segunda-feira, 25 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

WhatsApp precisa resistir à investida de Jair Bolsonaro

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que procuraria representantes do WhatsApp no Brasil para tratar do acordo firmado entre a empresa e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tal acordo adiou o lançamento, para depois das eleições de outubro, de uma função que permite ampliar o alcance das mensagens no aplicativo. “Se ele [o WhatsApp] pode fazer um acordo com o TSE, pode fazer comigo também. Por que não?”, disse Bolsonaro. O raciocínio do presidente não tem nexo. O Executivo é parte interessada no pleito de outubro, pois Bolsonaro busca a reeleição e deveria respeitar à risca todas as regras estabelecidas para o pleito — da vedação à campanha antecipada às medidas tomadas para coibir a desinformação.

Os bolsonaristas obviamente não inventaram a disseminação de mentiras, nem detêm monopólio sobre elas, mas a memória da campanha de 2018 está fresca demais para esquecer quem mais abusou desse instrumento de manipulação. Não se ouviu crítica ao acordo do TSE com o WhatsApp vinda da oposição. É papel da Corte tomar iniciativas para garantir uma campanha tranquila e uma votação justa — e isso significa conter a enxurrada de fake news que já circula nos aplicativos de mensagem, em especial nas redes bolsonaristas. Como é mera ilusão esperar comedimento do presidente, os executivos responsáveis pelo WhatsApp no Brasil terão de resistir à pressão.

Batizado “comunidades”, o novo recurso prevê a aglutinação de grupos, multiplicando a velocidade de difusão das mensagens. A novidade, segundo a empresa, foi pensada para facilitar a comunicação em locais como escolas. Um diretor conseguiria enviar a mesma mensagem a pais de alunos de todas as classes. A empresa também estuda permitir grupos com mais participantes (hoje eles são limitados a 256). Seria o sonho de consumo das milícias propagadoras de fake news, que migraram para o Telegram justamente em virtude dos grupos ilimitados.

O WhatsApp afirma que, como forma de compensação à ampliação dos grupos, limitará os destinatários das mensagens reencaminhadas (os atuais cinco cairiam para um único a cada reencaminhamento). Seria um avanço, mas tentativas desse tipo para mitigar o estrago são cosméticas e provavelmente se revelarão inócuas. O histórico do WhatsApp no controle dos excessos é vexaminoso. Em vez de um meio de comunicação privado individual como se autodefine, o “zap” se tornou uma ferramenta de propaganda.

A implantação das “comunidades” de tamanho ilimitado antes de outubro representaria nada menos que uma afronta à democracia. Mas, ainda que seja implementada depois das eleições, como prevê o acordo com o TSE, seria problemática porque não deixaria de favorecer os propagadores de desinformação. É escandaloso que, com tudo o que já se sabe sobre o assunto, o país ainda se veja refém dos humores das gigantes digitais para combater a desinformação. Esse tipo de regulação é dever do Estado, não deve caber à iniciativa das próprias empresas.

É justamente para evitar tais armadilhas que a Câmara deveria ter aprovado a urgência para a votação do Projeto de Lei das Fake News. Em razão da rejeição — com apoio da base governista —, provavelmente não haverá tempo para sua aprovação antes das eleições. Diante da omissão do Legislativo, o Judiciário mais uma vez se vê forçado a zelar pela paz nas eleições.

Inflação recorde não é única causa da queda na popularidade de Biden

O Globo

Não são boas as perspectivas para o presidente americano Joe Biden nas eleições deste ano, que em novembro renovarão a Câmara, um terço do Senado e 36 governos estaduais. Sua aprovação anda na casa dos 42% e, na semana passada, de quatro pesquisas nacionais, três apresentaram os piores resultados para Biden desde o início do governo. Com aprovação abaixo de 45%, Gerald Ford, Jimmy Carter e Donald Trump não se reelegeram. O cenário mais provável é os democratas perderem o controle do Senado — onde só têm maioria graças ao voto de desempate da vice, Kamala Harris — e enfrentarem dificuldades enormes para manter o da Câmara.

A explicação canônica para a queda na popularidade é a inflação de 8,5%, que os americanos não viam desde 1981. A perda de poder aquisitivo é péssimo cabo eleitoral, mesmo que a economia ostente o invejável desemprego de 3,9%, reflexo da forte recuperação com o arrefecimento da pandemia. A inflação, porém, não explica tudo. Biden tem cometido diversos erros na condução do governo.

Seu primeiro grande revés foi a retirada catastrófica do Afeganistão no ano passado. O Taliban aproveitou para reconquistar o país, e o mundo testemunhou cenas caóticas. Um homem-bomba chegou a matar 13 militares americanos no aeroporto de Cabul. Foi um ponto de inflexão na imagem do presidente, que, até aquele momento, ainda desfrutava as vantagens naturais da comparação com Trump.

O outro grande desafio para o governo Biden no front externo surgiu na Ucrânia. Os americanos aprovaram seu apoio decidido aos ucranianos no enfrentamento da agressão russa, mas Biden comprometeu-se — acertadamente — a não envolver o país na guerra. Em razão disso, não recebe o bônus de popularidade que a a população costuma dar a todo presidente em guerra (como foi o caso de George W. Bush depois do 11 de Setembro).

No campo interno, Biden aprovou no Congresso, com apoio de republicanos, um pacote de US$ 1 trilhão de investimentos na castigada infraestrutura americana. Mas o ambicioso programa social “Build Back Better” (algo como “Refazer Melhor”), que destinaria US$ 1,7 trilhão com o objetivo de gerar empregos para recriar “a espinha dorsal do país, a classe média” (transferindo impostos sobre grandes corporações e dos mais ricos), não convenceu nem mesmo os democratas. A iniciativa inspirada em Roosevelt enfrenta resistências óbvias pelo temor de expansionismo fiscal num momento de inflação em alta.

Além desse revés legislativo em escala nacional, Biden também enfrenta o recrudescimento da guerra cultural que tem vitimado a agenda democrata em vários estados. Republicanos têm registrado avanços em temas como aborto, ensino sobre racismo, na persistência das acusações de fraude em 2020 e no aparelhamento de organismos eleitorais. O espectro de Donald Trump continua pairando sobre 2024.

A saga da Eletrobras

Folha de S. Paulo

Batalha política em torno da privatização da empresa não parece encerrada no TCU

A desestatização da Eletrobras segue como um exemplo do que não fazer quando o governo se propõe a transferir o controle de uma empresa para investidores privados. O processo foi contaminado por interesses políticos no Congresso e agora não parece livre deles no Tribunal de Contas da União.

É esperado que o TCU acompanhe e fiscalize o uso de recursos do Orçamento, o que inclui observar a lisura das privatizações. Essa atribuição, prevista em lei, é cumprida mediante análises de um corpo técnico que está entre os mais qualificados do serviço público.

O trâmite já está na segunda etapa, e o tribunal deve se pronunciar sobre o preço da ação para a venda em Bolsa de Valores. Ocorrido na quarta-feira (20), o julgamento do tema foi suspenso após debate sobre qual seria o prazo adequado para o pedido de vista apresentado —60, 20 ou 7 dias.

Optou-se pelo período intermediário, que ainda assim se afigura acima do necessário para uma decisão dessa natureza.

É razoável imaginar que o ambiente estivesse crispado por declarações, atabalhoadas como de costume, do ministro Paulo Guedes, da Economia —que fez crítica pública a supostos telefonemas do ex-presidente e hoje presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a ministros do TCU para barrar ou prejudicar a privatização.

Fato é que as resistências à venda da estatal —por razões ideológicas, corporativistas ou decorrentes de fisiologismo político— são bem mais amplas que as petistas, como se viu na tramitação da proposta na Câmara e no Senado.

Já no julgamento do TCU, causou estranheza que o relator Aroldo Cedraz, em seu voto, tenha proposto uma mudança no mecanismo que impede a tomada do controle da Eletrobras por um único acionista. A alteração buscava permitir que a União pudesse reestatizar a empresa, caso julgasse necessário.

O voto foi enviado aos ministros às 12h. Três horas depois, já com a sessão em curso, Cedraz anunciou que retiraria a proposição.

O dispositivo, de fato, mostrava-se mais uma intervenção de legislador que de órgão regulador. Ratificado, inviabilizaria a operação. É difícil acreditar que algum investidor pagaria bilhões de reais por um ativo correndo o risco de, a qualquer tempo, ter de devolvê-lo ao antigo controlador.

Como efeito prático do pedido de vista apresentado pelo ministro Vital do Rêgo Filho, os meses de junho e julho passam a ser apontados como os mais propícios para a venda da empresa. Atrasos maiores tornarão a operação menos provável quanto mais próxima das eleições gerais de outubro.

A despeito das obrigações impostas pelo Congresso, que implicam custos para consumidores e contribuintes, a privatização permanece desejável para ampliar a capacidade de investimento e evitar que a empresa seja utilizada no empreguismo e clientelismo político.

25 anos depois

Folha de S. Paulo

Morte de Galdino foi marco no ativismo por terras, hoje sob cerco de Bolsonaro

Em 20 de abril de 1997, Galdino Jesus dos Santos, indígena pataxó hã-hã-hãe, dormia em um ponto de ônibus em Brasília quando cinco homens, um deles menor de idade, atearam fogo em seu corpo. Então com 45 anos, Galdino morreu num hospital no dia seguinte.

Galdino Pataxó fora a Brasília devido a terras indígenas ilegalmente ocupadas no sul da Bahia. A morte brutal foi o estopim para o ativismo no local. Após o episódio, a aldeia retomou cinco fazendas. Protestos ocorreram tanto na capital federal quanto na região.

Em disputa há décadas, o território teve os títulos de propriedade de posseiros anulados por decisão do Supremo Tribunal Federal em 2012, o que conferiu segurança, ao menos formal, às áreas demarcadas. A despeito dessa ação, iniciada há 40 anos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a violência contra os povos persiste.

De 2009 a 2019, a taxa de assassinato de indígenas cresceu 22% no Brasil (de 15 para 18,3 por 100 mil habitantes), na contramão da taxa de homicídios em geral, que recuou 20% no mesmo período (de 27,2 para 21,7), segundo o Atlas da Violência publicado em 2021.

Em números absolutos, foram 186 casos em 2019, ante 136 dez anos antes. Entre um e outro, houve um pico de 247 em 2017.

Por trás dos números, possivelmente subnotificados, há um emaranhado de conflitos territoriais, em especial com agricultores e garimpeiros, que também motivam toda sorte de assédios e violências, além da perseguição a lideranças e movimentos sociais.

Atualmente, 13,8% do território nacional se destina a áreas indígenas —o que é um dado alentador, mas longe de significar uma questão pacificada. Dessas áreas, 98,3% se encontram na Amazônia.

Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal não chegou a concluir o julgamento da tese do marco temporal para a demarcação de terras, pela qual os povos só teriam direito às regiões que ocupavam em 1988, ano de promulgação da atual Constituição.

São tensões que só se agravam sob Jair Bolsonaro (PL), aliado do agronegócio arcaico e adepto da carcomida doutrina militar segundo a qual áreas indígenas representam ameaça à soberania nacional.

É preciso conhecer a história da ditadura

O Estado de S. Paulo

A revelação das gravações das sessões do STM entre 1975 e 1985 reitera a importância da pesquisa histórica sobre a ditadura militar. Há muito a ser conhecido e estudado

A recente divulgação, feita pela jornalista Miriam Leitão, no jornal O Globo, de gravações de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1975 e 1985 revela a importância tanto da transparência no trato das coisas públicas como do trabalho de pesquisa histórica sobre esse período ainda tão recente. Equivoca-se quem acha que tudo já está esclarecido. Há muito a ser conhecido, estudado e debatido sobre a ditadura militar. Um povo que ignora sua história desconhece a si mesmo, além de ser presa fácil dos autoritários de plantão.

O acesso às gravações das sessões do STM foi obtido depois de uma longa batalha judicial. Em 2006, a Corte militar negou o pedido feito pelo pesquisador e advogado Fernando Fernandes, que, no doutorado, havia estudado atas e discursos do STM. Em 2015, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela liberação dos arquivos da Corte militar relativos ao período da ditadura.

Os áudios foram entregues a Fernando Fernandes em 2017. “A abertura desse arquivo é algo fundamental não só para pesquisa de um historiador como eu, mas para milhares de pesquisas que podem ser feitas sobre o regime de 64, sobre a atuação do STM, sobre a atuação dos advogados, para se compreender melhor a história do Brasil”, disse Fernandes na ocasião. Desde então, o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem estudado e organizado o conteúdo dessas gravações.

Esse trabalho de pesquisa histórica é imprescindível. Certamente, debruçar-se sobre o período da ditadura militar traz incômodos para muita gente. Basta ver que o STM queria manter os áudios secretos. Felizmente, o STF assegurou a publicidade. A população tem o direito de saber como eram as sessões da Corte militar. Tem o direito de conhecer a história de seu país.

Sempre importante, a pesquisa histórica sobre a ditadura militar adquire especial relevância nos tempos atuais, em que se verifica um esforço deliberado – verdadeira manobra política – de negar ou minimizar as violências e agressões cometidas pelo regime militar. Há uma flagrante manipulação dos fatos históricos, com consequências nefastas para a cidadania e o exercício dos direitos políticos. Tal é a situação que há quem não veja, por exemplo, incompatibilidade entre a defesa da liberdade de expressão e a defesa do regime militar. Ora, na ditadura houve censura dos meios de comunicação. No caso deste jornal, que nunca se submeteu às ordens do regime sobre o que era proibido publicar, havia inclusive censores dentro da Redação.

Outro evento histórico sobre o qual há frequente manipulação é o Ato Institucional n.º 5 (AI-5). Considerado o “golpe dentro do golpe”, o AI-5 conduziu o País a um sinistro período de arbítrio, censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e dos direitos individuais. Ao longo de seus 11 anos de vigência, o ato de profundo autoritarismo produziu muitos males que ainda hoje são sentidos. Foi uma brutalidade do regime militar contra a população brasileira, mas há quem queira defendê-lo ou, mesmo, ventilar a possibilidade de uma reedição em suposta “defesa do País” contra inimigos imaginários. O negacionismo histórico não é mera falha acadêmica, mas substrato para velhas e novas arbitrariedades.

Cabe advertir, ao mesmo tempo, que a defesa da pesquisa histórica não guarda relação com a pretensão de alguns de rever a Lei da Anistia. São coisas distintas, em âmbitos distintos. Há muito a ser conhecido, estudado e debatido sobre a edição dessa lei, suas circunstâncias e seus pressupostos. Mas o conhecimento mais aprofundado e rigoroso do que foi o regime militar – tarefa necessária para a sociedade brasileira – não é motivo para rediscutir a validade jurídica da Lei da Anistia. Tal pretensão seria ignorar os fatos históricos, numa releitura rasa sobre o que uma anistia significa e que bens ela protege, além de desmerecer as instituições democráticas pós-1988. O STF reconheceu, em 2010, a validade e legitimidade da Lei da Anistia. Conhecer a história, sim; reescrevê-la, negando os fatos, não.

À espera do juiz das garantias

O Estado de S. Paulo

A bem-vinda novidade no direito penal foi aprovada há mais de dois anos, mas a vontade de um único ministro do STF continua a impedir que seja implementada

Faz mais de dois anos que o Congresso aprovou um importante avanço para a legislação penal brasileira: a criação do chamado juiz das garantias. O que era para ser uma notícia boa, porém, até hoje não saiu do papel. Pior, jogou luz sobre uma disfuncionalidade, ou abuso, do Poder Judiciário: a possibilidade de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adiem decisões por prazo indeterminado, impedindo a plena entrada em vigor de medidas devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e sancionadas pelo presidente da República. 

A figura do juiz das garantias é exemplo flagrante disso. Sua criação veio em boa hora, inserida pela Câmara na votação do chamado “pacote anticrime”, em 2019. Na linha do que já é realidade em países europeus e latino-americanos, os parlamentares incorporaram ao direito penal brasileiro essa novidade capaz de assegurar maior imparcialidade à Justiça: em vez de um único juiz, como hoje, os processos criminais passariam a ter dois magistrados atuando em etapas distintas. 

O juiz das garantias ficaria encarregado de toda a fase da investigação, sendo o responsável por quebras de sigilo fiscal, bancário e telefônico, decretação de prisão provisória, mandados de busca e apreensão, prorrogação de inquéritos e aceitação, ou não, da denúncia. A partir daí, cessaria a função do juiz das garantias, entrando em cena o segundo juiz, a quem caberia o julgamento dos réus e a sentença. Delitos de menor potencial ofensivo ficariam de fora do novo modelo judicial.

Uma liminar do atual presidente do STF, ministro Luiz Fux, entretanto, suspendeu a vigência da nova medida por tempo indeterminado. A decisão individual de Fux, assinada em 22 de janeiro de 2020, completou dois anos e três meses na sexta-feira passada, o que extrapola qualquer limite razoável. Mais espantoso ainda é que não se sabe quando o caso terá um desfecho, pois a liminar vale até que o plenário do Supremo tome a decisão final. Como presidente do STF, contudo, Fux não incluiu o caso na pauta de julgamentos deste primeiro semestre.

O tema divide opiniões no meio jurídico: enquanto a OAB manifestou-se favoravelmente ao juiz das garantias, associações de magistrados e do Ministério Público são contra. Uma das objeções é referente ao prazo exíguo previsto na medida, de apenas um mês, para a implementação do novo modelo. Outra aponta a necessidade de mais recursos, alegando a inconstitucionalidade da criação de despesas sem previsão orçamentária. Há preocupação também com a situação de 40% das comarcas, que contam com um único juiz. Em maior ou menor grau, são alegações pertinentes, mas todas passíveis de pronta solução.

Há divergências no próprio Supremo: em janeiro de 2020, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu uma liminar adiando por 180 dias a implementação do juiz das garantias. O ministro acatou o argumento quanto à necessidade de maior prazo, mas entendeu que não haveria necessidade de criação de cargos. Na semana seguinte, porém, Fux, então vice-presidente do Supremo e relator da matéria, concedeu liminar por prazo indeterminado em ação movida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.

Sejam quais forem os motivos alegados, não há justificativa aceitável para a demora de Fux em pautar a votação da sua liminar no plenário do STF. O princípio da separação dos Poderes, antídoto para a concentração do poder em uma única autoridade ou órgão público, confere papéis distintos ao Judiciário e ao Legislativo. O que aqui se reivindica não é que o Supremo abra mão de seu papel constitucional de julgar. Pelo contrário. Se o Supremo entender que a nova lei é inconstitucional, que assim seja − e sua decisão deverá ser cumprida. Mas não compete ao Supremo legislar nem impedir que uma norma entre em vigor sem uma justificativa juridicamente sólida. A criação de leis é uma tarefa do Congresso Nacional, cuja atuação não pode ser tolhida indefinidamente por ação ou omissão do STF, muito menos de um único ministro do STF.

Dívida, inflação e estagnação

O Estado de S. Paulo

Quatro em dez pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem usar o dinheiro para limpar o nome

Quatro em dez pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem usar o dinheiro extra para limpar o nome e recuperar o acesso ao crédito, segundo pesquisa do Instituto Opinion Box em parceria com a Serasa Experian. Mais da metade desse grupo – 26% dos pesquisados – deverá liquidar contas de água, luz e gás, itens essenciais ao dia a dia das famílias. Ao decidir medidas desse tipo, facilitando a obtenção de recursos especiais, o objetivo das autoridades é normalmente estimular o consumo e repor em movimento a economia estagnada. Neste caso, o primeiro efeito notável será a reparação parcial dos danos causados aos consumidores, principalmente aos mais pobres, pela combinação do alto desemprego, do aumento de preços e da forte elevação dos juros.

Sem vigor nos últimos dez anos e sem rumo nos últimos três, a economia tem sido incapaz de proporcionar emprego à força de trabalho disponível. Além disso, grande parte da ocupação ocorre na informalidade e com remuneração tão baixa quanto insegura. Mais do que um recurso para elevar o padrão de consumo e a qualidade de vida, endividar-se passou a representar, para milhões de famílias, um meio de sobrevivência.

Em março, 77,5% das famílias consultadas indicaram ter dívidas a vencer, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Foi a maior porcentagem registrada em 12 anos, isto é, desde o início do levantamento. Também foi recorde, para esse período, a parcela das famílias com débitos em atraso (27,8%). As endividadas eram 67,3% um ano antes. As inadimplentes, 24,4%. Também aumentou nesse período – de 10,5% para 10,8% – a fatia daquelas sem condições de pagar os débitos já em atraso.

O endividamento e a inadimplência aumentaram nos dois grandes grupos de renda, até 10 salários mínimos mensais e acima desse nível. No caso das contas em atraso, a expansão, em um ano, foi de 12,2% para 13,2% das famílias com ganho mensal superior a 10 mínimos e de 27,2% para 31,1% daquelas da faixa inferior.

A pesquisa mostra também uma piora da percepção do endividamento. As contas a pagar, dentro ou fora do prazo, pressionam fortemente os orçamentos. Em março, 30% dos ganhos estavam comprometidos com dívidas. Para 20,9% das famílias endividadas, esses compromissos correspondiam a mais de 50% da renda, o maior porcentual desde agosto do ano passado.

Os otimistas podem apostar em melhoras desse quadro, mas hoje há poucos sinais positivos. O Fundo Monetário Internacional aumentou a projeção de crescimento econômico do Brasil em 2022, mas a mudança foi de 0,3%, taxa estimada em janeiro, para 0,8%. Bancos também elevaram suas previsões, mas seis das nove registradas pelo Estadão na quarta-feira são inferiores a 1%. Só duas correspondem a 1% e uma a 1,5%. A taxa oficial de inflação chegou a 11,3% nos 12 meses até março, e qualquer baixa deverá ser muito gradual. Os juros devem continuar em alta, para conter os preços, e também isso dificultará a redução do endividamento e da inadimplência.

Brasil tem enorme potencial para liderar “negócios verdes”

Valor Econômico

O Brasil tem enorme potencial para desempenhar o papel de protagonista no mercado de negócios na área ambiental. O impulso para o desenvolvimento desse mercado está nas políticas públicas, formuladas tanto no âmbito da União, Estados e municípios, que já começam a fomentar a realização de negócios nessa área.

A Lei 14.119, aprovada em 2021, instituiu a Política Nacional do Pagamento por serviços Ambientais (PSA). Por meio dessa legislação, foram criados mecanismos de incentivos e premiações - financeiros e não financeiros - para compensar atividades individuais ou coletivas que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria de serviços voltados para os vários ecossistemas existentes no país.

Em março, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Programa Nacional de Redução de Metano de Resíduos Orgânicos (Metano Zero), arcabouço de incentivos formulados a partir da Lei 14.119. O PSA é instrumento que pode facilitar a implantação, pelo setor privado, da chamada agenda global ESG (sigla em inglês para governança corporativa, social e ambiental).

ESG é um movimento internacional, cuja abordagem é avaliar até que ponto empresas trabalham em prol de objetivos sociais que vão além do objetivo de maximizar lucros para seus acionistas. Trata-se de agenda ampla, que não focaliza somente a inadiável questão ambiental, mas também outro impostergável mazela da maioria das sociedades, a necessidade de redução das desigualdades sociais.

O pano de fundo do PSA e de outras políticas oficiais na área ambiental é a adesão do Brasil ao esforço global celebrado na COP26, ao lado de cerca de uma centena de países, para a redução em 30%, até 2030, das emissões de gás metano. O parâmetro é o volume de emissões feito em 2020. O esforço está em convergência com a necessidade de as economias se desenvolverem de forma sustentável, com base na cooperação internacional de financiamento, incentivos, desoneração, capacitação, desenvolvimento, transferência e difusão de novas tecnologias e de processos.

No Brasil, há enorme espaço para o desenvolvimento de “negócios verdes” a partir de dois vetores: o aproveitamento energético e o uso, como combustível na forma de biogás e biometano, de resíduos ou produtos orgânicos. O destaque está nos resíduos sólidos urbanos e agrícolas, provenientes, por exemplo, de aterros sanitários, da produção de cana-de-açúcar e de atividades como a suinocultura e a avicultura.

Estima-se que o Brasil tem capacidade para aproveitar cerca de 120 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, a partir da exploração de resíduos orgânicos. Trata-se de volume maior que o da produção diária de gás explorada atualmente na camada pré-sal. É, também, é quatro vezes maior que o gás ofertado pelo gasoduto Brasil-Bolívia. Este potencial energético já vem sendo chamado por especialistas de “Pré-Sal Verde”.

No Congresso Nacional, são examinadas outras propostas para estimular negócios na área ambiental. Uma delas cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (PL 2148/15). Outro propõe a certificação de créditos de carbono para empreendimentos de geração de energia por fontes alternativas (PL 290/20). Para dar agilidade à tramitação desses projetos, a Câmara dos Deputados criou comissão especial para examinar o conjunto de proposições voltadas para o fomento ao desenvolvimento do mercado de carbono.

Ainda na linha “Who cares Wins” (ganha quem se importa) outro Programa de PSA recém-lançado pela cidade de São Paulo promove a implementação da Agenda 2030, possibilitando aos cidadãos que conservem ou que venham a recuperar suas propriedades rurais que sejam remunerados pelo Fundo Especial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Fema), que já conta com verba de R$ 2,7 milhões para recompensa das transações.

Nessa mesma linha de atuação, o governo do Estado de São Paulo baixou neste ano decreto que cria o Programa Refloresta-SP. Seu objetivo é fomentar a delimitação, demarcação e recuperação de matas ciliares e de outros tipos de fragmentos florestais no Estado. A expectativa, em São Paulo, é recuperar 1,5 milhão de hectares de vegetação nativa até 2050, com foco em áreas que não são de restauração obrigatória e não se encontram ocupadas por atividades econômicas.

Para além dos efeitos de mitigação das mudanças climáticas, da conservação da biodiversidade, da ampliação da cobertura natural de baixo índice de vegetação nativa e de melhorias na área de recursos hídricos, as iniciativas têm potencial para gerar efeitos positivos no estímulo à bioeconomia, à geração de emprego e renda, ao desenvolvimento econômico e social sustentável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário