domingo, 17 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O fracasso das políticas de segurança

O Globo

 

Não é aceitável que mais da metade dos moradores de uma cidade queiram mudar-se com medo da violência. É o que acontece com 59% dos cariocas e 55% dos paulistanos, de acordo com pesquisa do Datafolha. A melhor tradução da mensagem desses dados é que a maior parte da população das duas maiores cidades do país não acredita que os administradores públicos que elegeram sejam capazes de protegê-la.

Rio e São Paulo são vítimas do mesmo populismo que permite a ocupação desordenada de áreas das cidades que se convertem em santuários paralelos à margem da lei. No Rio, pela topografia local, as favelas podem ser mais visíveis que em São Paulo. Um paulistano que não saia dos bairros nobres das zonas Sul e Oeste pode passar a vida ao largo delas, mas nas periferias persistem as mesmas mazelas: falta de saneamento, ausência de agentes públicos, moradias improvisadas (com frequência em áreas de risco) e a sensação de insegurança trazida pelas facções criminosas.

É certo que houve avanço no combate à criminalidade, mas a pandemia trouxe um recuo dramático. O aumento da pobreza, da fome e a multiplicação na quantidade de moradores de rua contribuem para ampliar a sensação de abandono e insegurança nas grandes cidades. As redes sociais funcionam como um amplificador de notícias sobre assaltos e assassinatos, frequentemente em bairros onde a situação parecia controlada há poucos anos.

É isso que explica o medo dos moradores, apesar da queda contínua nos índices de violência nos últimos anos. O estado de São Paulo registrou em 2021 o menor número de homicídios desde 2001 (2.847) e o Rio de Janeiro o menor desde 1991 (3.245). Apesar disso, na cidade de São Paulo 83% da população tem medo de ser assassinada, segundo o Datafolha. No Rio, o índice é idêntico, com um agravante: 88% dos cariocas têm medo de ser atingidos por bala perdida, o que ocorre com trágica frequência em ações mal planejadas da polícia nas favelas. Só isso deveria fazer autoridades municipais e estaduais parar para refletir sobre o êxito de suas políticas de segurança.

O Rio viveu a experiência inicialmente bem-sucedida das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), baseada em princípios corretos: não pode haver armamento nas favelas, muito menos armamento pesado, como fuzis e metralhadoras; a polícia tem de circular em todas as comunidades de forma integrada, sem restrição de áreas; e os serviços públicos básicos precisam subir o morro. O auge das UPPs foi a retomada do Complexo do Alemão em 2010, com apoio das Forças Armadas. Criminosos foram expulsos do conjunto de favelas no subúrbio carioca, permitindo até a construção do teleférico inaugurado em 2011 pela presidente Dilma Rousseff.

O projeto das UPPs passou a ser expandido sem planejamento nem preocupação com a formação de um novo tipo de policiamento, com base em interesses meramente eleitoreiros. O resultado foi a perda de credibilidade e o esvaziamento. De lá para cá, o tráfico retomou o território do Alemão, e o que resta do teleférico está enferrujado. Outros pontos da cidade são controlados por milícias vinculadas a corporações policiais, que se tornaram foco crescente e preocupante de criminalidade. Elas se expandiram pela Zona Oeste carioca e se fortaleceram a ponto de contar com representação na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj), na Câmara de Vereadores carioca e com o beneplácito do governo federal.

A geografia do crime em São Paulo é distinta. Em suas penitenciárias, surgiu uma das mais fortes organizações criminosas do país, o PCC, que gerencia o crime mesmo atrás das grades, tendo expandido seus domínios a outros estados e até países vizinhos. O poder dessas quadrilhas, não só em São Paulo, é suficiente para reduzir os indicadores de violência quando estabelecem uma trégua com inimigos ou quando se tornam hegemônicas. Volta e meia explode um conflito que transborda para fora dos presídios. A inexistência de uma política nacional consistente de segurança pública torna as cidades brasileiras reféns do humor dos comandantes das facções.

O presidente Jair Bolsonaro assumiu envolto na bandeira da segurança pública, com apoio de todas as corporações policiais. Infelizmente sua gestão da área só tem contribuído para agravar os problemas. Em sua visão primária, Bolsonaro parece acreditar que facilitar a compra de armas pelos cidadãos é a melhor forma de combater o crime. O resultado dessa política são os sucessivos recordes na venda de armas e munições, o afrouxamento dos controles e, como revelaram sucessivas reportagens do GLOBO, o uso dessas brechas por criminosos para continuar a se armar. É questão de tempo até que os índices de violência reflitam essa realidade.

É lamentável o Estado até hoje não conseguir proteger o cidadão brasileiro da violência. Há uma enorme quantidade de conhecimento acadêmico acumulado sobre o assunto que deveria orientar as políticas públicas. A direção a seguir passa por transformações não apenas no policiamento ou na investigação, mas também na legislação penal, no Judiciário e no sistema carcerário, de modo a desbaratar as facções e garantir punição ágil aos criminosos. É uma mudança que levará tempo e exigirá determinação dos governantes. Por isso mesmo precisa começar logo. O combate ao crime exigirá do próximo presidente uma atitude mais firme, madura e inteligente do que fazer arminha com a mão para a plateia das redes sociais.

Globalização em xeque

Folha de S. Paulo

Desaceleração do comércio expõe riscos oriundos da guerra e da nova geopolítica

O agravamento das tensões geopolíticas já impõe custos para a economia mundial. De mais dramático, disparam os preços dos alimentos, devido a interrupções no fornecimento de insumos e ao encarecimento da energia e do transporte, com enorme dano social.

De forma mais ampla, a integração global também começa a ser afetada, conforme nova projeção da Organização Mundial do Comércio (OMC). A instituição revisou de 4,7% para 3% a expectativa de crescimento das transações neste ano. Há riscos de piora.

O mais óbvio deles é uma escalada da guerra na Ucrânia, capaz de levar a embargos ocidentais contra o petróleo e o gás da Rússia. Esta também pode limitar ainda mais a venda de produtos essenciais, como fertilizantes e metais industriais, além de impedir o escoamento de trigo ucraniano, que é especialmente importante para a África e o Oriente Médio.

O aumento da inflação, nesse contexto, resultaria em mais juros e, no limite, a uma recessão, que traria redução no volume de comércio. Tal possibilidade fica clara com a nova projeção da OMC para o Produto Interno Bruto mundial, que caiu de 4,1% para 2,8%.

Outro fator de incerteza é a política chinesa de combate à Covid-19. O gigante asiático ainda não abandonou a estratégia de tolerância zero, que vai se tornando mais onerosa diante da variante ômicron, altamente contagiosa.

As quarentenas em grandes cidades, centros produtivos fundamentais para numerosos setores, ameaçam provocar paralisia nas fábricas e na logística —um novo golpe na frágil trajetória de normalização dos últimos meses.

Recorde-se que a pandemia já havia suscitado questionamentos quanto à estratégia das multinacionais de espalhar seu fornecimento ao redor do mundo —o que ocorreu nas últimas décadas, durante o pico da integração global.

Tudo somado, há sem dúvida obstáculos para o que chamamos de globalização, ao menos nos moldes em que foi implantada.

A tendência de crescimento do comércio começou a ser enfraquecida com a crise financeira de 2008. A guerra tarifária entre Estados Unidos e China, iniciada pelo ex-presidente Donald Trump, reforçou o movimento. Desde então, os conflitos geopolíticos se tornaram ainda mais agudos.

Uma reorganização geral pode resultar de fatores como o maior foco das grandes potências em nacionalizar tecnologias e produção em setores sensíveis, bem como a menor disposição do setor privado em assumir riscos. Ganhos de eficiência podem ser sacrificados em prol da percepção de segurança, com impacto inflacionário.

A globalização trouxe benefícios econômicos e sociais, embora nem sempre bem distribuídos. O novo cenário exigirá a adaptação de todos —e pode significar oportunidades para países produtores de commodities como o Brasil.

Redenção improvável

Folha de S. Paulo

Projeto do semipresidencialismo subestima custo; melhor aperfeiçoar regime atual

Nas várias medições comparativas que cientistas políticos foram capazes de criar, o parlamentarismo se sai um pouco melhor do que os demais regimes —isto é, do que o presidencialismo e as várias modalidades de governos iliberais.

Daí não resulta que todos os países devam correr para adotá-lo. Custos de transição tendem a ser elevados, e é preciso considerar que todos os sistemas têm suas virtudes e seus pontos fracos.

Os últimos são mais fáceis de enxergar do que as primeiras, o que leva muitos países a sonhar com uma improvável reforma política redentora. Na maioria das vezes, aperfeiçoamentos nas regras existentes funcionam melhor.

Nos últimos 60 anos, a população brasileira foi consultada duas vezes sobre uma mudança de regime. Em 1963 e 1993, o parlamentarismo foi rejeitado por ampla margem. Agora, o mundo político fala em semipresidencialismo —um modo de fazer avançar o parlamentarismo conservando o voto direto para presidente.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou grupo de trabalho, composto por deputados e assessorado por juristas, que tem 120 dias para apresentar sugestões. O propósito de Lira é debater o tema ainda este ano e, se for o caso, fazer com que o semipresidencialismo comece a valer a partir de 2030.

Note-se que o Legislativo já se fortaleceu nos últimos anos, com perda do poder da Presidência. O Planalto não pode mais reeditar medidas provisórias indefinidamente, o que é correto, e as emendas parlamentares ao Orçamento se tornaram gastos obrigatórios —o que tem permitido abusos por parte de deputados e senadores.

Ademais, ainda estão por serem conhecidos os efeitos das medidas tomadas para estimular a redução do número excessivo de partidos políticos —e, assim, facilitar a formação de coalizões estáveis.

São pequenas, de todo modo, as chances de a reforma de Lira prosperar. Folha questionou os presidenciáveis a respeito do semipresidencialismo, e a palavra "golpe" foi a mais utilizada para descrevê-lo.

A mudança de regime é uma opção legítima, mas o fato de algumas das principais forças políticas assim se posicionarem é indicativo das dificuldades para a mudança.

Onde está o Ministério Público?

O Estado de S. Paulo

Diante das evidências de corrupção no MEC de Bolsonaro, a omissão da PGR é ainda mais escandalosa. O MP deve defender a lei, sem jacobinismo e sem negacionismo

Mais um caso dos tempos da Lava Jato chegou a um fim inteiramente desproporcional ao barulho gerado anos atrás. Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a rejeição da denúncia por obstrução de justiça contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e contra o ex-ministro Aloizio Mercadante. Segundo o órgão acusador, a denúncia, oferecida em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não se sustenta, seja pela falta de provas, seja porque eventuais crimes já estariam prescritos.

O diagnóstico não é novo, mas à medida que o tempo passa adquire maior nitidez. A atuação do Ministério Público no âmbito da Lava Jato produziu muito alvoroço, mas seus resultados ficaram muito aquém dos escândalos causados. Nessa longa distância entre discurso e realidade, há muitas lições a serem aprendidas: por exemplo, o respeito ao devido processo legal, a incompatibilidade do Ministério Público com a arena política, o reduzido valor probatório das delações, a diferença entre o papel dos procuradores e o dos magistrados e a importância, para uma Justiça realmente imparcial, do juiz de garantias.

Todo esse aprendizado institucional, que poderia servir para um importante e necessário amadurecimento do Ministério Público, encontra-se ameaçado, no entanto, por uma atitude diametralmente oposta – e igualmente distante da lei. Refere-se aqui à omissão e à passividade instauradas por Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Nos tempos atuais, é preciso recordar o óbvio. Por força de sua missão constitucional, o Ministério Público não pode ser conivente com indícios de crimes. E – não é necessária uma lupa para ver – o governo de Jair Bolsonaro tem produzido abundantemente tais indícios e, para piorar, em áreas fundamentais, como saúde e educação. No entanto, Augusto Aras age como se tudo estivesse dentro da mais absoluta legalidade.

Por mais que queira agradar ao Palácio do Planalto, o procurador-geral da República não pode ignorar tantos indícios de crime. O relatório final da CPI da Covid foi caso paradigmático. O documento não se baseou em delações ou em complexas elucubrações. O trabalho dos senadores reuniu robusto conjunto de indícios criminosos, que, em boa medida, são de conhecimento público e prévios à própria comissão. Por isso, o encaminhamento dado ao caso por Augusto Aras afronta a missão do Ministério Público. Depois de receber o relatório, o procurador-geral da República simplesmente abriu alguns procedimentos preliminares, que, mais do que colaborar com o esclarecimento dos fatos, parecem destinados a assegurar que os indícios sejam todos esquecidos.

Agora, o País toma conhecimento de uma série de escândalos envolvendo o Ministério da Educação (MEC). Nenhum deles teve origem em delação ou em interpretações jacobinas da lei. São indícios, por assim dizer, explícitos e inequívocos: gabinete paralelo operado por pastores, pregão para compra superfaturada de 3.850 ônibus escolares rurais, kit de robótica com sobrepreço para escola sem água encanada, autorização de construção de 2 mil escolas sem dotação orçamentária. O sr. Augusto Aras considera tudo isso normal? Seria mera escolha política do bolsonarismo, a que a PGR deveria assistir passivamente?

A sociedade precisa do Ministério Público, que é o titular da ação penal. Quando algum procurador escolhe a passividade diante de indícios de crime, a sociedade fica desprotegida em seus valores fundamentais. No caso da PGR, suas omissões são ainda mais graves, porque deixam a população à mercê do exercício corrupto e corruptor do poder.

Na subserviência da PGR aos interesses de Jair Bolsonaro, o mais estranho é que a Constituição de 1988 assegurou a autonomia do Ministério Público. Nada impede Augusto Aras de cumprir seu dever. Nada o obriga a virar as costas ao Direito. É mais uma lição a ser aprendida: a autonomia do Ministério Público é para defender a lei, e não para que cada um se sinta autorizado a fazer suas vontades. Não é Janot, tampouco Aras.

Eleição como desculpa esfarrapada

O Estado de S. Paulo

Congresso procrastina reformas e deixa de investigar o escândalo no MEC porque os parlamentares colocam as eleições acima dos interesses do País

O País já se acostumou à tradicional letargia do Congresso em anos eleitorais. Com o horizonte de outubro, parlamentares pensam apenas na sua própria eleição, mas a tradição é que os trabalhos legislativos prossigam ao menos até junho. Neste ano, esse calendário parece ter sido antecipado. Líderes partidários já admitem que projetos polêmicos e reformas estruturantes ficarão para 2023. A estratégia é evitar qualquer tema que possa custar votos. É esse mesmo espírito que tem trazido dificuldades para a instalação de uma imprescindível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as inúmeras irregularidades do Ministério da Educação (MEC).

Como revelou o Estadão, pastores evangélicos tinham trânsito livre na pasta para negociar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com municípios em troca de propina. Os indícios de irregularidades foram fortes o bastante para derrubar o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que reconheceu, em gravação, dar prioridade ao atendimento dos pedidos dos pastores a pedido do próprio Bolsonaro. Chamados a depor na Comissão de Educação no Senado, três prefeitos confirmaram as denúncias, com detalhes escabrosos.

Se tudo isso não bastasse, 3,5 mil escolas inacabadas, cuja conclusão é prioritária inclusive por força de lei, foram preteridas em detrimento de 2 mil novas unidades, que muito provavelmente tampouco serão entregues, já que o FNDE detém uma fração dos recursos necessários. O esquema, que remete a pirâmides financeiras que já levaram milhares de investidores à ruína, seria comandado por apadrinhados do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. O prejuízo, evidentemente, fica com a base da pirâmide: a população, que observa o dinheiro público ser drenado sem que as escolas sejam de fato entregues.

Em situações normais, essa sistemática corrupta já mereceria investigação, mas o fato de que ela levou à queda do quarto ministro da Educação de um mesmo governo é argumento mais do que suficiente para justificar uma CPI. Instrumento de fiscalização da minoria, as comissões têm o direito de instalação assegurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF): basta que obtenham apoio de um terço dos parlamentares. Surpreendentemente, o líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ainda não conseguiu alcançar o número mínimo de assinaturas. Pior, teve que amargar as defecções de três senadores – um do PDT, do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes, que classificou o escândalo da Educação de coisa de um “governo dramaticamente corrupto”, e dois do Podemos, que há apenas duas semanas planejava lançar à Presidência o ex-juiz Sérgio Moro, tido e havido como campeão da luta anticorrupção.

A desculpa esfarrapada para não apoiar a CPI é evitar que ela seja usada como palanque eleitoral, uma vez que a Comissão de Educação poderia fazer o mesmo trabalho. Balela. A natimorta CPI poderia convocar qualquer pessoa, prendê-la em flagrante, requisitar informações oficiais sob reserva e quebrar sigilos bancário, fiscal e telemático dos investigados. Bem mais limitada, a Comissão de Educação só consegue intimar ministros e titulares de órgãos subordinados ao governo federal; qualquer outra autoridade ou cidadão somente pode ser chamado a convite, o que assegura a prerrogativa de negá-lo. 

Que a base do governo trabalhe para conter danos à imagem de um presidente ruim, agravada pelas revelações da inicialmente subestimada CPI da Covid, é algo mais do que esperado, mas o fato de que a maioria dos senadores compactua com esses planos dá indícios da abrangência de esquemas como o orçamento secreto e da natureza das relações atuais entre Executivo e Legislativo. Nesse casamento de conveniências, a maioria, inclusive os que dizem se opor ao governo, parece disposta a abrir mão de seus deveres e responsabilidades como parlamentares para garantir sua eleição. A única esperança é que os eleitores se lembrem de responder a essa notória e ofensiva negligência política nas urnas.

Guerra enfraquece o comércio global

O Estado de S. Paulo

Invasão da Ucrânia prejudicou negócios, reduziu o crescimento da economia e pode deixar os pobres mais pobres

O impacto sobre o comércio mundial da invasão da Ucrânia pela Rússia foi direto, com a abrupta suspensão dos embarques dos principais produtos de exportação dos dois países e a imediata alta dos preços de importantes commodities, do trigo ao petróleo. Os efeitos continuam e persistirão. O comércio mundial perdeu dinamismo, ficou menor do que poderia ser e pode se fragmentar em blocos formados por interesses geopolíticos, o que o fragilizaria ainda mais. A economia mundial também será afetada. E, como em outras crises, os países mais pobres sofrerão mais. Em todo o mundo, as famílias de renda mais baixa sentirão a crise mais do que as outras, pois entre os preços que mais sobem estão os dos alimentos.

Talvez este cenário denote um certo pessimismo num quadro mundial marcado pelos horrores da guerra. Mas não é improvável. A Organização Mundial do Comércio (OMC), sucessora de uma das instituições criadas após o fim da 2.ª Guerra para assegurar a paz e o crescimento mundial, adverte que a invasão da Ucrânia pode estimular a criação de blocos baseados em interesses geopolíticos, o que tornaria mais frágil o comércio internacional. Isso enfraqueceria o potencial da economia mundial, cujo crescimento poderia ser reduzido em até 5% no longo prazo.

Mas os efeitos imediatos já são notáveis. Por causa da guerra na Ucrânia, a OMC reduziu de 4,7% para 3,0% o crescimento do comércio mundial neste ano. Para 2023, a projeção é de aumento de 3,4%. Para a economia mundial, que cresceu 5,1% em 2021, a OMC reduziu sua previsão de crescimento em 2022 de 4,1% para 2,8%.

O relatório não trata diretamente da inflação, mas esta, que afeta duramente a renda dos brasileiros (foi de 11,3% nos 12 meses terminados em março), se tornou problema mundial. Nos Estados Unidos, alcançou 8,5%, a maior em mais de 40 anos. É outro efeito da guerra, que fez subir os preços de combustíveis e alimentos, além dos custos industriais, entre outros itens.

“A guerra da Ucrânia causa imenso sofrimento humano, mas também prejudica a economia mundial em um momento crítico”, disse a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala. O impacto será particularmente mais forte nos países de baixa renda, nos quais os alimentos estão entre os maiores gastos das famílias. Em entrevista ao Estadão em março, Ngozi Okonjo-Iweala já dizia que seu grande temor com relação aos impactos da guerra era o risco de surgimento de uma nova crise alimentar no mundo. Rússia e Ucrânia são grandes exportadores mundiais de trigo e a interrupção de suas vendas externas por causa da guerra afetou o preço do pão em todo o mundo. “Em muitos países pobres, pão é uma comida básica”, disse ela ao jornal.

Quanto ao risco de “desintegração da economia em diferentes blocos”, a resposta, diz a OMC, é o fortalecimento multilateral baseado em regras claras. É uma advertência aos países-membros da organização, cujo papel foi duramente combatido e boicotado pelo então presidente americano Donald Trump e ainda aguarda seu total restabelecimento.

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