sexta-feira, 8 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bancadas do Centrão ganham mais força para as eleições

Valor Econômico

O custo político de governar a República aumentou e ainda pode crescer

Os partidos do Centrão incharam com as trocas de legendas na Câmara permitidas pela janela eleitoral. Por uma série de motivos, entre os quais em primeiro lugar figuram os recursos do fundo eleitoral, um quarto dos deputados mudou de sigla - na grande maioria dos casos, é disso que se trata, da troca de letras. Dos 129 deputados que fizeram isso (o número não está completo), 70 se filiaram às legendas que carregam o presidente Jair Bolsonaro nos ombros rumo a sua tentativa de reeleição: Progressistas (PP), PL e Republicanos. No cômputo geral, a direita e o centro avançaram bastante. A esquerda entrou o ano com 141 deputados e saiu da janela com 118. Nela, apenas o PT ganhou deputados: ficou com 58, tinha 56.

O movimento em direção aos principais partidos fisiológicos foi mais intenso, porque nele aportaram parlamentares do emaranhado de legendas que já gravitavam em torno do governo, de porte pequeno e pulverizados. A proibição das coligações em eleições proporcionais, mais a cláusula de barreira, foram as razões para a debandada, e podem ser também os algozes das legendas remanescentes. Treze dos 23 partidos com representação na Câmara ficaram com uma bancada menor que os 11 deputados que terão de ser eleitos segundo as regras da cláusula de barreira nas eleições de outubro.

No cenário pré-eleitoral, uma das consequências é a de que grupos mais fisiológicos do Congresso têm agora mais chances de aumentar suas bancadas na próxima legislatura e ampliar seu domínio sobre a pauta do Legislativo. Os partidos robustecidos que vão às urnas com Bolsonaro dão mais visibilidade ao presidente em suas campanhas, embora o decisivo, no caso, sejam os palanques estaduais, em que governadores se alinham a um candidato ao Planalto que puxe votos para todos.

Como esses partidos não têm ideologia e se movem em grande parte pela sobrevivência, parte de forças bolsonaristas formarão palanque para Lula no Nordeste, onde o ex-presidente é imbatível. Aconselhado por velhas raposas da política, como Ciro Nogueira (PP) e Valdemar Costa Neto (PL), o suprassumo da “velha política”, Bolsonaro montou apoios fortes em São Paulo, Rio e Minas, o primeiro, segundo e quarto maiores colégios eleitorais do país, e pode se beneficiar da discórdia do PT na Bahia, o terceiro maior.

Ainda que não tenha possibilidades de vencer no Nordeste, Bolsonaro e seus aliados têm candidatos com alguma competitividade em vários Estados da região (como Ceará e Rio Grande do Norte) e buscarão diminuir a diferença imensa de votos nordestinos nos petistas em relação aos governistas.

No cenário pós-eleitoral, as consequências são mais profundas e perigosas. O Centrão vivia disperso até 2015, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deu-lhes uma liderança e os uniu em torno de propósitos - entre eles, obter recursos por meio do orçamento impositivo e apoiar o impeachment de Dilma Rousseff. Os partidos fisiológicos tomaram gosto pela coisa e tornaram obrigatórias não só as emendas individuais, como as de bancada.

Quando o presidente Bolsonaro entregou as chaves do Congresso ao Centrão, os partidos entronizaram líderes do baixo clero, como Arthur Lira (PP), presidente da Câmara e os comandantes do PL e do Republicanos. No acordo para sustentar Bolsonaro surgiram as vergonhosas emendas do relator, ou secretas - envio de recursos para Estados e municípios sem identificação de quem pediu e, muitas vezes, quem recebeu. Líderes destes partidos e até seus parentes de distintos graus foram beneficiados por elas.

As três legendas saíram de 101 deputados para 171 no ano eleitoral e, com diferença qualitativa, isto é, com líderes visíveis e com uma agenda política que dista muito de qualquer coisa parecida com austeridade e probidade na destinação de recursos públicos. Um novo crescimento nas urnas, como vem ocorrendo desde 2014 e que produziu o desastre político da ascensão de Bolsonaro, tornará muito mais difícil a vida do próximo presidente, caso não seja Bolsonaro. Mesmo Lula, com sua habilidade de formação de coalizões - havia mais de uma dezena de partidos na base de Dilma Rousseff - e desprezo pelas consequências desses acordos (petrolão, por exemplo), terá dificuldades de se impor diante do Centrão. O custo político de governar a República aumentou e ainda pode crescer.

A absurda inversão de prioridades entre os deputados

O Globo

A Câmara vive numa realidade paralela. De um lado, o plenário negou a tramitação em regime de urgência a um projeto essencial para as eleições deste ano e para o futuro da democracia no Brasil: o PL das Fake News, que coíbe a desinformação nas redes sociais e estabelece normas de transparência e responsabilidade no meio digital. De outro, a liderança do governo na Casa afirma já ter acordo para votar o projeto estapafúrdio que regulamenta o ensino doméstico, uma das obsessões ideológicas do bolsonarismo. Nada menos prioritário diante da sucessão de escândalos no Ministério da Educação e dos problemas crônicos no ensino agravados por quase dois anos de escolas fechadas na pandemia.

Na mesma quarta-feira em que o pedido de urgência para a votação do PL das Fake News foi derrubado em plenário, o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), confirmou o acordo para votar o projeto que regulamenta no país aquilo que as hostes bolsonaristas preferem chamar pelo nome em inglês: homeschooling. A iniciativa sem cabimento veio à baila num momento em que o MEC se debate sob denúncias de corrupção, tráfico de influência de pastores obscuros na alocação de verbas públicas e compras superfaturadas de ônibus escolares.

O ensino doméstico só serve para satisfazer a militância bolsonarista, para quem as escolas estão tomadas por doutrinadores de esquerda. Nada acrescenta à melhoria da qualidade do ensino. Ao contrário, traz prejuízos inequívocos aos alunos pelo afastamento do convívio social com a diversidade inerente a qualquer ambiente escolar. É verdade que, nos últimos meses, o projeto da Câmara foi suavizado. Exige que as crianças estejam matriculadas em escolas (responsáveis pelas avaliações), que os pais tenham curso superior e que os conteúdos estejam de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas nada disso o torna útil.

A educação vive momento desafiador. Quase dois anos de escolas fechadas e o fracasso do ensino remoto provocaram estragos difíceis de recuperar. Que pode fazer o ensino doméstico para melhorar esse quadro? Nada. As deficiências da educação no país não têm a ver com doutrinação política nas salas de aula, mas com falhas na formação dos professores, precariedade das escolas, falta de acesso à internet etc.

A pressa em votar o projeto do ensino doméstico revela quanto os deputados estão distantes dos problemas reais. Não tiveram a mesma pressa para acelerar a tramitação do PL das Fake News. O regime de urgência era essencial para que as novas regras entrassem em vigor antes das eleições deste ano. Não é difícil imaginar os efeitos desastrosos para o pleito. Desinformação e mentiras inundarão as redes sociais num ambiente sem lei, impondo graves ameaças aos resultados. Na prática, o Legislativo transferiu ao Judiciário o ônus de disciplinar o caos.

Não se pode dizer que o projeto prejudicaria os deputados, já que estendia a imunidade parlamentar aos meios digitais, conferindo-lhes licença para mentir. Nem isso os sensibilizou para acelerar o trâmite. A Câmara adotou o comportamento-padrão: deu as costas às necessidades prementes do país e privilegiou a subserviência ao governo Bolsonaro, bem nutrida por cargos e verbas do orçamento secreto. Prioriza-se o supérfluo e descarta-se o que importa. Aos brasileiros indignados com essa distorção, resta o voto.

Mendonça tem de cumprir prazo legal em pedido de vista na Pauta Verde

O Globo

O conjunto de ações apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os desvarios ambientais do governo Jair Bolsonaro, com sete processos ao todo, enfrentou na quarta-feira o primeiro percalço regimental. O recém-empossado ministro André Mendonça pediu vista de dois dos processos, depois de apreciados pela relatora, ministra Cármen Lúcia (ela acolheu as reclamações de Rede, PDT, PT, PSOL e PCdoB contra a política ambiental bolsonarista). A Amazônia tem pressa, por isso a atitude de Mendonça preocupa.

As duas ações tratam do abandono do plano que conteve o desmatamento entre 2014 e 2018 e do descumprimento das metas de preservação ligadas ao clima. Mendonça justificou o pedido de vista alegando ter sob sua relatoria dois processos sobre o mesmo tema e afirmou desejar analisá-los em conjunto, abordando também a responsabilidade de governos estaduais. Por ter sido da Advocacia-Geral da União (AGU) e ministro da Justiça, é inevitável que o pedido seja interpretado como deferência a Bolsonaro, que tem apoio cativo de madeireiros ilegais, grileiros e garimpeiros, contrários à retomada de políticas anteriores.

Antes de Mendonça, o ministro Nunes Marques, primeira indicação de Bolsonaro ao STF, já segurou ações de interesse do bolsonarismo com pedidos de vista (nos casos da linguagem neutra nas escolas, do julgamento do ex-deputado Roberto Jefferson e do passaporte da vacina para Covid-19).

Um ministro deve julgar de acordo com sua consciência, e o pedido de vista faz parte do trâmite legal. É evidente, contudo, o abuso desse mecanismo por ministros que tentam evitar decisões contrárias a suas opiniões. Há processos engavetados há anos, embora, pelo regimento, a vista deva durar apenas o período correspondente a duas sessões ordinárias da Corte.

Ministros do Supremo têm de agir sem motivação política. Pode levar tempo para alguns se adaptarem à distância dos poderosos que os indicaram, mas o Brasil está cheio de exemplos de quem soube demonstrar independência. O relator do mensalão, Joaquim Barbosa, foi indicado por Lula, e seu trabalho exemplar resultou na condenação de 24 réus, entre eles próceres do PT. Mesmo na Suprema Corte americana, onde os indicados seguem de forma mais clara um perfil político-ideológico, há inúmeros processos em que a tendência dos votos não é previsível.

No Brasil, o presidente indica ministros do Supremo. Mas, uma vez aprovados pelo Senado, eles devem exercer o cargo em nome do Estado, e não do ocupante do poder. É o que se espera de Mendonça. Ele deu um primeiro sinal de independência ontem ao concordar com a essência do voto de Cármen Lúcia na terceira ação da Pauta Verde, em favor do retorno dos representantes da sociedade civil, afastados por Bolsonaro do Conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Antes, garantira que não haveria outro pedido de vista seu no julgamento. Precisa agora cumprir o prazo regimental e devolver o processo quanto antes. A Amazônia e o planeta não têm tempo a perder.

Incertezas paulistas

Folha de S. Paulo

Haddad lidera, mostra Datafolha, mas três nomes podem fazer disputa difícil

A nova pesquisa Datafolha para o governo de São Paulo foi realizada num momento em que o quadro de pré-candidaturas mostra-se menos nebuloso, embora ainda marcado por incertezas de monta.

O avanço da aliança entre o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB) e o ex-presidente Lula (PT) na chapa presidencial, o afastamento de João Doria (PSDB) da disputa estadual e a presença no páreo do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos) são definições importantes.

Sobrevive, porém, a dúvida relevante quanto à permanência da postulação de Márcio França (PSB).

No cenário que inclui os nomes de França e Fernando Haddad (PT), o ex-prefeito lidera com 29% das intenções de voto, seguido pelo ex-governador com 20%. Tarcísio de Freitas surge com 10%, e o agora governador Rodrigo Garcia (PSDB), com 6%.

A indecisão quanto à candidatura de França está ligada, como se sabe, ao acordo eleitoral entre PT e PSB para a corrida pelo Planalto, processo que tem provocado atritos regionais e demandado ajustes, nem sempre bem-sucedidos. As pretensões do ex-vice de Geraldo Alckmin assentam-se em atuação conhecida no estado e em resultados consistentes nas urnas.

Há quem considere no terreno do PT e do PSB que a participação dos dois na campanha poderia, além de ampliar o palaque paulista de Lula, conter o crescimento de Rodrigo ou mesmo o eventual avanço de Tarcísio, que é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e apareceu na sondagem com índice digno de nota.

No cenário em que França é retirado da lista, Haddad continua à frente, com 35%, e Tarcísio e Rodrigo vêm a seguir com 11%, evidenciando-se a divisão dos votos do PSB entre o ex-prefeito e o governador —que tem a seu a favor a máquina estadual, sempre um fator a ser ponderado nas disputas.

No que tange às rejeições, Haddad lidera com 34%, seguido de França, com 20%, e de Rodrigo e Tarcísio, com 17% e 16%.

Entre os entrevistados, 46% dizem que não votariam de jeito nenhum em candidatos indicados por Lula. Por sua vez, o preferido de Bolsonaro seria descartado por 62%. O postulante petista é o mais conhecido dos eleitores, enquanto o governador e o ex-ministro são os mais desconhecidos.

Trata-se, é sempre prudente destacar, de um primeiro retrato da corrida pelo voto paulista, que certamente terá pela frente desdobramentos significativos. Não apenas pelo tempo que nos separa da votação como pelas características peculiares que vão se desenhando no contexto eleitoral mais amplo.

ONGs amigas

Folha de S. Paulo

Contratos do governo Bolsonaro com duas entidades deturpam objetivos da lei

As organizações não governamentais (ONGs) têm sido um dos alvos preferenciais da ofensiva ideológica de Jair Bolsonaro (PL).

Desde antes de assumir a Presidência, o mandatário e seu entorno se dedicam, de maneira obsessiva e generalizante, à tarefa de demonizá-las, questionando os recursos públicos a elas direcionados, apontando supostas falhas de fiscalização e difamando suas ações.

Essa ojeriza, no entanto, opera de forma bastante seletiva —como se sabe agora. No ano passado, o governo federal autorizou o repasse de R$ 6,2 milhões a duas ONGs —uma controlada pelo ex-jogador Emerson Sheik e outra pelo lateral-direito da seleção brasileira Daniel Alves— para a realização de cursos esportivos.

O apoio fornecido a um tipo de entidade tão combatida pelo presidente não é, porém, o que mais chama a atenção no caso.

Conforme reportagem da Folha, as duas instituições tiveram seus projetos aprovados mesmo não apresentando nenhuma experiência prévia na área. Mais grave: a assinatura dos convênios só foi possível porque os atletas se valeram de uma manobra para driblar as exigências legais, recorrendo às chamadas "ONGs de prateleira".

A expressão batiza associações que, apesar de criadas há um tempo considerável, não realizam atividade, servindo, em muitos casos, apenas para satisfazer o prazo de três anos de existência exigido pela lei para a consecução de parcerias com a administração federal.

Ambos os atletas assumiram suas ONGs poucos meses antes de apresentarem as propostas ao governo.

No caso de Sheik, uma entidade fundada há 26 anos e até então sem ação social na área do esporte. Em dezembro, a ONG assinou um convênio para a instalação de três unidades esportivas no estado do Rio por R$ 2,7 milhões.

Já a associação de Alves, que estava inativa havia cinco anos, firmou um contrato de R$ 3,5 milhões para a criação de três núcleos de basquete 3 x 3 na Bahia, em Pernambuco e no Distrito Federal.

As verbas foram alocadas por meio de emendas de dois deputados governistas. Próximo da família Bolsonaro, Sheik desistiu da parceria após ser procurado pela reportagem —Alves também já manifestou simpatia pelo governo.

O Ministério da Cidadania diz que não há ilegalidade nos acordos. Pode até ser. Na prática, porém, os convênios deturpam o sentido da lei e colocam em xeque a impessoalidade imprescindível a qualquer política pública.

Lula em estado bruto

O Estado de S. Paulo

Bem distante da imagem moderada que pretendia vender ao eleitorado, Lula, o verdadeiro, aposta no rancor e na divisão da sociedade, exatamente como faz Bolsonaro

As recentes declarações de Luiz Inácio Lula da Silva expõem as falhas insanáveis do discurso de moderação que o petista pretendia emplacar nas eleições deste ano. Lula se apresenta como o único em condições de liderar uma frente ampla em defesa da democracia e, portanto, seria a única opção contra o autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro. O convite ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para ser vice em sua chapa seria a prova de sua definitiva conversão ao centro democrático. Mas o Lula “moderado” desaparece quando ele está em ambientes exclusivamente petistas, onde não precisa enganar ninguém. Ali, Lula surge em estado bruto.

Na Fundação Perseu Abramo, instituto de estudos criado pelo PT, Lula se sentiu à vontade para atacar seu alvo favorito: a classe média. Segundo o petista, a classe média brasileira “ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. E continuou: “Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui na América Latina, a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.

O ódio petista à classe média é velho conhecido. Foi enunciado com todas as letras por uma das intelectuais petistas mais representativas, a filósofa Marilena Chauí, em inesquecível discurso num evento do partido em 2013: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez; é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (...) A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.

É evidente que os petistas de classe média – e eles existem aos montes, como é o caso da própria Chauí – não se consideram nada disso. Talvez se envergonhem dos bens e do patrimônio de que dispõem, talvez sejam apenas cínicos, mas o fato é que, para a turma que urra quando Chauí e Lula atacam a classe média, os odiados “burgueses” são sempre os outros. 

Mas Lula agora foi além: pretende dizer como devem viver os cidadãos de classe média que pagam impostos e ganham dinheiro com o suor do rosto. Em seu marxismo de botequim, o líder petista, ora vejam, acha que a classe média não pode ter um padrão de vida acima do que ele considera “necessário”.

Em outro evento, na CUT, Lula fez pior. Disse que de nada adianta realizar protestos em frente ao Congresso, porque isso não comove os políticos. Para o petista, o ideal é que os militantes perturbem os parlamentares em suas residências, bem como suas famílias. “Deputado tem casa. Eles moram em uma cidade, nessa cidade tem sindicalista. (...) Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas até a casa dele, não é para xingar, mas para conversar com ele, conversar com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Eu acho que surte muito mais efeito.” Muito democrático.

Não se sabe exatamente qual é a estratégia de Lula por trás desse discurso autoritário, mas isso pouco importa. O que interessa é que fique muito claro para os eleitores que Lula não é tão diferente de Bolsonaro como pretende fazer crer. Assim como o presidente, Lula aposta no rancor e na divisão da sociedade para eletrizar seus devotos. Ambos querem resumir a eleição a um confronto do “bem” contra o “mal”.

A pacificação do País obviamente passa por dar fim a essa polarização agressiva que não resolveu nem resolverá nenhum dos problemas crônicos da sociedade brasileira, como um desemprego resistente de dois dígitos, a inflação alta, a volta da fome e a ausência de soluções para a deficiente oferta de serviços de educação e saúde pelo Estado.

Nesse sentido, é muito bem-vinda a sinalização de uma união de partidos de centro em torno de uma só candidatura ao Palácio do Planalto. Independentemente da escolha final desse grupo, trata-se por enquanto da melhor resposta a esse embate apocalíptico que Lula e Bolsonaro tentam fazer parecer inevitável.

É preciso amadurecer o PL das Fake News

O Estado de S. Paulo

Ao recusar urgência, a Câmara dá o tempo necessário para debater em profundidade um projeto tão ambicioso e relevante para combater a desinformação nas redes

A Câmara rejeitou o requerimento de urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) das Fake News. Claramente, ao contrário do que alegou a presidência da Casa, ele não estava “maduro”.

A importância e a amplitude das redes digitais cresceram exponencialmente com a pandemia, e 2022 será um ano de intensa deliberação nos Parlamentos e agências reguladoras do mundo sobre temas como concentração econômica e competição, privacidade de dados ou os impactos sobre o processo democrático.

A União Europeia, por exemplo, acaba de aprovar o Digital Markets Act, com o objetivo de impedir que grandes empresas abusem de seu poder de mercado e sufoquem competidores. As deliberações estão avançadas para um quadro legal sobre conteúdos ilícitos, publicidade transparente e desinformação (Digital Services Act).

O escopo do projeto brasileiro vai além das fake news. Denominada “Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, ela aborda questões como o status jurídico das redes sociais, veiculação de conteúdo jornalístico, publicidade digital, compartilhamento de dados ou moderação de conteúdos.

Aprovado em 2020 em um processo opaco e açodado no Senado, o texto já foi bastante lapidado. Imprecisões elementares e regras incompatíveis com as melhores práticas internacionais foram corrigidas. Há conceitos engenhosos, aptos a garantir, a um tempo, a autonomia das redes em relação às regras de moderação e a sua neutralidade em relação aos usuários, como o de “autorregulação (das redes) regulada (por um Comitê Gestor)”. E há dispositivos necessários, como o que obriga as redes a terem representação no Brasil ou a remunerar conteúdos jornalísticos. Mas restam pontos controvertidos.

Por exemplo, o texto equipara redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagem a mídias como jornais e TVs. A questão é pertinente no caso das redes, que, em tese, só veiculam conteúdos de terceiros, mas, na prática, realizam frequentemente seleções assimiláveis a um trabalho editorial. Mas no caso dos motores de busca e aplicativos de mensagem não faz sentido.

O texto também obriga as redes a divulgar critérios, códigos e estratégias de direcionamento de conteúdo publicitário ou de identificação automatizada de conteúdos ilícitos, o que poderia obrigá-las a compartilhar segredos do negócio a concorrentes, no primeiro caso, e a criminosos, no segundo.

Mas o maior risco são as manobras para garantir blindagem aos políticos. O projeto prevê uma ampliação da imunidade parlamentar que na prática obliteraria a prerrogativa das plataformas de remover conteúdos fraudulentos ou discurso de ódio. Isso criaria duas categorias de usuários: os sujeitos à regulação dos conteúdos e os privilegiados imunes à lei.

A justificativa para o regime de urgência não era de todo descabida, em vista das eleições em outubro. Mas, se não há consenso, não há consenso. E esse consenso não será alcançado atropelando as comissões e outros procedimentos parlamentares projetados justamente para construí-lo. É bem verdade que o interesse das bases bolsonaristas que votaram contra a urgência é manter o ambiente digital o mais anárquico possível. Mas, ainda que pelas razões erradas, seu voto pesou para o desfecho certo.

O País, contudo, não está desamparado. O Tribunal Superior Eleitoral vem consolidando a jurisprudência sobre a desinformação e está mobilizando uma estreita cooperação com as plataformas. Mais importante, o Brasil tem o Marco Civil da Internet, que, além de oferecer um arcabouço legal equilibrado, resultou de amplo debate na sociedade civil e no Parlamento, servindo de modelo para a construção de um projeto tão ambicioso quanto o PL das Fake News.

Dada a importância da regulamentação da rede digital, a decisão de rejeitar o regime de urgência a um projeto que ainda não alcançou o consenso é acertada. De qualquer forma, enquanto se discute esse fundamental marco legal, cabe ao Judiciário atuar de forma célere e firme para punir os delinquentes digitais na eleição.

No caso dos Correios, o padrão do governo

O Estado de S. Paulo

Sem liderança e sem interesse do governo, projeto de privatização está parado; é mais uma promessa que não sai do papel

A tramitação do projeto de lei de privatização dos Correios, atualmente no Senado, é um retrato perfeito do descompasso entre discurso e ação do governo do presidente Jair Bolsonaro e, em especial, de sua incompetência em praticamente todas as frentes em que precisa atuar. A aprovação do projeto já foi tema urgente; hoje, é assunto praticamente esquecido. Nessa e em outras questões que demandam decisões e trabalho do governo, faltam estudos adequados, falta empenho do presidente – que, quando deputado federal por 27 anos, sempre se mostrou contrário à venda de estatais –, falta articulação política quando esta é indispensável. Nada disso surpreende, pois este é o padrão do governo Bolsonaro – o que ocorre com a privatização dos Correios já foi ou está sendo visto em outras áreas de atuação do governo federal.

A privatização da estatal era tratada pelo governo como símbolo, pois seria a primeira de uma série de ações com as quais, desde a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro e sua equipe diziam ser possível arrecadar até R$ 1 trilhão. Era dinheiro para resolver definitivamente a crise fiscal. A venda de estatais era a face mais brilhante do que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia ser seu plano de governo. Houve quem acreditasse. Em três anos e três meses, no entanto, a atual gestão criou duas estatais e, até agora, só conseguiu transferir uma (a Companhia Docas do Espírito Santo) para o controle privado.

O projeto de privatização dos Correios foi aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados. Parecia que avançaria com rapidez também no Senado, abrindo caminho legal para a venda da empresa para o setor privado. Mas a desarticulação do governo na defesa de projetos de seu interesse no Congresso – dominado pelo Centrão, com a concordância submissa do Executivo – resultou na paralisação do processo no Senado.

Desde dezembro, quando Fernando Bezerra Coelho (MDP-PE) deixou o cargo por ter perdido a eleição para a indicação do Senado ao Tribunal de Contas da União, o governo estava sem líder no Senado. O relator indicado para o projeto dos Correios, Márcio Bittar (União Brasil-AC), chegou a apresentar um relatório pela aprovação do texto anteriormente votado pela Câmara. Enfrentou resistências. Para superá-las, alterou o relatório, mas nem assim conseguiu que o texto fosse votado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Isolado, devolveu a relatoria e até agora o presidente da CAE, Otto Alencar (PSD-BA), não escolheu o substituto.

Os prazos previstos pelo governo estão sendo vencidos. Depois da aprovação do projeto pela Câmara, previa-se a aprovação pelo Senado no início de setembro do ano passado. Se isso tivesse ocorrido, o leilão de privatização poderia ser realizado até este mês. Sete meses depois, nada avançou no Senado. Se houver andamento rápido a partir de agora, é possível que haja tempo para a realização do leilão no segundo semestre. Mas haverá condições políticas para isso no período que será fortemente marcado pela campanha eleitoral? 

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