quinta-feira, 21 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

PGR deveria investigar ação de Bolsonaro no MEC

O Globo

Em resposta a questionamento da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, alegou falta de elementos que justifiquem a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro no escândalo dos pastores no Ministério da Educação (MEC).

Ora, o que não falta são indícios do envolvimento de Bolsonaro na ação ilegal dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura com a finalidade de liberar verbas do MEC para prefeituras, em troca de propina. Se ainda pairar alguma dúvida à vice-procuradora (ou ao procurador-geral, Augusto Aras, abordado durante as férias em Paris por brasileiros com a cobrança de que investigue o caso), eles poderiam começar pelo áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em que o próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro (depois afastado do cargo), pede em nome de Bolsonaro que sejam atendidos “todos os que são amigos do pastor Gilmar”.

Os dois deveriam consultar em seguida os registros da portaria do Palácio do Planalto, revelados pelo GLOBO depois que o governo tentou esconder a informação (e se viu obrigado a entregá-la para não desrespeitar a lei). O pastor Arilton esteve 35 vezes no local de trabalho de Bolsonaro, dez na companhia do colega Gilmar. Nely Jardim, apresentada como secretária dos dois, visitou quatro vezes a sede do governo. Há imagens de ambos na companhia do presidente.

E, se mesmo assim a Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda continuar com dúvidas, basta ouvir os prefeitos abordados pela dupla, que relatam ter sido procurados pelos pastores com pedidos de R$ 15 mil a R$ 40 mil para facilitar a liberação de recursos no MEC. Houve até cobrança de um quilo de ouro a um prefeito de uma região de mineração.

A esbórnia no MEC precisa ser investigada, do contrário o risco é que o tráfico de influência continue na nova gestão. Secretário executivo de Ribeiro, o interino Victor Godoy Veiga foi confirmado no cargo por Bolsonaro na segunda-feira. Assume sem nenhuma expectativa de mudança na forma com que o governo trata o setor, considerado pelo Planalto apenas como campo de batalha na “guerra cultural” que os bolsonaristas dizem travar contra a esquerda e o comunismo.

Na prática, há um descaso total diante de questões fundamentais para a Educação. Não bastassem a pandemia e os efeitos do fechamento das escolas no aprendizado, há problemas a resolver no ensino médio, cuja reforma, aprovada no governo Temer, está em fase de implementação. O MEC sob Bolsonaro chega ao quinto ministro e continua completamente omisso na agenda vital de mudanças e aperfeiçoamentos no ensino público.

A gestão Ribeiro foi marcada pela debandada de quadros técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), prejudicando o Enem, a pesquisa e a formação universitárias. O único momento notável protagonizado pelo ex-ministro foi a gravação pedindo aos prefeitos que atendessem os pastores, em nome de Bolsonaro. E a PGR não acha que isso precisa ser investigado? Parece escárnio.

Cidades não podem permitir desfiles de blocos sem a infraestrutura adequada

O Globo

É compreensível que o desejo de cair na folia, represado por dois anos de pandemia, deixe inquietos os milhões de órfãos do carnaval de rua, especialmente quando estão barrados no baile fora de época desta semana, restrito apenas às escolas de samba no Rio e em São Paulo. Mas é preciso considerar que as regras já estavam estabelecidas desde janeiro, quando foi sacramentado o adiamento da festa, em decisão conjunta das prefeituras carioca e paulistana diante da ascensão dos casos de Covid-19. Sabia-se que haveria apenas os desfiles em lugares com entrada controlada.

Por isso preocupa a pressão exercida pelos foliões do Rio e de São Paulo para que as prefeituras autorizem os blocos de rua. Não há nenhum cabimento nisso. Primeiro porque, apesar das melhoras visíveis nos indicadores, a pandemia ainda não está debelada. O país registra cerca de cem mortes e em torno de 15 mil casos diariamente. Uma coisa é permitir a entrada do público e dos foliões nos sambódromos mediante certificado de vacinação. Outra bem diferente é franquear as ruas a milhões de foliões sem nenhum controle.

Em segundo lugar, não há como autorizar os desfiles sem que as prefeituras tenham tido tempo hábil para providenciar a infraestrutura necessária, como banheiros químicos, esquema de segurança, serviço médico, operação de trânsito e limpeza urbana. Se, em condições normais, quando o planejamento é feito com meses de antecedência, já se ouvem críticas ao impacto dos blocos, não é difícil imaginar o que acontecerá se eles forem para as ruas sem o amparo do poder público.

Em São Paulo, representantes de blocos e autoridades tentam chegar a um acordo. Uma das alternativas em discussão é marcar outra data para a folia dos blocos — na prática, um terceiro carnaval. Ao menos 50 cortejos estão decididos a ir às ruas no feriado de Tiradentes, com ou sem autorização. Parte deles não divulgará os roteiros para atrair menos gente e evitar repressão. No Rio, os grupos tradicionais prometeram recesso, mas 140 assinaram manifesto contra as restrições. A Secretaria de Ordem Pública avisou que os blocos não estão autorizados a sair, mas acrescentou que não serão coibidos. O que isso significa na prática não se sabe.

É importante ter em mente que se vive um momento excepcional numa pandemia que já matou mais de 660 mil brasileiros. Sem dúvida o cenário epidemiológico hoje é muito mais favorável que no início do ano, quando as decisões foram tomadas. Mas não se pode pôr a perder o que foi conquistado graças ao avanço da vacinação e às medidas de restrição. Também não é justo impor o caos à população, forçando a realização de um evento para o qual não existe nenhum planejamento. As prefeituras do Rio e de São Paulo deveriam se esforçar para evitar os cortejos não autorizados. A responsabilidade, claro, não cabe apenas a elas. Espera-se que os foliões tenham bom senso e respeitem o que foi acordado há três meses. No ano que vem, com a pandemia controlada, São Paulo e Rio terão motivos para fazer o melhor carnaval de rua da História.

Menos péssimo

Folha de S. Paulo

FMI sobe projeção de crescimento do Brasil, que segue sem sinal de agenda sólida

Com a guerra na Ucrânia e novos problemas de oferta em várias cadeias produtivas ocasionados pelo agravamento da pandemia na China, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou novamente para baixo sua projeção para o crescimento da economia mundial.

A expectativa para este ano caiu de 4,4% para 3,6%, com mudanças para pior nas principais regiões. O Brasil, desta vez, foi exceção, com alteração de 0,3% para 0,8%. Mesmo assim, o desempenho da atividade doméstica permanece abaixo do padrão global, como tem sido a norma desde a década passada.

A nova previsão para o país é menos ruim do que outras em circulação há poucos meses. Não se cogita agora o temido cenário recessivo —e vai se firmando entre analistas uma taxa mais próxima de 1% —uma quase estagnação.

Contribuem para a melhora os elevados preços no mercado internacional das matérias-primas, inclusive petróleo, que o país exporta em quantidades crescentes.

O efeito da alta nas cotações de produtos agrícolas e minerais impulsiona a renda de setores que em conjunto perfazem cerca de 25% do Produto Interno Bruto.

No caso do petróleo, o benefício fica magnificado pelo impacto na arrecadação de impostos e royalties, com parte relevante direcionada para estados e municípios, que podem assim impulsionar os investimentos públicos.

Os dados são convincentes. A arrecadação cresce rapidamente desde o ano passado, com ajuda da inflação elevada, e o novo choque de preços deste início de 2022 reforçará o movimento. O caixa dos estados atingiu valor recorde no final de 2021 —R$ 124,1 bilhões, com expansão anual de 91%.

Dados reunidos pelo jornal Valor Econômico mostram que governos estaduais, no agregado, investiram no primeiro bimestre R$ 4,2 bilhões, um aumento real de 115% ante o mesmo período de 2021. O maior salto se deu em Minas Gerais: o investimento passou de R$ 57 milhões para R$ 991,7 milhões.

Outros elementos importantes são a retomada dos serviços ainda deprimidos e a recomposição de estoques na indústria, embora neste caso o quadro possa piorar com novos sobressaltos na China.

Se este ano pode ser menos desastroso do que se temia, o próximo também tende a se mostrar difícil. A projeção do FMI, uma alta de apenas 1,4%, corre risco de cair à frente. A escalada da taxa de juros, que deve superar 13% anuais, deve provocar maiores consequências a partir do segundo semestre.

O primeiro ano de um novo governo, além disso, normalmente é acompanhado por aperto orçamentário. Pior, a pré-campanha presidencial ainda não gerou sinais de agenda econômica sólida, sem a qual não se vislumbrará progresso material e melhoria social.

O nome do crime

Folha de S. Paulo

É descabido usar investida no PR para defender mudança na lei antiterrorismo

O ministro da Justiça, Anderson Torres, classificou a investida de bandidos em Guarapuava (PR) nesta semana como terrorismo e defendeu mudanças na lei para endurecer as penas em casos como esse. Por assustadora que tenha sido a ação criminosa, Torres não parece saber do que fala.

Das muitas mazelas do Brasil, não consta o terrorismo. Uma feliz combinação de geografia e história tem poupado o país da chaga, que assola outras partes do mundo.

É claro que isso não nos isenta de contar com uma legislação sobre o tema —o futuro, afinal, é incerto. Temos, além disso, compromissos internacionais que nos obrigam a cooperar com outras nações no combate a essa ameaça global.

A questão é que tal providência já foi tomada. A legislação antiterrorismo de 2016 é peça relativamente atualizada e plenamente adequada ao contexto brasileiro. Oferece, inclusive, ferramentas para lidar com crimes contra o Estado democrático que possam ter sido fragilizadas com a oportuna extinção da Lei de Segurança Nacional.

Numa interpretação honesta e desinteressada das normas penais, o diploma jamais serviria para enquadrar os bandidos que atacaram a cidade paranaense. Ao que tudo indica, eles agiram por interesse financeiro, não por motivações políticas ou ideológicas.

Se os criminosos de Guarapuava deixarem de ser punidos, não será por falta ou insuficiência de tipos penais. Os bandidos violaram diversas páginas do Código Penal, o que bastaria para pô-los na cadeia por um longo período.

Para que isso ocorra, entretanto, é necessário antes identificar e capturar os bandidos, bem como reunir provas que possam instruir um processo —o que depende de um bom trabalho policial.

A pasta de Torres não apenas abriga a Polícia Federal como também tem, entre suas atribuições, a missão de coordenar e apoiar o trabalho das polícias estaduais.

O ministro, porém, preferiu fazer eco aos interesses eleitorais de Jair Bolsonaro (PL), que já vinha batendo na tecla de que é necessário alterar a Lei Antiterror. O presidente diz isso porque o discurso agrada à sua base eleitoral —que gosta de descrever atos patrocinados por movimentos sociais como terrorismo.

A lei atual contém dispositivos que evitam essa interpretação e precisam ser preservados.

O grande salto para trás

O Estado de S. Paulo

Lula e Bolsonaro defendem ideias que destroem o que foi feito de positivo. A revogação da reforma trabalhista, como quer o PT, é apenas o mais recente exemplo disso

Com uma crise social e econômica que afeta gravemente a população, o País precisa de propostas consistentes e viáveis, aptas a enfrentar, com responsabilidade, os problemas nacionais. No entanto, a depender das propostas dos dois políticos que aparecem na frente nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, parece que a tarefa é exatamente inversa: apresentar ideias que aprofundam a crise.

A situação é muito peculiar. Não é apenas que Lula da Silva e Jair Bolsonaro não tenham a menor noção do que precisa ser feito para recolocar o País no caminho do desenvolvimento social e econômico. Os dois querem destruir – essa é a palavra – o que foi feito de positivo até aqui. Em qualquer dos casos, o País dará um grande salto para trás.

Na semana passada, o diretório nacional do PT aprovou que, no programa de governo a ser apresentado aos partidos aliados, não se fale de “revisão” da reforma trabalhista de 2017. O termo não expressaria fidedignamente o que os petistas almejam. Eles querem nada mais nada menos que a “revogação” de todo o marco trabalhista aprovado pelo Congresso durante o governo de Michel Temer.

O Brasil tem hoje 12 milhões de desempregados, o que corresponde a 11,2% da força de trabalho. E qual é a proposta do PT para esse cenário extremamente desafiador? Jogar fora todo o trabalho de modernização das regras trabalhistas feito pelo Congresso em 2017. É um completo disparate. Ninguém em sã consciência acha que a revogação da reforma trabalhista possa incentivar a criação de novos postos de trabalho. Mesmo assim, o PT anuncia que, em 2023, dedicará suas energias a restaurar o atraso. 

Outra área na qual Lula e Bolsonaro prometem atraso e destruição é a responsabilidade fiscal. No caso, é puro deboche com a população e com todas as evidências. Nas últimas três décadas, todos os governos que foram responsáveis com as contas públicas conseguiram conter a inflação, e todos aqueles que desprezaram o equilíbrio fiscal produziram aumento da inflação.

Depois do sucesso do Plano Real e das reformas feitas nos governos de Fernando Henrique, o PT foi capaz, com seu descompromisso na área fiscal, de reintroduzir a inflação na vida nacional. Dilma Rousseff entregou baixo crescimento e inflação alta. Pois bem. Perante esse panorama desafiador, Michel Temer implantou uma política de responsabilidade fiscal que, além de desbastar a inflação, possibilitou a redução histórica da taxa de juros. Após os dois anos e meio do governo Temer, o País não deveria ter mais nenhuma dúvida sobre política econômica: sobre o que protege a população e sobre o que a prejudica, especialmente os mais vulneráveis.

Jair Bolsonaro seguiu, no entanto, o caminho petista da irresponsabilidade. Tal foi a adesão ao populismo que o governo Bolsonaro não apenas não defendeu o teto de gastos aprovado durante o governo Temer, como atuou para derrubar esse que foi o principal marco da responsabilidade fiscal dos últimos anos. O empenho gerou o resultado esperado: inflação alta, com o Banco Central tendo de elevar a taxa básica de juros mesmo em um cenário de baixa atividade econômica.

Diante dessa trajetória, o que Lula e Bolsonaro propõem para o País a partir de 2023? Só querem saber de destruir ainda mais os alicerces da responsabilidade fiscal. Sentindo-se tão confortável em seu populismo, Jair Bolsonaro já disse até que cogita dispensar Paulo Guedes em eventual segundo mandato. Nenhum disfarce de responsabilidade seria mais necessário.

A confirmar que o retrocesso não é mero acidente, mas um objetivo, o lulopetismo e o bolsonarismo almejam, também, reduzir a autonomia das agências reguladoras. Mesmo depois de a pandemia mostrar a importância de ter uma Anvisa independente, Lula e Bolsonaro querem o Executivo imperando sem controle.

Perante ideias tão profícuas, como alguém pode ter a ousadia de dizer, como às vezes se ouve, que eventual vitória de Lula, ou mesmo de Bolsonaro, já estaria precificada? É uma bela modalidade de negacionismo.

A crise de um bom projeto político

O Estado de S. Paulo

Parece claro que somente a partir da retomada de seu perfil histórico, abandonado por interesses imediatistas, o PSDB poderá se apresentar como antídoto para o atraso

Na enésima manifestação pública de desacordo entre as lideranças tucanas, o ex-governador João Doria substituiu o coordenador de sua pré-campanha à Presidência da República: no lugar do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, assumiu Marco Vinholi, aliado do ex-governador e dirigente do partido em São Paulo. 

A razão da substituição, segundo a equipe de Doria, foi a postura “pouco agregadora” de Araújo, que diminuía o papel do ex-governador na disputa pela Presidência. De fato, em evento recente do PSDB, Araújo afirmou que a aliança entre as legendas que articulam uma candidatura única da chamada “terceira via” se sobreporia ao nome do partido à Presidência. Daí não ter surpreendido a leveza com que tratou de sua substituição na coordenação da campanha presidencial. Comentando-a nas redes sociais, ele escreveu: “Ufa”.

A resistência à candidatura de Doria é maior, por incrível que pareça, no próprio PSDB, apesar de o ex-governador ter vencido as prévias realizadas pelo partido para definição de seu pré-candidato à Presidência. Prévias que, ao invés de unir, acabaram desunindo ainda mais o partido aos olhos de toda a opinião pública. A ponto de o candidato derrotado ali, Eduardo Leite, ainda se declarar como opção para a disputa presidencial: “Estou na pista”, disse ele recentemente.

A resistência de Leite em aceitar o resultado de uma eleição não faz lembrar apenas de Jair Bolsonaro; remete também ao seu correligionário Aécio Neves após a eleição presidencial de 2014. Vale lembrar aqui a entrevista concedida a este jornal em 2018 por Tasso Jereissati, ex-presidente nacional do PSDB. Segundo ele, na série de erros que fragilizaram a reputação do partido nos últimos anos, o primeiro teria sido questionar a vitória da petista Dilma Rousseff: “Não é da nossa história e do nosso perfil. Não questionamos as instituições, respeitamos a democracia”, disse Tasso. 

Fundado em 1988, o PSDB reuniu quadros de reconhecida seriedade e competência num projeto voltado à concretização do ideário trazido pela Constituição Federal de 1988, de inspiração social-democrata, cuja elaboração contou com a participação ativa de alguns de seus membros, como Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso. 

Fernando Henrique se elegeu presidente em 1994, e seu governo deixou marcas importantes, como a estabilização da moeda, a introdução de um robusto arcabouço legal para a manutenção do equilíbrio fiscal e a construção de marcos institucionais de diferentes políticas públicas: urbana, de saúde, na educação e no combate à pobreza extrema. 

O PSDB de hoje não dialoga com essa herança. Alguns até dispensam a social-democracia que o partido carrega em seu nome. O próprio João Doria, em 2019, encomendou pesquisa para avaliar uma possível mudança de nome do partido. Ideia a que Geraldo Alckmin se opôs à época, afirmando que se deveria “fortalecer aquilo que fez a origem, o nascimento do PSDB, que é a social-democracia”.

No final de 2021, Alckmin deixou o PSDB para se filiar ao PSB. E o fez para embarcar na candidatura de ninguém menos que Luiz Inácio Lula da Silva, o que dá mais uma prova da pane no interior do partido e mostra que o chamado de Tasso Jereissati à história e perfil do PSDB, referido acima, valia também para seus líderes históricos.

Parece claro que é somente a partir dessa história e desse perfil que o PSDB poderá eventualmente reerguer-se. O espírito social-democrata que inspirou a fundação do partido reclama o desenho de um projeto para o País que vá além de um único ciclo eleitoral; que explique aos cidadãos que o País em que vivemos pode ser melhor, desde que se respeitem os limites fiscais e que se direcionem os recursos públicos para enfrentar os grandes problemas nacionais; que mire não o eleitor vingativo, aquele que se põe “contra tudo o que está aí”, mas o eleitor que sabe que a política é o único meio de debater e solucionar os problemas nacionais. 

Ou o partido pode seguir em sua estratégia atual e assemelhar-se cada vez mais a um partido do Centrão, aquela entidade amorfa que tão bem representa o abastardamento da política.

A cruzada farsesca da gasolina barata

O Estado de S. Paulo

Bolsonaristas agora culpam o cartel da Opep pela alta dos combustíveis, cujos efeitos o governo é incapaz de enfrentar

O mais novo integrante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto Freitas de Lima, disse, em entrevista ao Estadão, que, como parte do esforço para reduzir o preço dos combustíveis, o Brasil deveria ser menos “leniente” com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que atua como cartel.

Ex-assessor especial de Bolsonaro, o conselheiro do Cade disse que a Petrobras, ao assumir uma política de preços de combustíveis alinhada às variações do petróleo no exterior, teria agido em associação com a Opep, razão pela qual a estatal brasileira estaria praticando condutas anticoncorrenciais. “O Cade foi leniente com a Opep, mas qual órgão regulador enfrentou a questão? Talvez o Brasil seja pioneiro”, disse Lima.

A pretensão do conselheiro do Cade em relação à Opep é risível. O cartel do petróleo, fundado em 1960, é um fato consumado, atuando desde então para controlar o preço internacional do produto. Nem grandes potências como os EUA são capazes de desafiar, na prática, o poder da Opep.

Mas o discurso do conselheiro Lima, tirante o delírio sobre a Opep, tem um alvo bem definido: a Petrobras. Ele disse suspeitar que possa haver um “conluio” para a Petrobras “não produzir o que poderia, para maximizar o lucro e inflar o preço”. O uso do termo “conluio” não parece gratuito: significa conspiração, trama, mancomunação, com o objetivo de lesar os consumidores brasileiros. O espírito da declaração não poderia ser mais bolsonarista: não importa o fato de que a Petrobras precisa alinhar-se aos preços internacionais sob pena de sofrer prejuízos que, ao fim e ao cabo, serão pagos por toda a sociedade; o que interessa é fazer Bolsonaro posar de cruzado da gasolina barata. “É extremamente difícil chegar ao posto de gasolina, ver o preço a R$ 8 e achar que é normal”, disse o valente conselheiro.

Enquanto Bolsonaro encena sua luta contra gananciosos executivos da Petrobras, contra governadores insensíveis que só pensam em arrecadar impostos sobre combustíveis e, agora, contra o tirânico cartel da Opep, os preços dos combustíveis no mercado interno voltaram a subir – mas, mesmo que o conselheiro Lima se espante, permanecem inferiores aos preços internacionais.

A principal consequência desse descolamento praticado pela Petrobras recai sobre os próprios consumidores, já que os importadores simplesmente pararam de operar para não perder dinheiro. Com a guerra na Ucrânia e o boicote europeu à Rússia, o risco, agora, é faltar diesel no País, como têm alertado distribuidoras e postos. Isso já tem ocorrido no Espírito Santo, segundo o sindicato local, e deveria ser motivo de preocupações dentro do Cade, uma vez que a escassez do insumo tende a pressionar ainda mais os preços. Sobre esse problema real e que demanda solução, no entanto, é claro que o governo não se manifestou.

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