiro ao permitir que o processo aberto para cassar seu mandato se arrastasse sem uma conclusão. Na condição de homem público, o deputado sem dúvida desrespeitou o decoro parlamentar.

Caberá agora ao Supremo Tribunal julgar os crimes de que o congressista é acusado e definir a punição que merecem. Se não há dúvida de que seu comportamento exige resposta firme, não é simples a decisão a tomar.

Será necessário definir de maneira convincente os limites que separam o exercício da liberdade de expressão e a prática de crimes como os imputados a Silveira.

A diversidade de opiniões é essencial para qualquer democracia, e os ministros do STF não estão imunes a críticas. Isso não significa que a Constituição possa servir de escudo para os que querem ameaçar as instituições.

Farsa populista

Folha de S. Paulo

Presidente do México ataca órgão eleitoral, como Bolsonaro faz à sua maneira

À primeira vista, os mais de 90% de votos conquistados pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, no referendo que decidiu sobre a continuidade de seu governo, poderiam parecer uma inequívoca e impressionante demonstração de força do mandatário, no poder desde 2018.

Inserida na Constituição mexicana em 2019 e realizada agora pela primeira vez, tal consulta popular constava das promessas de AMLO, acrônimo pelo qual o presidente esquerdista é conhecido.

Basta uma segunda olhadela, porém, para que o êxito seja matizado e as coisas ganhem sua real dimensão. Com participação pífia de cerca de 18% do eleitorado, o comparecimento ficou bastante longe do mínimo de 40% para que a votação fosse considerada válida.

Trata-se de resultado que não chega a surpreender. Boicotado pela oposição e visto como desnecessário pela maioria dos mexicanos, o referendo se converteu num exercício vazio de autopromoção presidencial, voltado à militância de seu partido, o Morena.

O expediente, conduzido de modo populista, não é novo, e tem sido usado pelo líder mexicano nas mais diversas ocasiões, como para fortalecer suas decisões ou contestar derrotas no Congresso. Com resultados favoráveis a AMLO e presença baixíssima, as votações acabam servindo apenas para criar a imagem de um governante que ouve o povo e é guiado por ele.

Se se limitasse a isso, Obrador talvez pudesse ser considerado só mais um nome na longa história de líderes pitorescos do continente. Mas o mexicano parece ter outros —e mais perigosos— planos.

Com o fracassado referendo, AMLO deu novo fôlego à sua campanha para desacreditar o Instituto Nacional Eleitoral, o órgão incumbido de organizar as votações do país e zelar por sua lisura.

O presidente culpou o instituto pela baixa participação popular, acusando-o de, em conluio com a oposição, ter reduzido a divulgação do pleito. Como se não bastasse, promete reforma eleitoral e mudança da composição do órgão.

Ataques dessa natureza fazem parte da estratégia do neoautoritarismo em voga em algumas partes do mundo, na qual os candidatos a caudilho buscam carcomer a democracia por dentro, espalhando suspeitas sobre instituições independentes. É o que faz, à sua maneira, Jair Bolsonaro (PL) no Brasil.

Armadilha fiscal como herança

O Estado de S. Paulo

A continuar na atual toada, Bolsonaro vai deixar para o próximo governo despesas sem receita suficiente e vantagens tributárias permanentes baseadas em fatores temporários

A avidez com que o presidente Jair Bolsonaro busca apoio e votos para reeleger-se custará caro para quem ocupar a Presidência da República a partir de 1.º de janeiro de 2023 – mesmo que seja ele mesmo, embora as pesquisas indiquem que, no momento, essa não é a hipótese mais provável. De vantagens tributárias para setores econômicos e segmentos sociais que Bolsonaro considera parte de sua base política a promessas de benefícios para grupos mais amplos, vai se formando um conjunto de bondades que imporão aumento de gastos ou quebra de arrecadação. Uma armadilha fiscal está sendo sistematicamente montada pelo governo com objetivos puramente eleitorais. Se não desmontada a tempo pelo próximo presidente, tornará muito mais difícil a superação dos problemas que o País enfrenta, e que poderão piorar. O legado de devastação que este governo deixará e tem sido descrito nesta página é formado também por promessas populistas que agravarão os problemas financeiros do setor público.

O aumento de 5% para todos os servidores federais é um exemplo perfeito da armadilha montada pelo governo e retrata com perfeição o modo de agir de Bolsonaro quando se trata de conquistar apoio eleitoral – que tem sido seu único objetivo desde que tomou posse. O problema começou com a promessa de aumento restrito a carreiras ligadas à segurança, área de particular interesse do presidente. Para isso, foi reservada verba de R$ 1,7 bilhão no Orçamento de 2022.

Como era previsível, outras categorias do funcionalismo, especialmente as mais organizadas e mais bem remuneradas, protestaram e passaram a exigir aumentos. Temendo a ampliação de paralisações ou operações-padrão que já prejudicavam a liberação de cargas nos portos e aeroportos, impediam a divulgação de relatórios econômico-financeiros e podiam comprometer o atendimento nos postos do INSS, o governo anunciou o aumento linear de 5% para todos os funcionários.

As diferentes categorias reagiram ao anúncio, por considerarem a correção insuficiente diante da inflação de mais de 10% ao ano. As que já estavam mobilizadas disseram que continuarão a exigir reajustes maiores. E as que seriam beneficiadas pelo aumento anunciado inicialmente por Bolsonaro – policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários federais – também reclamaram, porque o novo reajuste é muito menor do que estavam esperando.

Há risco de que, diante da resistência dos servidores, o índice de correção seja alterado ou benefícios específicos sejam concedidos para algumas carreiras. Do ponto de vista orçamentário, não há recursos suficientes nem para pagar o aumento de 5% que já vem gerando protesto em todo o serviço público. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 reservou R$ 11,7 bilhões para o aumento do funcionalismo. Nas contas do secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, o reajuste linear anunciado implica gastos adicionais de R$ 12,6 bilhões no ano que vem. Só aí já faltam R$ 900 milhões.

O pagamento dos precatórios agendado para 2023 também não está adequadamente programado, o que poderá resultar em despesas adicionais na casa dos bilhões de reais. No ano passado, numa lambança legal e fiscal sintetizada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, o governo Bolsonaro destruiu o teto de gastos ao abrir, malandramente, espaço para gastos acima do limite máximo inscrito na Constituição. “O teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de austeridade”, disse na ocasião o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Isenções ou reduções expressivas de alíquotas de tributos, como o IPI, e a prometida elevação do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física tendem a ser medidas permanentes, mas sua justificativa, o aumento da arrecadação, tem efeito momentâneo.

“Existe a necessidade de ajuste fiscal”, reconhece o secretário de Tesouro e Orçamento. Parece voz isolada num governo que demonstrou total irresponsabilidade na área fiscal.

Insinuação inaceitável

O Estado de S. Paulo

Ao sugerir que o TCU poderia ‘melar’ a venda da Eletrobras a pedido de Lula, o ministro Paulo Guedes demonstra, além de desrespeito pelas instituições, desespero

Declarações desastradas e inabilidade política não são novidades na trajetória do ministro da Economia, Paulo Guedes. O antigo “posto Ipiranga”, como ficou conhecido na campanha eleitoral de 2018 − por supostamente ter as respostas e soluções para todo tipo de problema −, mostrou-se incapaz de cumprir o que prometia. Pior: nos últimos três anos, Guedes não perdeu o hábito de falar palavras ao vento, mesmo sob o risco de indesejáveis consequências para o País.

Foi assim na semana passada. Em discurso de improviso no Palácio do Planalto, o ministro da Economia insinuou que o Tribunal de Contas da União (TCU) estaria atuando politicamente contra a privatização da Eletrobras. Fez isso a pretexto de criticar o candidato presidencial Lula da Silva, que, segundo Guedes insinuou, teria telefonado para ministros do TCU a fim de pressioná-los contra a desestatização. 

Ora, por mais que tenha acertado ao criticar Lula e a equivocada visão petista contrária às privatizações, o ministro demonstrou profunda incompreensão sobre o papel das instituições e sobre o alcance de suas declarações. Sem dúvida, um grave erro. Restou evidente que a verdadeira preocupação de Guedes dizia respeito ao resultado do julgamento em que o TCU analisará a segunda etapa de privatização da Eletrobras − a sessão está marcada para esta quarta-feira.

Inepto em sua prometida agenda de desestatização, o governo Bolsonaro tem pressa e planeja realizar a venda de ações da estatal elétrica nas próximas semanas. Nesse cenário, o receio é que um pedido de vista, no julgamento do TCU, inviabilize o cronograma. Ainda mais depois que o assunto virou tema de campanha eleitoral, com lideranças petistas sinalizando a intenção de reverter a privatização, caso Lula volte ao Planalto. 

Guedes, no seu melhor estilo, esbravejou: “Em vez de fazer o seu programa, enfrentar o nosso presidente nas urnas, esse candidato fica ligando para ministro do TCU, pressionando, tentando paralisar uma pauta”, disse ele, acrescentando que a desestatização da Eletrobras foi aprovada pelo Congresso e é “solução construída com o TCU ao longo de dois anos e meio”. Em linguajar que soaria melhor, talvez, na mesa de um bar, o ministro arrematou: “Como é que pode querer melar uma desestatização?”.

O fato é que o ministro da Economia, voluntária ou involuntariamente, fez o que não devia: lançou dúvidas sobre a lisura da principal Corte de contas do País. Como se decisões do TCU, amparadas em robustas análises de seu corpo técnico, fossem proferidas ao sabor de simpatias político-partidárias ou de escusos interesses eleitorais.

O TCU é órgão consultivo do Poder Legislativo. Fiscaliza o uso de recursos do Orçamento da União, sendo responsável por investigações e decisões que se mostraram fundamentais para o combate à corrupção. Não surpreende, portanto, que as declarações de Guedes tenham provocado indignação em integrantes da Corte, como revelou o Estadão. “Isso é uma completa falta de respeito com o tribunal. Peço que a presidência avalie se não é o caso de emitir uma nota contra essa declaração que pretende pressionar a corte”, escreveu o ministro Bruno Dantas, no grupo de WhatsApp dos ministros do TCU.

Infelizmente, as falas de Guedes não são um fato isolado, mas, ao contrário, refletem o padrão do governo Bolsonaro. É notório que o mau exemplo vem de cima, isto é, de um presidente da República que se notabiliza por desrespeitar as instituições – notadamente toda e qualquer instituição que não hesite em pôr os interesses do País acima dos impulsos e devaneios autoritários do titular do Palácio do Planalto. Que o digam o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujos integrantes já foram alvo de reiterados ataques, sob a indevida acusação de sabotar o governo e, agora, a candidatura de Bolsonaro.

Além de desrespeito às instituições, o ataque de Guedes ao TCU revela o desespero do governo Bolsonaro de encontrar desculpas para sua incrível incapacidade de cumprir as tonitruantes promessas de privatização.

Um interminável fim de feira

O Estado de S. Paulo

O MEC de Bolsonaro chega ao seu quinto ministro, que tem, como os outros, total inexperiência em políticas educacionais

A nomeação do quinto ministro da Educação em pouco mais de três anos e três meses de governo é a prova consumada de que as ideias do presidente Jair Bolsonaro para a educação oscilam entre a instrumentalização e o descaso.

O mandato-tampão do auditor fiscal Victor Godoy é meramente reativo: trata-se de uma tentativa de abafar as evidências de corrupção e improbidade na administração do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Em comum com antecessores tão heterogêneos – o inoperante Ricardo Vélez Rodríguez, o histriônico Abraham Weintraub, o suspeito de fraudar o currículo acadêmico Carlos Decotelli ou o pastor Milton Ribeiro – está a inexperiência em políticas educacionais.

A vacuidade do projeto bolsonarista era já evidente na campanha eleitoral de 2018. No programa de governo havia alusões vagas à prioridade da educação básica. Mas a alavanca nos palanques foi o combate à “doutrinação esquerdista”.

O que se viu, notoriamente com Weintraub, foi uma doutrinação com sinal invertido. Da prioridade à educação básica restaram só farrapos. Em 2021, logo após emplacar seus candidatos à presidência da Câmara e do Senado, o governo apresentou uma lista com mais de 30 prioridades ao Congresso: a única relativa à educação era a regulamentação do ensino domiciliar, ou seja, em termos de políticas públicas, uma antiprioridade. E isso quando o Brasil já tinha sido atingido em cheio pela maior ruptura educacional da história com a pandemia.

Replicando um exemplo infame dos Evangelhos, Milton Ribeiro lavou as mãos. O desafio de garantir um mínimo de continuidade no ensino a distância foi abandonado aos governos regionais. Na surdina, pastores pediam propina para privilegiar municípios na distribuição de verbas e a clientela do Centrão fazia demagogia com recursos do FNDE.

Essa mescla de omissão e instrumentalização é tanto mais escandalosa na medida em que a Federação tem boas experiências de políticas eficazes na melhoria da gestão e do conteúdo escolar, como, por exemplo, a rede pública do Ceará. O Ministério da Educação (MEC) não precisaria reinventar a roda, só separar o joio do trigo e incentivar a reprodução dessas políticas nas demais unidades da Federação – tarefa que foi facilitada desde que o Congresso aprovou recursos substanciosos para a educação básica, com o Novo Fundeb.

O MEC, contudo, expõe, talvez com mais crueza que qualquer outro Ministério – e com mais crueldade para com os seus destinatários diretos, os educadores e educandos brasileiros –, a fórmula do populismo bolsonarista: indigência administrativa mal disfarçada pelo sensacionalismo reacionário na mídia e sustentada pelo fisiologismo no Congresso. O MEC de Bolsonaro foi, a um tempo, trincheira avançada de guerrilhas culturais e reservatório de recursos para aliados políticos, tudo menos o núcleo de coordenação de uma política nacional de educação, que nunca existiu, nem sequer no papel. Um pão e circo da pior qualidade, que só alimenta os seletos amigos do rei e só anima suas milícias ideológicas. Um interminável fim de feira.

FMI vê desaceleração global, sem recessão

Valor Econômico

Economia mundial crescerá menos, com mais inflação

A invasão da Ucrânia pela Rússia “piorou significativamente” as perspectivas da economia mundial, que crescerá menos, com mais inflação, prevê o Fundo Monetário Internacional. Em seu Perspectiva Econômica Mundial, o FMI estima que o crescimento global declinará para 3,6% este ano, uma queda quase à metade da expansão observada em 2021, de 6,1%. A desaceleração deste ano será mais forte na Europa, palco da guerra, por sua dependência de suprimentos de energia da Rússia, e também na segunda maior economia, a China, para a qual a projeção de 4,4% de crescimento é também muito inferior aos 8,1% do ano passado.

A guerra na Ucrânia traz choques potentes e persistentes sobre a economia global, mal recuperada dos efeitos da pandemia, além de colocar em xeque toda o arranjo geopolítico e econômico do pós-guerra. O FMI avalia que “com poucas exceções, o emprego e o crescimento permanecerão abaixo da tendência pré-pandemia até 2026”.

Novos choques de oferta se acrescentaram aos trazidos pela pandemia. Os preços das commodities dispararam, reforçando pressões inflacionárias não vistas na Europa e EUA nos últimos 40 anos. As cadeias de produção sofreram outro baque, com, por exemplo, a interrupção de fornecimento de gás néon da Ucrânia, insumo para a fabricação de chips, cuja oferta já havia sido golpeada antes pelos desarranjos da covid-19.

Para piorar, a China enfrenta agora a pandemia em uma escala que não enfrentara desde seu aparecimento, com quarentenas em Xangai e Shenzen, de onde partem mais de 40% das exportações chinesas. Os preços dos fretes, que haviam disparado, estão novamente em alta, acrescentando mais um elemento perturbador na desestabilizadora alta de preços conjunta de commodities agrícolas (trigo em primeiro lugar) e petróleo.

O FMI reconhece que há mais riscos que certezas no ambiente atual e que o cenário futuro poderá sofrer deterioração. Os principais fatores que contribuiriam para isso seriam um recrudescimento da guerra na Ucrânia, um aumento das tensões sociais pelo encarecimento de alimentos básicos em vasta parte do mundo pobre, um ressurgimento da pandemia, uma desaceleração mais acentuada da China. Não menos importante, uma elevação muito forte dos juros, para conter a inflação, poderá criar sério estresse para os países endividados.

No curto prazo, a guerra, para o FMI, exacerbou as dificuldades das escolhas de política econômica. Atacar a inflação, preservando a recuperação é uma delas. Reconstruir a âncora fiscal, após aumento grande dos déficits para enfrentar a pandemia, garantindo apoio às populações vulneráveis aos atuais choques é outra. Para o Fundo, os bancos centrais terão de ser mais agressivos com os juros se as expectativas de inflação de médio e longo prazo começarem a se afastar das metas, ou se o núcleo de inflação continuar persistentemente alto, algo que ainda não ocorreu, ao menos nos países desenvolvidos.

Se as projeções de inflação do FMI estiverem certas, o Banco Central do Brasil não atingirá a meta de 2022, o que é certo, nem a de 2023 - estima 8,2% e 5,1%, respectivamente. A alta das commodities melhorou a perspectiva de crescimento para 0,8% este ano, mas os juros reduziram a de 2023 para 1,4%.

O FMI praticamente descartou uma recaída na recessão nos principais países desenvolvidos, um temor de investidores preocupados com a dosagem do aumento do juros em gestação pelos BCs. O Fundo nota com preocupação a magnitude que o juro real possa chegar, com os juros neutros desde a grande crise de 2008 pouco acima de 0%. Para se chegar a eles, teriam de subir muito. Por exemplo, a inflação americana está prevista em 7,7% este ano e 2,9% em 2023, ambas distantes da meta de 2% do Federal Reserve.

Em um cenário alternativo, em que as sanções à Rússia envolvessem boicote às compras de petróleo, a inflação seria ainda maior, assim como a reação de política monetária a ela, retirando 3 pontos do cenário base em 2023. O crescimento da zona do euro seria negativo e o mundial, de 0,6%. “Justo quando uma recuperação durável do colapso da pandemia estava à vista a guerra criou a perspectiva muito real de que grande parte dos ganhos recentes será eliminada”.

São as questões geopolíticas que trazem mais riscos inquietantes. “A guerra representa o maior desafio a uma estrutura baseada em regras que governou as relações econômicas e internacionais nos últimos 70 anos”, avalia o FMI.

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