quarta-feira, 6 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Vitória de Orbán na Hungria amplia recuo democrático

O Globo

Não há melhor exemplo de como é possível corroer a democracia mantendo aparências democráticas do que a Hungria. Depois de aparelhar o Judiciário, manietar a imprensa, expulsar o pensamento acadêmico independente, reescrever a história da colaboração de seu país com o nazismo, fechar as portas à imigração, adotar políticas contra a comunidade LGBT+ e usar o Estado em benefício de seu próprio partido, o primeiro-ministro Viktor Orbán foi reeleito no último fim de semana para o quarto mandato sem que ninguém possa contestar a legitimidade do resultado.

O recuo da democracia na Hungria é consenso nas principais avaliações independentes. Para a Freedom House, é o único país da União Europeia “parcialmente livre”. Para o Instituto V-Dem, é uma “autocracia eleitoral”, classificado como segundo maior recuo democrático no mundo entre 2010 e 2020, atrás apenas da vizinha Polônia. Orbán é o responsável: levou ao estado da arte a capacidade de ocupar as instituições de modo a assegurar a permanência no poder dele e de suas ideias conservadoras. Por isso se tornou um modelo para os candidatos a autocratas de extrema direita no mundo todo, do americano Donald Trump ao brasileiro Jair Bolsonaro (que o chamou de “nosso pequeno grande irmão”).

Nas urnas, nem a união de toda a oposição foi capaz de bater Orbán. Graças às inúmeras distorções que introduziu no sistema eleitoral, conquistou, com 53% dos votos, 135 das 199 cadeiras no Parlamento. A ausência de fraude aparente lhe rendeu um atestado de bom comportamento da missão de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), ainda que as regras torcidas a seu favor tenham sido criticadas. A maioria superior a dois terços lhe assegura a oportunidade de continuar alterando a Constituição a seu bel-prazer.

O exemplo da Hungria é, ao mesmo tempo, iluminador e aterrador. Orbán começou a “roubar” a eleição do domingo há 12 anos, quando chegou ao poder e deu início à ocupação do Estado mudando a lei do serviço público, sob o pretexto de “limpá-lo” da esquerda. Em pouco tempo, fiéis correligionários do Fidesz, seu partido, estavam por toda parte, especialmente no Judiciário. A imprensa estatal passou a ser usada para enaltecer o governo e criticar a oposição. Os veículos independentes foram caindo um a um nas mãos de oligarcas ligados a Orbán.

Repetidas modificações nas leis eleitorais beneficiaram o Fidesz. Todo o Estado é hoje usado em benefício do partido. Um exemplo surreal aconteceu em janeiro: quem informou o endereço eletrônico na vacinação contra Covid-19 começou a receber mensagens com fake news contra a oposição. Na Hungria de Orbán, parece não haver limites para o arbítrio.

A vitória lhe dá mais força para resistir à tentativa de punir a Hungria por violações evidentes às cláusulas democráticas da União Europeia. E ele continuará a inspirar líderes que têm promovido a involução das instituições e o retrocesso da democracia no planeta. Não é boa notícia para o mundo.

É preciso tolerância zero com os trotes violentos em universidades

O Globo

Entrar para uma universidade é motivo de celebração, pelo esforço envolvido, pelas perspectivas de carreira e renda e pelo exemplo que representa num país em que apenas 17,4% da população com mais de 25 anos tem ensino superior completo. Definitivamente, contudo, nada há de celebração na atitude dos veteranos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Palotina, oeste do estado, que impuseram aos calouros um trote violento, criminoso e inaceitável.

De acordo com a polícia, veteranos do curso de medicina veterinária jogaram nos calouros um produto não identificado, armazenado em garrafas de desinfetante. Cerca de 20 estudantes sofreram queimaduras de primeiro e segundo graus e tiveram de ser hospitalizados. Foi o auge de uma sessão de humilhação e tortura que começou com ordens para que pedissem dinheiro nas ruas da cidade. Depois foram levados a um terreno baldio onde tiveram de se ajoelhar. Para culminar, o produto foi jogado sobre seus corpos.

Consumado o trote violento, as instituições agiram corretamente. Quatro veteranos suspeitos de ser os responsáveis pela agressão foram presos. Acabaram liberados com tornozeleira eletrônica após pagar fiança de R$ 10 mil. Responderão por lesão corporal e constrangimento aos calouros. O reitor da universidade, Ricardo Marcelo da Fonseca, afirmou que a instituição não tolera qualquer violência, informou que os feridos estão recebendo acompanhamento psicológico e disse que avaliará a expulsão dos agressores.

Prestar apoio às vítimas e punir os responsáveis são medidas óbvias, mas não encerram a questão. Infelizmente, ainda que muitas universidades repudiem essas atitudes inadmissíveis — a ponto de a lei proibir trotes violentos em estados como São Paulo —, a prática continua a fazer vítimas. Já houve até mortes, como a do calouro de medicina da USP Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos, afogado numa piscina durante evento com consumo elevado de álcool promovido pelos veteranos em 1999. Estudantes, mesmo os que não sabiam nadar, como Edison, foram coagidos a entrar n’água ou empurrados para a piscina, que era profunda. Os que tentavam sair eram impedidos. Quatro estudantes foram acusados de homicídio qualificado. Todos acabaram absolvidos e se tornaram médicos. Um ano após a morte, a USP proibiu trotes e criou um Disque-Trote.

É inacreditável que trotes violentos sobrevivam nos tempos atuais. O que humilhação, constrangimento e violência têm a ver com o acesso à universidade? Nada mais anacrônico que cenas de calouros com os corpos pintados pedindo dinheiro em sinais de trânsito. Não tem graça, só humilhação. Se os próprios estudantes não demonstram consciência, é preciso que as universidades impeçam esse absurdo, decretando tolerância zero com trotes constrangedores ou violentos. Alunos que participam de atos como o da UFPR não podem permanecer na faculdade, ainda mais num curso de medicina. Devem ser submetidos ao rigor da lei. É a melhor forma de ensiná-los.

Acefalia estatal

Folha de S. Paulo

Trapalhada na troca de comando causa novo prejuízo à reputação da Petrobras

Com seu intervencionismo trapalhão, Jair Bolsonaro (PL) colocou novamente a Petrobras em situação de incerteza. Prejudica-se por nada o longo e penoso processo de recuperação da credibilidade da maior empresa do país.

A ideia fixa de mexer no preço dos combustíveis acompanha o governo desde o início, mas foi reforçada com a proximidade das eleições. A alta acelerada das cotações de gasolina, diesel e gás de cozinha que decorre do mercado internacional é um fator de risco para a popularidade presidencial.

Daí o novo arroubo —que levou à segunda troca no comando da gigante estatal em pouco mais de um ano. Desta vez, o processo de escolha de um sucessor foi mais irresponsável e apressado.

Pouco mais de uma semana depois da humilhação a que foi submetido o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que vinha fazendo um trabalho correto na empresa, ainda não se sabe quem ocupará a presidência nem quem dirigirá o conselho de administração.

Os dois nomes aventados pelo governo para os cargos —Adriano Pires e Rodolfo Landim, respectivamente— suscitaram objeções de órgãos de controle e dentro da própria estatal por risco de conflito de interesse e histórico controverso de atuação do setor.

Percebendo o risco de derrota na assembleia de acionistas, ambos desistiram da empreitada —e até agora não há um plano de sucessão que atenda às exigências de qualificação da Lei das Estatais.

O episódio é mais uma demonstração de que Bolsonaro, o núcleo político do Planalto e lideranças do Congresso como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda não aceitam o fato de que a Petrobras não pode ser usada para controlar artificialmente os preços dos combustíveis.

O estatuto da empresa impõe critérios de mercado, embora reconheça que a União poderá demandar certas ações entendidas como de interesse público. Nesse caso, porém, deve haver lei específica aprovada e discriminação clara de custos, que devem ser reembolsados pelo Tesouro Nacional.

Qualquer curso diferente traria o risco de judicialização por parte de acionistas privados, que detêm 64% do capital da empresa.

Em outras palavras, se o governo quiser controlar preços, precisará alocar recursos para isso, o que não é trivial com um Orçamento já deficitário. Um subsídio amplo e geral, além de sem sentido, teria custo proibitivo.

Quanto à estatal, o melhor é manter uma gestão aderente às boas práticas mundiais, de modo a viabilizar dividendos para o Tesouro Nacional. Enquanto isso, deve continuar a ser reforçada a competição no setor de óleo e gás.

Mitos tributários

Folha de S. Paulo

Carga é de fato elevada, mas recorde não significa dinheiro sobrando no governo

Paga-se muito imposto no Brasil, o que é um fato sabido, e dados recém-divulgados indicam que nunca se pagou tanto quanto no ano passado. Leituras precipitadas ou oportunistas dos números, no entanto, tendem a produzir decisões desastradas como as que já ensaia o governo Jair Bolsonaro (PL).

Segundo cálculo do Tesouro Nacional, a carga tributária —correspondente à arrecadação de União, estados e municípios como proporção da renda nacional— chegou a 33,9% do Produto Interno Bruto, um patamar sem dúvida elevado para um país emergente.

Percentuais mais altos, chegando a rondar os 45% do PIB, praticamente só são encontrados em países europeus mais ricos e de histórico social-democrata, como França, Suécia e Itália. A carga brasileira supera a de potências econômicas como Estados Unidos e Japão.

Isso dito, cumpre qualificar o recorde do ano passado —uma alta de mais de 2 pontos percentuais sobre os 31,77% de 2020.

Esse aumento não se deveu a alguma ofensiva do governo em busca de receita, à criação de tributos nem a aumento de alíquotas. Trata-se, principalmente, de um efeito da retomada de atividades após o pior momento da pandemia.

Em recuperações assim, não é incomum que a arrecadação cresça por algum tempo em ritmo superior ao do PIB. Nesse caso, partiu-se de uma base muito deprimida: a carga de 2020 foi a mais baixa medida desde 2010, quando começa a série estatística do Tesouro.

Com outras fontes, nota-se que o indicador tem variado pouco desde meados da década de 2000, após forte elevação no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

É no mínimo precipitado, pois, concluir que a arrecadação vá subir continuamente —e, pior ainda, imaginar que haja dinheiro sobrando no governo. Conceder generosos benefícios tributários a esta altura, como se começa a fazer com o IPI, vai elevar um déficit orçamentário já excessivo.

Sem um controle da despesa e da dívida pública, a margem para cortar a carga tributária é estreita. Pode-se, sim, melhorar sua distribuição, reduzindo o peso dos impostos sobre o consumo e ampliando o da taxação direta da renda.

Essa reforma deve privilegiar normas estáveis e compreensíveis a todos, em vez de benesses distribuídas a setores escolhidos a dedo pelas autoridades de turno.

É para isso que serve a Lei das Estatais

O Estado de S. Paulo

Não é preciso ser arcebispo para ser presidente da Petrobras, como sugeriu Lira; basta cumprir as exigênciaslegais e passar no teste de governança da empresa

A despeito do caos que o bolsonarismo impõe ao País desde o início de seu mandato, a resiliência do arcabouço legal e das instituições tem sido um freio aos desmandos do presidente da República. O anúncio da desistência de Adriano Pires, indicado ao comando da Petrobras com as bênçãos de Bolsonaro e do Centrão, é prova disso. Depois de mais de 20 anos à frente de uma consultoria que atua a favor de petroleiras e empresas de gás, muitas delas com interesses diametralmente opostos aos da companhia, o economista não seria capaz de cumprir os requisitos da Lei das Estatais e de passar pelo teste de governança da corporação. “Ficou claro para mim que não poderia conciliar meu trabalho de consultor com o exercício da presidência da Petrobras”, disse, na carta enviada ao governo em que admitiu o óbvio.

Não é a primeira vez que Pires abre mão de um cargo público pela mesma razão. Em 2018, ele havia sido indicado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão que auxilia na formulação de diretrizes e políticas públicas para o setor. À época, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) já havia apontado vícios na indicação do consultor e, na semana passada, voltou a destacá-los, haja vista que ele continuava à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) como sócio-diretor. Resolver esse conflito era simples: bastaria que se afastasse da consultoria. Poderia, inclusive, voltar para a empresa em algum momento, desde que cumprisse quarentena de seis meses após deixar a Petrobras.

Há que ressaltar que Adriano Pires não cometeu nenhum crime. Atuar como lobista na defesa de empresas do setor de óleo e gás não é ilegal. A questão é que ele simplesmente não pode manter vínculo direto – ou por meio de familiares – na direção da consultoria que fundou em paralelo à presidência da Petrobras. O economista, portanto, não caiu: fez uma escolha consciente por manter seus negócios em detrimento do comando da estatal.

Nada disso, porém, seria obstáculo neste governo, que passou o dia tentando reverter sua renúncia e confundir a opinião pública. O triunfo de Bolsonaro passa por normalizar o absurdo e há que reconhecer que ele tem sido bem-sucedido em muitos campos. Para isso, conta com aliados de peso. Um dos fiadores de Pires, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), classificou o episódio como “falso moralismo”. “Quer dizer: você tem que pegar um funcionário público para ser diretor da Petrobras? Ou pegar um arcebispo para ser diretor da Petrobras?”, ironizou.

Ao contrário do que Lira disse, porém, não é preciso ser um servidor público ou um clérigo para assumir uma empresa pública. É só cumprir os critérios da Lei das Estatais, em vigor desde 2016, assim como as regras de governança interna da Petrobras. Resumidamente, elas passam por comprovar experiência de dez anos na área, quatro anos em cargo de direção no governo ou em estatais e até mesmo ser docente ou pesquisador no setor de atuação da companhia. Todos os que ocuparam a presidência da Petrobras – o atual CEO, general Joaquim Silva e Luna, e seus antecessores Roberto Castello Branco, Ivan Monteiro e Pedro Parente – tiveram aval para a função.

Um dos principais legados da Lei das Estatais é proibir que parlamentares e dirigentes de partidos ou organizações sindicais possam assumir cargos no Conselho de Administração e diretoria das companhias, algo que era praxe em governos anteriores – e que, no caso da Petrobras, foi crucial para engendrar o escândalo do petrolão. É justamente por isso que essa legislação é alvo do Centrão, interessadíssimo em voltar a ter influência na Petrobrás, como nos tempos do PT. Portanto, o caso de Adriano Pires é só o pretexto mais recente para atacá-la. Esse marco legal ajudou a moralizar as empresas públicas, profissionalizar sua gestão e impor a elas níveis de governança comparáveis aos do setor privado. Fica claro, portanto, que a Lei das Estatais, longe de ser problema, é uma solução que vai ao encontro do interesse público.

Bandeiras do retrocesso

O Estado de S. Paulo

A título de melhorar o ambiente de negócios, empresários defendem a volta da CPMF, uma aberração, e o enfraquecimento das agências reguladoras

Retrocesso é uma palavra fraca, e até gentil, para resumir as propostas de líderes empresariais empenhados em recriar uma aberração, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e em fortalecer o arbítrio político sobre setores hoje disciplinados por agências reguladoras. Se tiverem sucesso, atenderão à fome pantagruélica do Centrão e ao intervencionismo do presidente Jair Bolsonaro. Reunidas no Instituto Unidos Brasil, cerca de 60 empresas devem apresentar ao Congresso três propostas desenhadas, segundo fontes citadas pelo Estadão, para “melhorar o ambiente de negócios”.

A recriação da CPMF, com outro nome e com uma alíquota próxima de 0,1%, é apresentada como forma de compensar a desoneração da folha de salários. Propor a compensação é um cuidado elogiável, mas a solução é muito ruim. Além de ser cumulativa, a CPMF é um tributo muito peculiar, estranho aos padrões seguidos, modernamente, no mundo civilizado. Não incide especificamente sobre a produção e a comercialização de bens e serviços, nem sobre operações financeiras, nem sobre rendimentos (salários, lucros, juros ou aluguéis). Incide sobre a mera movimentação de dinheiro.

Quando uma pessoa compra um quilo de batatas ou uma garrafa de cerveja, num supermercado, paga o ICMS, um tributo estadual, pelo ato da compra. Outros impostos podem ter sido cobrados em outras etapas, incidindo, por exemplo, sobre a produção industrial. Mas um tributo como a CPMF incide sobre o ato de pagar.

O contribuinte, nesse caso, paga um imposto pela compra, um elo da circulação da mercadoria, e em seguida tem de pagar um tributo sobre o ato do pagamento, isto é, sobre a mera liquidação de um negócio já tributado. O ICMS, é importante lembrar, já estará incluído na base de cálculo da CPMF. Se essa pessoa, no dia seguinte, enviar um dinheirinho à mãe, para ajudá-la a sobreviver em algum lugar longínquo, pagará o imposto sobre o valor remetido. Não há diferença entre essa remessa e a revenda, com lucro, de um lote de ações numa bolsa de valores.

Assim era cobrada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, extinta em 2007. Petistas tentaram ressuscitá-la, assim como o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, mas nunca houve, até agora, suficiente apoio político ou técnico a esse tipo de iniciativa. Empresários tentarão mudar esse jogo, para compensar de forma aberrante uma possível desoneração da folha de salários. Mas a mera desoneração é um objetivo limitado. Pode-se alcançar muito mais com uma reforma ampla do sistema tributário. Com uma reforma bem desenhada, o sistema pode tornar-se mais funcional e mais equitativo, tornando o País mais eficiente, mais competitivo e socialmente mais justo.

Empresários interessados nesses objetivos deveriam, em primeiro lugar, conhecer e discutir propostas interessantes e tecnicamente bem fundadas – nenhuma delas proveniente do Executivo – já em andamento no Congresso e formuladas, pelo menos em parte, por gente especializada.

Se esses empresários, no entanto, estivessem realmente voltados para a modernização do Brasil, nunca tentariam enfraquecer as agências reguladoras. Ao sustentar essa bandeira, favorecem uma perigosa iniciativa do presidente Jair Bolsonaro, empenhado em transferir funções das agências para conselhos ministeriais, sujeitos a interferências políticas e a barganhas entre o Executivo e grupos parlamentares.

Além disso, esses empresários pensariam muito mais antes de propor qualquer emenda para limitar um suposto “ativismo judicial” em nome da preservação de medidas provisórias sobre liberdade econômica. A construção e a preservação de um saudável ambiente de negócios dependem de muitos fatores, como a solidez das instituições democráticas, a segurança jurídica, o funcionamento de um mercado sujeito a normas civilizadas, a adoção de impostos funcionais e equitativos e a contenção de impulsos autocráticos de qualquer mandatário. Não se alcançará nenhuma dessas condições apoiando o intervencionismo bolsonariano, tão aberrante numa democracia quanto a CPMF num sistema tributário moderno.

Carga tributária não para de subir

O Estado de S. Paulo

Valor recolhido pelos contribuintes é proporcionalmente o maior em muitos anos

Ninguém aguenta mais essa carga tributária “enorme e escorchante”, dizia há pouco mais de um ano o presidente Jair Bolsonaro, referindo-se a um dos maiores pesos que a economia tem de suportar para sustentar um setor público ineficiente e caro demais. O que diria agora, depois que um relatório do próprio governo mostrou que a carga tributária aumentou de 31,77% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 para 33,90% no ano passado? Com esse aumento de 2,13 pontos porcentuais, a carga tributária de 2021 é a maior dos últimos 12 anos.

Após criticar a carga tributária no início do ano passado, Bolsonaro garantiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscava uma reforma tributária “para buscarmos uma solução para isso”. Meses depois, voltaria a criticar a carga tributária, “enorme”, e a insistir na necessidade de reformas. Retomava um tema que agitava desde a campanha eleitoral. Medidas pontuais foram anunciadas, mas elas não alteram a estrutura tributária que produz essa carga tributária realmente excessiva.

Queda no peso dos tributos sobre a economia foi registrada em 2020 excepcionalmente, interrompendo uma sequência de alta que se observava desde 2014. Mas 2020 foi um ano excepcional, por causa da pandemia. À paralisação de diversos segmentos da economia, governos de vários países responderam com medidas de apoio às empresas. Entre as medidas, além da ampliação da oferta de crédito, estava o adiamento do recolhimento de tributos. A drástica redução da atividade, de sua parte, também fez cair a arrecadação.

São esses os principais fatores que explicam a redução da carga tributária em 2020. Não houve uma decisão deliberada do governo nesse sentido. A alta no ano passado, de sua parte, se explica pela retomada da atividade econômica depois da queda brutal em 2020 e pelo recolhimento de tributos adiados no exercício anterior. Também neste caso pouco se pode dizer de ação deliberada do governo.

O relatório do Tesouro Nacional com a estimativa da carga tributária bruta envolvendo os três níveis de governo mostra que, no Brasil, esse peso é, historicamente, maior do que a carga média da América Latina, que passou de 20,95% do PIB da região em 2010 para 22,95% em 2019.

Mostra também que o peso dos tributos no Brasil é equivalente ao da média dos países associados à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A OCDE é formada pelos países mais desenvolvidos do mundo, nos quais à carga tributária mais alta correspondem serviços públicos melhores. No Brasil, a má qualidade desses serviços foi acentuada pelo descaso do governo Bolsonaro com setores essenciais como saúde e educação, bem como seu desprezo pela preservação do meio ambiente.

A arrecadação em alta criou uma folga financeira para o governo, que até reduziu alguns tributos, mas não se preparou para os desafios que a situação fiscal continua a apresentar. O equilíbrio das contas públicas não está assegurado. O avanço do Centrão sobre o Orçamento é outra ameaça ao equilíbrio fiscal, qualquer que seja a carga tributária.

Bolsonaro desestabiliza o comando da Petrobras

Valor Econômico

A ascensão e queda de Landim e Pires denota que as escolhas foram apressadas e levianas

Toda vez que o presidente Jair Bolsonaro quis intervir na Petrobras ou não conseguiu o que queria ou criou uma enorme confusão, como agora. O motivo das interferências desastradas sempre foi o mesmo, a política de preços da companhia. O presidente derrubou Joaquim Silva e Luna do comando da estatal e agiu em dupla frente, ao apostar no empresário Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, para dirigir o Conselho de Administração, e no consultor e lobista Adriano Pires para o lugar de Silva e Luna. Ambos têm conflitos de interesses para assumir os postos para os quais foram indicados e desistiram antes de assumir.

O motivo principal de Bolsonaro é sua busca pela reeleição. Uma pesquisa do Data folha divulgada em 28 de março revelou que 68% dos entrevistados atribuíam a responsabilidade pelos mega-reajustes dos combustíveis ao presidente da República. O presidente reagiu à sua maneira: de improviso, sem medir consequências e sem responsabilidade. A ascensão e queda de Landim e Pires denota que as escolhas foram apressadas e levianas, sem qualquer avaliação sobre a adequação dos nomes às funções de ponta que exerceriam em uma das maiores empresas do país.

Escorado pelo Centrão, a bagunça criada por Bolsonaro desta vez foi maior. Nos casos anteriores, Bolsonaro conseguiu decapitar os presidentes da Petrobras, sem que a política de preços da estatal mudasse. Agora ele conseguiu fazer com que o Congresso alterasse o ICMS dos combustíveis, com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o Senado aprovasse outro projeto que muda a política de preços, mas não no sentido que o governo gostaria, e indicou duas pessoas que não se sabe o que fariam no caso dos preços em particular.

Foi o que os indicados poderiam fazer em outros assuntos de interesse da Petrobras que levantaram as suspeitas de que eram inadequados para o caso. Os órgãos da estatal encarregados do assunto provavelmente vetariam ambos. Landim foi denunciado pelo Ministério Público por suposta gestão fraudulenta que teria causado prejuízos aos fundos de pensão dos funcionários da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Outro de seus enroscos judiciais o liga a Carlos Suarez, ex-sócio da OAS, que tem uma teia de negócios no setor de energia, óleo e gás. Na Operação Greenfield, o MP apontou que a Termogás, de Suarez, tentava dissimular repasse de recursos usando contas de terceiros, inclusive a de Landim.

Adriano Pires, como consultor, foi na contramão de seus pares ao defender a construção de termelétricas (outro dos negócios de Suarez) em locais distantes de centros consumidores para os quais não há gasodutos disponíveis. No projeto de capitalização da Eletrobras, um dos muitos jabutis que foram aprovados, estabelece a obrigatoriedade de construção de termelétricas que garantam 8 MW de fornecimento, item incluído na MP pelo deputado Elmar Nascimento.

Objetivamente também beneficiariam Suarez a aprovação das recorrentes propostas de criação de uma Brasduto, rede de dutos que levaria gás a locais ainda não servidos como, por exemplo, aqueles onde serão construídas as novas térmicas objetos da lei de capitalização da Eletrobras. O duplo movimento é um negócio da China: obriga a construção de termelétricas, garante a compra de sua energia e subsidia a construção da rede de gás para fazê-las funcionar.

No começo, a Brastubo, aprovada pelo Congresso, seria financiada com recursos do Fundo Social, mas ela foi vetada em setembro de 2020 pelo presidente Bolsonaro, na MP que visava resolver a questão do risco hidrológico. A ameaça da rede rondou também o projeto da nova lei do gás e agora deve reaparecer no projeto de modernização do setor elétrico (PL 414). Desta vez, ela seria bancada totalmente pela PPSA, que comercializa o petróleo da União obtido no regime de partilha. Como é ano eleitoral, e o Centrão é favorável, há boas chances de nova vitória do lobby.

A atuação do presidente, que não sabe o que quer, desestabiliza executivos que cumprem as regras da estatal e procura abrir espaços para que seu comando seja ocupado por quem ele escolher, ainda que com interesses que possam destoar dos da companhia. A governança da Petrobras impede que ela seja entregue a pessoas fora dos padrões exigidos para o cargo. Os círculos ao redor de Bolsonaro, de onde partem as indicações, não inspiram confiança nem sugerem profissionalismo. Não será fácil encontrar substituto para Silva e Luna.

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