segunda-feira, 11 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

TSE precisará ser ágil para vigiar as milícias digitais

O Globo

 Não houve, nestes 34 anos desde a promulgação da Constituição de 1988, uma eleição sequer em que um candidato tenha disputado o Planalto atacando o próprio sistema eleitoral e o Judiciário. Às ameaças recorrentes feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm respondido à altura, com pronunciamentos e medidas.

Houve também uma exitosa aproximação das plataformas digitais, que serviu para estabelecer procedimentos que evitem as campanhas de desinformação pelas redes sociais. Prova disso foi o desbaratamento recente de uma rede de disseminação de fake news sobre a Amazônia no Facebook e no Instagram.

Mas a proximidade da campanha eleitoral exigirá mais. O TSE terá de fazer um esforço redobrado para conter a enxurrada de fake news e evitar um pleito tumultuado. A missão se tornou ainda mais árdua, pois é pouquíssimo provável que o tribunal conte com os instrumentos jurídicos que resultariam da aprovação do PL das Fake News, cuja tramitação em regime de urgência foi rejeitada pela Câmara na semana passada.

O trabalho será duro e precisa começar logo, porque as milícias digitais estão sempre ativas, criando novas formas de alcançar seu público. Os alvos prediletos dos ataques promovidos por elas têm sido TSE, STF e seus ministros, como constatou a análise de 240 canais do YouTube e 900 perfis do Instagram, todos bolsonaristas, feita pela pesquisadora Leticia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política, da PUC-Rio. As diatribes recentes de Bolsonaro contra os tribunais e as urnas funcionam como um apito que reúne e atiça essa matilha de milicianos digitais.

TSE, Ministério Público Eleitora

l e todo o Poder Judiciário conhecem o enredo. Por isso mesmo precisarão, diante do desafio, dar demonstração de agilidade e resposta imediata aos casos em que houver clara intenção de distorcer o resultado das urnas.

No ano passado, durante o julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão, o ministro Alexandre de Moraes anunciou que haverá cadeia e cassação se houver repetição do impulsionamento de mensagens fraudulentas financiadas por caixa dois. Em vez de punir a chapa vitoriosa em 2018, a Corte preferiu transmitir uma firme mensagem dissuasiva para este ano. Moraes voltou a dar o recado ao ameaçar suspender temporariamente o aplicativo Telegram, caso a empresa se recusasse a atender às solicitações da Justiça. Ela recuou e passou a colaborar.

Ambos os casos mostram que o TSE conhece os mecanismos capazes de deter os abusos. Mas não pode ter a mesma complacência nem a lentidão do passado. Os processos contra a chapa Bolsonaro-Mourão foram protocolados em dezembro de 2018, ainda antes da posse. Só foram julgados no ano passado, quase dois anos e dez meses depois do início do governo. Pelas circunstâncias que cercam as eleições deste ano, qualquer atraso da Justiça ao se pronunciar sobre acusações bem fundamentadas de manipulação representará um golpe na democracia. O TSE, que estará sob o comando do ministro Edson Fachin nas eleições, precisará aprender a ser mais ágil.

Guerra na Ucrânia trouxe ameaça de agravamento da fome no planeta

O Globo

A guerra na Ucrânia criou no mercado de alimentos uma tempestade perfeita que tem contribuído para agravar a fome nas regiões mais pobres do planeta. É mais uma tragédia que deverá ir para a conta de Vladimir Putin, além de toda a destruição, das agressões aos direitos humanos e das mortes associadas à invasão.

A Rússia vende ao exterior fertilizantes e, com a Ucrânia, exporta trigo. Apesar de representarem parcela grande das exportações globais (25%), não deverá haver escassez. Não só porque outros produtores prometem safras maiores, mas também devido à pequena parcela da produção mundial que deixará de ser vendida no exterior (0,9%). Mesmo assim, o impacto da guerra nos mercados de commodities foi imediato, acelerando a elevação de cotações que já vinha ocorrendo nos últimos meses do ano passado. Comparados com os níveis do final de dezembro de 2020, o trigo estava há uma semana 63% mais caro, o milho 64% e a soja 38%.

O aumento de cotações é injetado automaticamente numa infinidade de alimentos (pães e todo produto feito à base de farinha de trigo). Milho, soja e derivados também costumam acompanhar a alta. Os aumentos de custo chegam às rações animais, feitas à base de grãos. A carestia, então, ataca a mesa do cidadão. Não há como escapar da inflação dos alimentos e, se a renda da família for baixa, ela reduz o consumo e se aproxima do limiar da fome. Para quem já passou desse ponto, a fome se agravará. Eis o encadeamento deflagrado a partir do momento em que o primeiro tanque russo entrou na Ucrânia.

No final do ano passado, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) foi a campo, visitou 2.180 domicílios em todo o Brasil e constatou que pelo menos 19 milhões (9% da população) enfrentavam insegurança alimentar — não tinham certeza de que repetiriam a refeição —, e 43,4 milhões (20,5%) não se alimentavam bem por não ter alimentos em quantidade suficiente. Ao todo, 116,8 milhões de brasileiros (55%) não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Putin piorou a situação de todos eles, como a das famílias de baixa renda em qualquer país.

Há, também, incertezas sobre as próximas safras. A guerra continua, a Ucrânia está fora do mercado de trigo, a Rússia enfrenta sanções e suspendeu exportações de fertilizantes importados pelo Brasil. O Ministério da Agricultura despachou emissários ao Canadá para ter alternativa ao trigo e aos fertilizantes. Irã e Marrocos também podem suprir o país de adubos químicos.

A guerra serve para que as nações despertem para sua interdependência. Os exemplos não se esgotam nela. A redução de produção de soja no Brasil pode tornar mais cara a carne de porco na China e esvaziar o prato de comida de famílias pobres na Ásia. Daí a necessidade de o país manter uma rede global de relacionamentos capaz de resistir a choques

Problema de fundo

Folha de S. Paulo

Verbas bilionárias nas mãos de oligarcas partidários mostram efeitos perniciosos

Soluções voluntaristas para problemas complexos, mal estudadas, com frequência produzem novas distorções sem resolver as originais. Tem sido assim com o financiamento, impingido aos pagadores de impostos, de eleições no Brasil.

Deflagraram a mudança do modelo as revelações, em meados da década passada, de corrupção soberba envolvendo políticos e companhias interessadas em contratos e regulações estatais. O diagnóstico, absorvido no calor do momento, foi o de que a causa do descalabro era a permissão de doações de empresas para candidaturas.

Afastando-se do cânone da divisão de Poderes, o agente da mudança não foi o Congresso Nacional, mas o Supremo Tribunal Federal. De repente toda e qualquer forma de custeio empresarial foi declarada inconstitucional pela corte.

Desse modo açodado, embalado em boas intenções, nasceu o monstro do financiamento público de campanhas à brasileira. Do ciclo de eleições de 2018 para este de 2022, o repasse compulsório dos contribuintes para os partidos promoverem candidatos saltou 235%, para R$ 5,7 bilhões. A inflação no período não passará de 35%.

Esse maná de recursos foi canalizado para uma estrutura cartorial e oligárquica de partidos. Seus chefes, entronizados nos postos como capitães hereditários, assumiram um poder colossal, de vida e morte, sobre as candidaturas. Regulamentações supervenientes, como a fixação de cotas para mulheres, mal arranham essa relação.

Quando as doações vêm diretamente da sociedade, ou quando os partidos se abrem organicamente aos anseios de seus eleitores e militantes e se oxigenam periodicamente, o financiamento da atividade política reflete melhor o ideal da representatividade.

Na realidade brasileira, ao contrário, o mandonismo enriquecido das cúpulas partidárias inibe movimentos que poderiam espelhar as disposições do eleitorado. A desertificação do solo no interstício que vai de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Jair Bolsonaro (PL) na disputa presidencial é apenas o exemplo mais visível desse processo.

Acrescente-se o efeito de dezenas de bilhões de reais em emendas distribuídas conforme a proximidade do parlamentar com os mandachuvas do Congresso, e o resultado são obstáculos difíceis de contornar para quem está fora do esquema estabelecido —sem falar das notáveis brechas abertas à corrupção que se queria evitar.

Há dinheiro demais nas mãos dos chefes dos partidos, democracia de menos nas organizações partidárias e barreiras espessas para a alternância de poder. A continuar assim, a distância entre o cotidiano de 214 milhões de brasileiros e a atividade política só fará crescer.

Agências maltratadas

Folha de S. Paulo

Bolsonaro degrada indicação para os órgãos reguladores, vistos como estorvo

Após pressões do governo Jair Bolsonaro (PL), nos últimos dias avançaram no Senado numerosas indicações para postos importantes nas agências reguladoras federais. São posições com mandato em áreas fundamentais como saneamento, energia, transportes, saúde e telecomunicações.

Embora os currículos da maioria dos indicados apresente qualificações, há indícios de interesses políticos e apadrinhamento. Causa estranheza, sobretudo, a atitude do Planalto de enviar os nomes e dados dos 21 pretendentes de uma só vez, sem que haja prazo hábil para um bom escrutínio por parte dos senadores.

Tome-se o caso da Comissão de Infraestrutura, que aprovou na terça-feira (5) oito indicações para as agências dos setores de telecomunicações (Anatel), transportes terrestres (ANTT), mineração (ANM) e energia elétrica (Aneel).

O presidente da comissão, senador Dário Berger (MDB-SC), se queixou —com toda a razão—de ter recebido informações sobre 16 nomes na noite anterior à sabatina.

Além da falta de transparência na seleção de candidatos, não raro prevalece o desinteresse dos congressistas em um escrutínio rigoroso. Por conveniência política, sacrifica-se o rito que deveria filtrar o acesso a cargos de Estado.

A missão das agências reguladoras, afinal, é executar políticas públicas definidas por normativos do Executivo ou por leis aprovadas no Congresso, mas de forma isenta e condizente com o interesse público, que abarca as empresas privadas que prestam serviços, os usuários dos serviços e os interesses difusos da população.

Todo o regramento legal dessas instituições busca assentar práticas profissionais de gestão, com qualidade técnica das equipes, mandatos com prazo determinado e diretrizes claras de conduta.

Tudo isso é sabotado, no entanto, quando não há cuidado no processo de seleção de candidatos e os parlamentares abrem mão da prerrogativa de examiná-los.

Apesar dos avanços desde a criação das agências, a importância de seu papel ainda não está assentada na cultura administrativa nacional. Em parte isso ocorre porque governantes não gostam de dividir poder e sentem-se incomodados com freios e contrapesos.

Há quase duas décadas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reclamava do poder e da autonomia das agências. Hoje, sem surpresa, é Bolsonaro quem as trata como estorvo.

A corrupção na educação

O Estado de S. Paulo

O governo de Jair Bolsonaro é conivente com preços superfaturados e desperdício de dinheiro público. Isso na pasta que sofreu o maior aparelhamento pelo bolsonarismo

O governo Bolsonaro não apenas tem corrupção, como os malfeitos florescem na área que deveria ser a prioridade absoluta do País: a educação. As revelações feitas pela imprensa nas últimas semanas relacionadas ao Ministério da Educação (MEC) mostram uma administração federal conivente com preços superfaturados, desperdício de dinheiro público e fortes indícios de enriquecimento ilícito. São escândalos que envergonham profundamente o País e confirmam, uma vez mais, o modo como Jair Bolsonaro trata as suspeitas de corrupção no seu governo: até que venham a público, elas são rigorosamente relevadas.

O caso da licitação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares foi acintoso. Os órgãos de controle do próprio governo sinalizaram a existência de sobrepreço na oferta do MEC. Valendo no máximo R$ 270 mil, os veículos iriam ser adquiridos por até R$ 480 mil. No entanto, mesmo depois dos alertas, o governo Bolsonaro não viu nenhum inconveniente em continuar oferecendo R$ 2 bilhões por 3.850 ônibus escolares rurais que o próprio governo sabia que valiam R$ 1,3 bilhão.

Previsto para terça-feira passada, o pregão com o preço inflado ia ocorrer normalmente, como se não houvesse nenhuma irregularidade. Só não ocorreu porque, três dias antes, o Estadão revelou o superfaturamento. Exposto o sobrepreço, o FNDE fez um ajuste às pressas do edital, reduzindo R$ 510 milhões do valor total. Eis o montante que uma única matéria da imprensa economizou dos cofres públicos: meio bilhão de reais. O pregão com o novo valor foi realizado, mas o resultado foi embargado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para uma melhor avaliação das contas. De fato, todo cuidado é pouco.

Na quinta-feira passada, outro caso gravíssimo veio à tona. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, R$ 26 milhões de recursos da educação foram destinados para a compra de kits de robótica – pelo preço individual de R$ 14 mil, valor bem acima do mercado – para escolas de pequenos municípios de Alagoas. Por si só, o sobrepreço já é escandaloso, mas há uma agravante. Muitas escolas que receberam os kits de robótica nem sequer têm computadores, acesso à internet ou mesmo água encanada. Ou seja, a compra dos kits de robótica não representa nenhum cuidado com a educação ou com os alunos.

O escandaloso patamar de moralidade do governo Bolsonaro não está restrito a pequenas cidades do interior do País. Também em Brasília se observa uma normalização de práticas que há muito deveriam ter sido superadas. O Estadão revelou que dois diretores do FNDE, logo após assumirem por indicação do Centrão os cargos públicos, compraram carros de luxo cujos valores (entre R$ 250 mil e R$ 330 mil) são incompatíveis com seus salários (em torno de R$ 10 mil). Vale lembrar que o FNDE está envolvido não apenas na licitação dos ônibus escolares superfaturados, mas também na operação do gabinete paralelo do MEC, com a intermediação de verbas da educação e pedidos de propina por pastores.

Os escândalos do MEC e do FNDE são extremamente preocupantes. Recursos públicos que deveriam ser investidos, de forma responsável e eficiente, na formação das novas gerações estão sendo gastos (e desviados) da pior maneira possível. Os efeitos desse modo de atuar são conhecidos: escolas sem infraestrutura mínima, alunos sem ensino de qualidade, privados de um futuro minimamente digno.

A corrupção na pasta da Educação expõe não apenas práticas nefastas do Centrão. Ela afeta diretamente Jair Bolsonaro. O MEC não é uma área acessória do governo. Sempre foi cobiçada e ocupada pelo bolsonarismo. Basta ver que todos os ministros da Educação eram parte da chamada ala ideológica, provenientes do núcleo bolsonarista mais ferrenho. Pois bem, tudo o que o País tem descoberto nas últimas semanas ocorreu precisamente na pasta que sofreu a maior ocupação – o maior aparelhamento – por parte do bolsonarismo. É mais uma triste semelhança entre os governos lulopetistas e o bolsonarista. Só não vê quem não quer.

Questão ambiental requer realismo

O Estado de S. Paulo

Políticas climáticas custam caro, mas controlar a temperatura global é urgente. Por isso é preciso maisprudência, não menos – e menos alarmismo, não mais

O Painel de Mudanças Climáticas da ONU divulgou a terceira parte de sua avaliação do estado da questão. Comparada à de oito anos atrás, a primeira parte do relatório, sobre a física das mudanças, e a segunda, sobre suas consequências, trouxeram notícias sombrias: o clima está mudando mais rápido do que se antecipava e os efeitos são piores do que se supunha. A terceira parte é sobre ações.

Na era industrial, a temperatura global subiu 1,1°C. A ONU estima que, se as emissões de carbono forem zeradas até 2050, há 50% de chance de mantê-la em 1,5°C – meta do Acordo de Paris. Se forem zeradas até 2070, há 50% de chance de mantê-la em 2°C.

São metas improváveis. As emissões precisariam atingir o seu pico até 2025 e cair 43% até 2030. Até 2050, o consumo de carvão precisaria cair 95%; petróleo, 60%; e gás, 45%.

Há notícias positivas. O crescimento das emissões continua, mas na última década a média anual desacelerou de 2,1% para 1,3%. Os preços de energias verdes despencaram: solar e bateria de lítio caíram 85%; eólica, 55%.

O impacto da guerra sobre os combustíveis é um apelo à aceleração da transição energética, mas também um alerta de que ela exige prudência.

Quando a ciência climática começou a tomar corpo, há cinco décadas, tinha três desafios: compreender as mudanças e seus impactos; vencer a inércia e o negacionismo; e descobrir soluções.

Foi bem-sucedida. Hoje é incontroverso que há impactos climáticos graves causados pelo ser humano e é preciso substituir fontes fósseis por renováveis, construir cidades mais verdes e salvar mais florestas. Os meios são cada vez mais consensuais: taxação crescente sobre o carbono, pesquisa e inovação e adaptação.

Mas, se a inação ante as mudanças climáticas tem custos, as políticas climáticas também têm. Segundo a ONU, manter a temperatura abaixo de 2°C custaria, em 2050, de 1,3% a 2,7% do PIB ao ano. Há estudos que calculam 3,3%. Uma estimativa oficial da Nova Zelândia estimou que zerar as emissões em 2050 consumiria 16% do seu PIB.

O desafio é encontrar uma solução que concilie custos sociais e benefícios ambientais – e vice-versa –, ou seja, o máximo de redução da temperatura com um mínimo de danos sociais ou, de outro modo, o máximo de prosperidade com um mínimo de danos ambientais.

Paradoxalmente, a ameaça mais alarmante a esse desafio é o alarmismo. Com base na premissa de que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial iminente, ele projeta visões apocalípticas de milhões e milhões de pessoas dizimadas por catástrofes naturais, miséria e fome. Mas nos últimos cem anos, mesmo com os impactos climáticos e o crescimento populacional, a melhoria na qualidade de vida reduziu as mortes por catástrofes em mais de 90%. A ONU calcula que, se absolutamente nada for feito para reduzir a temperatura, em 2100 o custo anual para o mundo ficaria entre 2,6% e 4% do PIB. Grave, mas não o fim do mundo.

Pessoas bem-intencionadas creem que, para salvar o meio ambiente, precisam multiplicar hipérboles catastróficas. Mas isso é perigoso e contraproducente. Perigoso porque desvia a atenção de outras ameaças globais. Pouco antes de Vladimir Putin lançar sua guerra de destruição na Ucrânia e ameaçar o mundo com bombas nucleares, o Fórum Econômico Mundial declarava que “o fracasso nas ações climáticas” é o maior risco mundial da década. Um foco exasperado nas políticas climáticas e metas irrealistas podem drenar recursos vitais de outras áreas, levando a mais pobreza e violência e menos saúde e educação. Os gastos globais com políticas climáticas chegam a mais de meio trilhão de dólares e seguem crescendo, enquanto os investimentos dos países da OCDE em inovação em saúde, defesa, agricultura ou ciência declinam na proporção do PIB.

Por fim, o alarmismo é contraproducente para as próprias políticas climáticas, pelo mero fato humano de que o medo é mau conselheiro. Seria uma banalidade intolerável dizer que as soluções para as mudanças climáticas dependem de mais razão e menos emoção, se somente os debates globais não estivessem sobrecarregados pela pior das emoções: o pânico.

A sobrevida das estatais

O Estado de S. Paulo

Terceirizar responsabilidade por fracasso nas privatizações é cegueira; não se vende nada porque Bolsonaro não quer

A dificuldade do governo para privatizar empresas estatais já virou até piada, e o diagnóstico – errado – sobre esse fracasso é repetido desde o início da gestão de Jair Bolsonaro. A culpa seria do “sistema”, segundo integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, um termo genérico e indefinido que abarcaria Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), funcionários das estatais e os próprios ministérios. Os casos mais recentes que comprovariam essa narrativa envolvem a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) e a Nuclep, que estão na mira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) desde 2019.

Criada em 1975 para produzir equipamentos de projetos nucleares, a Nuclep recebeu R$ 223,4 milhões do Tesouro Nacional em 2020 e, mesmo assim, encerrou o ano com resultado negativo. Mas nada disso importa: a empresa não apenas não será mais liquidada, como queria a equipe econômica, como também pretende se aventurar em um novo setor. O Estadão revelou que a Nuclep deve agora investir na produção de torres de transmissão de energia elétrica, em uma clara violação do Artigo 173 da Constituição, que impõe critérios como segurança nacional e relevante interesse coletivo como as únicas razões válidas para a exploração direta de uma atividade econômica pelo Estado.

O destino da ABGF é outro símbolo da dissonância do governo na área de estatais. Enquanto o Ministério da Economia quer incorporar a companhia na estrutura da Caixa e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Defesa quer criar um novo fundo financeiro para a empresa, de forma a garantir o seguro de crédito à exportação de equipamentos militares. Já o caso da Empresa Gestora de Ativos (Emgea), criada em 2001 para administrar ativos da Caixa considerados de difícil recuperação, é prova do quanto o governo se perde mesmo quando não há um “inimigo” para derrotar. Não há definição, até agora, se ela será reincorporada à Caixa ou liquidada. O motivo é a dificuldade para repassar carteiras compostas por R$ 26,6 bilhões em créditos podres oriundos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Depois de promessas de arrecadação de até R$ 1 trilhão com estatais e de venda de quatro empresas públicas em 90 dias, não é surpresa que a única privatização de Jair Bolsonaro – a da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) – tenha sido obra do Ministério da Infraestrutura, a única pasta a contar com um amplo e consistente programa de parcerias com o setor privado. Com sorte e aos trancos e barrancos, o governo conseguirá concluir a capitalização da Eletrobras neste ano. Fato é que a culpa pelo fracasso das privatizações é do próprio Jair Bolsonaro, que nunca escondeu seu caráter corporativista e sua convicção estatista. Terceirizar a responsabilidade por esse resultado pífio é cegueira e não resolverá um problema de origem. A verdade é que não se vende nada simplesmente porque o presidente não quer.

Falta maturidade para lidar com agências reguladoras

Valor Econômico

Elas não foram criadas para funcionar como um departamento de ministério, como um balcão de atendimento das demandas de investidores ou extensão do Procon

O Brasil já convive há tempo suficiente com as agências reguladoras, incorporadas à administração pública no governo Fernando Henrique Cardoso, em meio à reforma do Estado e ao avanço das privatizações durante os anos 1990, para continuar repetindo erros com tanta frequência. Passou da hora de ter aprendido certas lições. Mas, da esquerda à direita, sobra incompreensão sobre o papel desses órgãos. Vacância prolongada em suas diretorias, tentativas de ingerência política, loteamento partidário e fortes restrições de orçamento são capítulos recorrentes em sua história no país. Elas deveriam ter alcançado a maturidade. Continuam sob ataque.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro mandou ao Senado um “pacotão” com mais de duas dezenas de indicações para a cúpula das agências. Os nomes saíram no Diário Oficial da União de segunda-feira. No dia seguinte, já tinham pareceres concluídos por seus respectivos relatores no Senado. Na quarta-feira, em pouco mais de duas horas, oito indicados à Aneel (energia elétrica) e à ANP (petróleo e gás) foram sabatinados na Comissão de Infraestrutura. Isso significa, em média, ouvi-los por meros 15 minutos antes que cada um assuma seus cargos por anos.

No mesmo dia, durante a sabatina dos nomes indicados por Bolsonaro para o comando da ANM (agência de mineração), questionamentos protocolares dominaram a sessão. Temas como a exploração mineral em terras indígenas, o atraso no cronograma de desativação das barragens a montante (como a da tragédia em Brumadinho) e a escassez de recursos para fiscalização passaram batidos. Na Comissão de Meio Ambiente, onde estavam sendo analisadas as indicações do governo à Agência Nacional de Águas (ANA), nada de perguntas sobre a sequência de crises hídricas que têm assolado o país em anos recentes ou sobre as perspectivas de universalização do saneamento básico.

Em tese, o sistema de freios e contrapesos permitiria um escrutínio das indicações e eventual veto dos parlamentares a nomes inadequados para exercer funções de comando nas agências. Na realidade de Brasília, o processo se fragiliza - para não dizer que se torna inócuo - diante da pressa e do desinteresse em fazer essa análise.

Do Poder Executivo espera-se não apenas rigor na escolha dos indicados, mas que não deixe os órgãos reguladores tanto tempo com desfalques. A Lei Geral das Agências (13.848 de 2019) tem mecanismos que dispõem sobre a ocupação de vagas de diretoria em aberto por interinos - necessariamente servidores de carreira.

No entanto, mais uma vez a experiência prática mostrou-se distante do que se esperava. Em diversas ocasiões, interinos foram prolongando sua permanência. Se por um lado é uma solução que evita paralisia decisória, impedindo a falta de quórum, também enfraquece os trabalhos de regulação e fiscalização. Sem um mandato fixo, eles tornam-se mais vulneráveis a pressões do Executivo. Podem, ainda, ser seduzidos indevidamente por acenos de indicação definitiva ao cargo em troca de decisões simpáticas para o governo.

Pior é a ignorância de lideranças políticas sobre a razão de ser das agências, que devem manter-se equidistantes do poder concedente, das empresas reguladas e dos consumidores. Elas não foram criadas para funcionar como um departamento de ministério, como um balcão de atendimento das demandas de investidores ou uma extensão do Procon. Sua missão primordial é zelar pela saúde dos setores que regulam, fiscalizando a execução dos contratos e evitando desequilíbrios para uma das pontas nessa tríade.

Nos governos do PT, o ex-presidente Lula irritou-se com o “quarto poder” exercido pelas agências e Dilma Rousseff manteve a distribuição de diretorias para partidos da base governista. Na pandemia de covid-19, momento mais grave de saúde pública em gerações, Bolsonaro só não aumentou o alcance de sua desastrosa gestão graças à autonomia da Anvisa (vigilância sanitária).

Talvez, por isso, Bolsonaro não tenha engolido as agências e despejado novos impropérios aos reguladores, no fim de março, na cerimônia de troca dos seus ministros. Foi adequadamente rebatido, em seguida, pela Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Abar). “Qualquer proposta de esvaziamento da atividade regulatória terá como única consequência o desgaste do próprio governo, evidenciando suas contradições internas e conduzindo o Brasil na contramão do caminho trilhado pelos países desenvolvidos”, afirmou a Abar.

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