sexta-feira, 15 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Sigilo de dados no governo Bolsonaro atinge nível absurdo

O Globo

 De que o presidente Jair Bolsonaro tem medo? Por que faz tanto esforço para esconder suas ações? Desde a campanha de 2018, Bolsonaro não perde a oportunidade de acusar seus opositores de corruptos. É comum declarar que seu governo é honesto. Diante de qualquer suspeita, porém, usa todos os instrumentos ao seu dispor para evitar o escrutínio público.

O exemplo mais recente aconteceu nesta semana. O GLOBO solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, a relação das entradas e saídas no Palácio do Planalto dos dois pastores lobistas investigados pela Polícia Federal por suspeita de corrupção no Ministério da Educação. Em resposta, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo ministro Augusto Heleno, disse que não atenderia à solicitação, sob o pretexto descabido de que poderia pôr em risco a vida do presidente da República e de seus familiares. Questionado numa rede social se tinha algo a esconder, Bolsonaro respondeu: “Em 100 anos [você] saberá”. Só depois da reação contrária, o GSI forneceu os dados das visitas ao GLOBO. Infelizmente, é pouco.

Essa foi apenas a última ocorrência de um comportamento contumaz no governo Bolsonaro. No último ano do governo Temer, 2018, o GSI pôs 11 documentos sob sigilo. Pois logo no ano seguinte, o primeiro de Bolsonaro na Presidência e de Heleno à frente do GSI, 255 foram classificados como secretos ou reservados, média de um a cada dia útil. Em 2020, a média foi de 13 por mês (os dados de 2021 ainda estão incompletos).

O recurso ao sigilo não tem sido usado apenas em casos de suspeita de irregularidades. É subterfúgio frequente para favorecer o presidente em temas caros a sua agenda política, como a gestão da pandemia ou as articulações de seus filhos. Aparentemente na falta de algo mais estratégico para fazer, o GSI concedeu, no ano passado, sigilo de cem anos até à carteira de vacinação e aos testes de Covid-19 de Bolsonaro.

Diversos outros órgãos do governo federal têm usado do mesmo expediente. O Exército negou acesso do GLOBO ao processo administrativo que absolveu o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, pela participação em ato político ao lado de Bolsonaro no Rio em maio do ano passado. Pazuello acompanhou Bolsonaro sem antes pedir o aval do Alto-Comando, como estabelece o regulamento interno da Força. Com a desculpa de que o documento continha informações pessoais, o Exército impôs sigilo de cem anos. O mesmo prazo foi concedido pela Secretaria-Geral da Presidência a informações sobre os crachás dos filhos de Bolsonaro que dão acesso ao Palácio do Planalto.

A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a recriar um absurdo “sigilo eterno” para negar acesso a documentos das Forças Armadas da época do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. E o Planalto faz o que pode para manter em segredo seus gastos com cartão corporativo.

A Constituição garante acesso a informações e estabelece a publicidade como norma-padrão. Desde 2011, a Lei de Acesso à Informação permite maior transparência e fiscalização por meio de regras que valem para todo órgão público e cidadão. No mínimo, as tentativas de burlar a legislação traduzem o espírito antidemocrático deste governo. O caso dos pastores do MEC levanta a suspeita de que haja também outros motivos para tanto segredo.

É preciso interromper a tragédia humanitária na terra ianomâmi

O Globo

São contundentes as conclusões do relatório da Hutukara Associação Yanomami sobre os efeitos nocivos do garimpo ilegal na maior reserva do país, que reúne cerca de 30 mil indígenas numa área de 9 milhões de hectares entre Amazonas e Roraima. Como mostrou O GLOBO, em apenas um ano (de 2020 a 2021), a devastação cresceu 46%, maior taxa desde a demarcação das terras ianomâmis em 1992. A destruição, evidenciada pelas crateras no meio da floresta e pelos rios contaminados com mercúrio, pode ser a ponta mais visível, mas não é a única tragédia. Com o desmatamento, forasteiros levam doenças, violência, drogas e terror.

Segundo o relatório, as aldeias enfrentam uma explosão de casos de malária — em algumas regiões, o aumento foi de mais de 1.000% em dois anos. Comida é outro problema crônico. Estudos mostram que 60% das crianças estão desnutridas. No fim do ano passado, imagens de crianças ianomâmis com as costelas à mostra chocaram o mundo. A situação é agravada pela estrutura precária de saúde e pelas grandes distâncias que separam as aldeias dos postos de atendimento médico.

Estima-se que existam 20 mil garimpeiros ilegais nas terras ianomâmis, sob vista grossa dos órgãos ambientais. Nesse cenário sem lei, os indígenas se tornam presas fáceis de esquemas criminosos. Há relatos de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças e oferecimento de drogas e bebidas alcoólicas aos indígenas. De acordo com a Hutukara, ao menos três crianças já foram mortas depois de ser abusadas por garimpeiros ilegais.

Não surpreende que a violência impere nesse ambiente de anomia. Na segunda-feira, um conflito entre indígenas numa área de garimpo dentro da terra ianomâmi deixou dois mortos (um indígena e um garimpeiro) e cinco feridos. Segundo relatos, índios tireis, apoiados por garimpeiros, invadiram a aldeia pixanehabi, contrária à exploração mineral na reserva.

Seria incorreto dizer que o Ibama e a Polícia Federal não agem. Na terça-feira, foi deflagrada a Operação Escudo de Palha, para combater o desmatamento ilegal numa comunidade indígena de Mato Grosso. Mas essas ações esporádicas são insuficientes. Além disso, são notórios o desmonte da fiscalização ambiental e a falta de empenho do governo para enfrentar madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais. Infelizmente, a sinalização que emana do Palácio do Planalto é outra.

Durante uma pajelança no Ministério da Justiça no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro foi condecorado com a Medalha do Mérito Indigenista, concedida pela Funai “pelos serviços relevantes relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Bolsonaro foi um dos 26 agraciados, entre os quais estavam dez integrantes do primeiro escalão do governo. Para fazer jus à homenagem, presidente e ministros poderiam se esforçar para interromper a tragédia humanitária que se abate sobre os ianomâmis e envergonha o país.

Nas sombras

Folha de S. Paulo

Sob pressão, governo divulga a contragosto idas de pastores do MEC ao Planalto

Constrangido pela revelação do escandaloso balcão de negócios instalado por seus aliados no Ministério da Educação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu com a tentativa de apagar rastros.

A primeira atitude do Gabinete de Segurança Institucional foi recusar-se a fornecer informações sobre encontros mantidos pelo mandatário no Palácio do Planalto com os pastores investigados sob suspeita de traficar verbas da pasta.

Ao jornal O Globo, que apresentara requerimento amparado pela Lei de Acesso à Informação, o órgão responsável pela segurança do presidente alegou que a divulgação dos dados poderia colocar Bolsonaro e seus familiares em risco.

A desculpa esfarrapada durou pouco. Nesta quinta-feira (14), o GSI recuou da negativa e divulgou que o pastor Arilton Moura esteve 35 vezes no Planalto desde o início do governo, em 10 delas acompanhado do pastor Gilmar Santos.

O último registro é de 16 de fevereiro, antes de vir à tona o escândalo no MEC. Em março, a Folha revelou gravação em que o então ministro Milton Ribeiro afirmava dar prioridade à liberação de verbas negociadas pelos religiosos —e isso por recomendação de Bolsonaro.

No mínimo embaraçosas para o presidente, as informações foram prestadas a contragosto, após a má repercussão da recusa inicial. Pelos exemplos recentes, não se deve esperar colaboração no esclarecimento dos fatos.

A administração já se aproveitou antes do dispositivo que permite manter em segredo por cem anos, em caráter excepcional, dados referentes à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem de pessoas.

Alegações similares foram usadas para impedir o acesso a informações sobre reuniões no Palácio da Alvorada, vacinas tomadas por Bolsonaro e o processo disciplinar relativo à participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, num ato político.

Não tem sido diferente o comportamento dos líderes do Congresso diante das cobranças por transparência na execução das emendas orçamentárias controladas pelos aliados de Bolsonaro no centrão.

No fim do ano passado, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou a divulgação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela liberação dos recursos e outros esclarecimentos, mas tudo que o Legislativo faz desde então é procrastinar.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a dizer que só conseguiria cumprir a ordem após consulta às prefeituras beneficiadas —como se não houvesse outro registro dos acordos feitos.

A desfaçatez mostra que o bloco no poder está disposto até a desafiar o STF para evitar a exposição dos acertos negociados com Bolsonaro na escuridão. Caberá ao tribunal fazer valer sua autoridade para que se acenda a luz da sala.

PM mais segura

Folha de S. Paulo

Uso de câmeras nos uniformes pode reduzir mortes de civis e também de policiais

Em 2021, as mortes causadas por policiais militares paulistas em confrontos relatados caíram expressivos 36% na comparação com o ano anterior. Em números absolutos, os 423 óbitos registrados representam a menor letalidade desde 2013.

Decerto serão vários os fatores por trás do fenômeno. Uma novidade, entretanto, merece avaliação mais apurada: o uso das câmeras grava-tudo, que passaram a ser utilizadas nos uniformes de agentes.

Nos primeiros sete meses de uso dos aparelhos, os 18 batalhões que os empregam apresentaram uma impressionante redução de 85% na letalidade policial. A queda foi ainda mais acentuada na Rota, de 89%.

A maior transparência trazida pelas câmeras, além de inibir o mau comportamento de agentes da lei, também os beneficia. Em primeiro lugar, por proteger policiais de serem acusados injustamente após agirem em legítima defesa.

Dados da PM de São Paulo mostram que os equipamentos não só colaboram para a proteção física da tropa como também aumentam a produtividade das ações.

Em uma comparação trienal, considerado o período de junho a outubro, a quantidade de flagrantes e apreensões de armas cresceu 41,4% e 12,9%, respectivamente, nas unidades que utilizam a tecnologia.

Já as ocorrências de resistência a abordagens policiais caíram 32,7% nesses batalhões, ante 19,2% nos demais, e o número de confrontos regrediu espantosos 87%. Não surpreende, pois, que nenhum policial militar tenha, em 2021, morrido em serviço nessas 18 unidades.

Por tudo isso, causa perplexidade que um pré-candidato ao governo paulista defenda acabar com o uso das câmeras nos uniformes, como faz o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em sua argumentação, as câmeras limitam a ação dos policiais, podendo representar uma ameaça a eles —alegações que, como se vê, não encontram amparo na realidade.

Com a promessa corporativista, Freitas tem o propósito de cooptar as forças de segurança, prometendo, na prática, impunidade para eventuais desmandos —algo que só beneficia os maus policiais.

Na contramão do que propõe o ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), os êxitos alcançados até agora recomendam que o uso de câmeras se torne, mais do que uma medida de governo, uma política de Estado.

Ciro Nogueira, o intocável

O Estado de S. Paulo

Envolvido nas suspeitas de corrupção no MEC, ele já deveria ter sido exonerado. Se continua na Casa Civil, é sinal de que sua conduta tem a aprovação de Bolsonaro

É absolutamente constrangedor que, depois de tudo o que veio à tona, Ciro Nogueira continue no governo. Deveria ter sido imediatamente demitido. Não cabe permanecer numa função pública de tamanha relevância – a chefia da Casa Civil – alguém envolto em suspeitas tão graves de mau uso de recursos públicos na pasta da Educação. A permanência do ministro do Progressistas expõe, de maneira contundente, a verdadeira natureza do governo Bolsonaro.

Não foi por livre e espontânea vontade, mas, quando as circunstâncias políticas o exigiram, Jair Bolsonaro exonerou, sem pestanejar, ministros da chamada ala ideológica do governo. Foi o que ocorreu com Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e, mais recentemente, Milton Ribeiro (Educação). Todos esses nomes, que faziam parte do núcleo íntimo do bolsonarismo, caíram. No entanto, Ciro Nogueira mantém-se intocável.

O presidente Bolsonaro não pode nem sequer alegar que não são graves as suspeitas envolvendo seu ministro da Casa Civil. Afinal, foram suspeitas semelhantes que derrubaram o último ministro da Educação.

Evidencia-se, assim, uma relação especial entre Jair Bolsonaro e Ciro Nogueira, relação esta que não se abala nem mesmo após a revelação de todas as nebulosas transações no Ministério da Educação. Vale lembrar que a Casa Civil é a essência de um governo, sendo sua chefia o cargo de confiança por excelência. A permanência de Ciro Nogueira na pasta indica que Jair Bolsonaro continua nutrindo inteira confiança no líder do Progressistas. De forma prática – com obras, e não meras palavras –, o presidente Bolsonaro põe a mão no fogo por Ciro Nogueira, vinculando-o ao seu governo.

A atitude de Jair Bolsonaro, como se as recentes revelações sobre Ciro Nogueira não afetassem sua confiança no líder do Progressistas, transmite uma mensagem inequívoca à população: a de que nada disso é novo para Bolsonaro. Caso contrário, se o mau uso de dinheiro público envolvendo o Ministério da Educação fosse uma surpresa, o presidente teria todo o direito de se sentir traído por Ciro Nogueira. Não é assim que Jair Bolsonaro tem reagido. A ter em conta os atos do presidente, parece que tudo vinha funcionando tal como o Palácio do Planalto esperava, não havendo nenhum motivo para mudança na Casa Civil.

A incrível estabilidade de Ciro Nogueira no governo – nada parece abalá-la – faz recordar as circunstâncias nas quais ele assumiu a Casa Civil. Jair Bolsonaro não apenas entregou o posto mais sensível da administração federal ao líder do Centrão – nem Dilma Rousseff, em seus momentos de maior fragilidade, atuou assim –, como aumentou seus poderes. Com todo o rigor, pode-se dizer que Ciro Nogueira é o superministro do governo Bolsonaro.

Em janeiro deste ano, Jair Bolsonaro editou um decreto determinando que atos relacionados à gestão do Orçamento público precisariam ter aval da Casa Civil. Com isso, qualquer decisão sobre custeio, investimento, transferência, orientação ou reorientação de recursos ficou “condicionada à manifestação prévia favorável” de Ciro Nogueira. A concessão de tal poder à Casa Civil representou uma mudança no sistema vigente há quase três décadas, em que a equipe econômica era a responsável por dar a última palavra em relação ao Orçamento. Na ocasião do decreto, o Ministério da Economia reconheceu que a tal delegação à Casa Civil era inédita.

Bolsonaro entregou as chaves do Orçamento a Ciro Nogueira e, a despeito de todas as revelações das últimas semanas sobre o líder do Centrão, parece determinado a manter as coisas exatamente do jeito que estão. Ou seja, Ciro Nogueira deve estar fazendo o que e como o seu chefe gostaria que fizesse.

Ao manter Ciro Nogueira na Casa Civil, Bolsonaro debocha da moralidade pública e da população. Na alma do governo, encontra-se alguém cuja atuação política está diretamente relacionada à corrupção na pasta da Educação. Não apenas há corrupção no governo, como Bolsonaro vê tudo com bons olhos, sem necessidade de mexer em nada.

Quem paga a greve no setor público

O Estado de S. Paulo

A reação de diversas categorias ao aumento que Bolsonaro havia prometido apenas a policiais já começa a prejudicar áreas importantes, de importações a serviços

Quando decidiu, no fim do ano passado, dar aumento apenas para três categorias do funcionalismo público ligadas à segurança, onde imagina ter maior prestígio, o presidente Jair Bolsonaro talvez esperasse algumas críticas, pois aquilo parecia – e era – uma jogada de nítido interesse político-eleitoral. Mas a decisão merecia críticas mais sérias, pois as consequências da irresponsabilidade poderiam ser muito amplas, como estão sendo.

Pressionado de todos os lados pelos servidores federais, o governo anunciou que concederá aumento geral de 5% a partir de julho. A medida desagradou a todos, pois a correção é inferior à inflação, e não desmobilizará as principais categorias do serviço público. Sua aplicação depende de aprovação pelo Congresso e, se aprovado, o aumento implicará gastos adicionais de pelo menos R$ 5 bilhões, para os quais, já disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, não haveria recursos. Agora há?

Era previsível que várias categorias de servidores não se conformariam com aumento limitado apenas a policiais federais, policiais rodoviários e agentes penitenciários. Paralisações parciais, operações-padrão e outras formas de protesto dessas categorias já afetam a vida do cidadão comum, impondo-lhe custos. 

O preço do pãozinho, já empurrado para cima com a alta do trigo no mercado mundial por causa da guerra na Ucrânia, pode subir mais porque a liberação do cereal importado nos portos está lenta em razão da operação-padrão dos auditores da Receita Federal. Segmentos industriais que utilizam insumos importados, e são muitos nessa situação, também começam a se queixar da falta desses itens, o que reduz e até pode interromper sua produção. A prestação de serviços públicos pode ser prejudicada, afetando a vida de muitos cidadãos. 

Numa economia que já enfrenta dificuldades para retomar o crescimento, o surgimento de novas dificuldades torna ainda mais incerta a recuperação. A projeção de crescimento inferior a 1% neste ano sintetiza os problemas da economia brasileira. A inflação, de 11,30% nos 12 meses até março, já está muito alta e exigirá a manutenção de uma política monetária restritiva. A combinação de baixo crescimento com alta expressiva de preços poderá durar mais do que se previa e se desejava. 

Reportagem do Estadão (13/4) mostrou que o prazo médio para desembaraço de cargas importadas por aeroportos e portos brasileiros aumentou de 5 para 20 dias por causa da operação-padrão dos auditores da Receita. Empresas de diferentes setores industriais, de cosméticos e produtos de higiene e limpeza ao químico e ao de alimentos, pedem que o governo resolva a situação. Como reação ao aumento anunciado para policiais, os auditores da Receita querem mais benefícios e aumentos de vencimentos. 

Com a greve decidida pelos funcionários do Banco Central, serviços como a divulgação de boletins sobre o setor externo, o sistema de crédito, as contas públicas, a atividade econômica e sobre a avaliação do quadro econômico pelas principais instituições financeiras não estão sendo feitos. No mercado financeiro, já se fala em “apagão de dados”. Funcionários da Controladoria-Geral da União também iniciaram uma operação-padrão. Já os servidores da Previdência Social têm se manifestado de diferentes formas, desde paralisações parciais a manifestações de rua. 

Todos esses servidores estão reagindo, cada categoria a seu modo, à decisão inicial do governo Bolsonaro de dar aumento a apenas determinadas carreiras do funcionalismo federal. As reações mais fortes e mais rápidas surgiram nas categorias mais organizadas do serviço público federal e que são, igualmente, as que, em média, recebem os melhores salários. 

Auditores da Receita ganham entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por mês. O vencimento de um analista do Banco Central varia de R$ 19 mil a R$ 27 mil. Um perito médico do INSS ganha, por jornada semanal de 40 horas, de R$ 14 mil a R$ 20 mil. O governo que estimulou suas reivindicações está sendo obrigado a atender parte delas. O contribuinte que pague a conta.

Marcha lenta no primeiro bimestre

O Estado de S. Paulo

Consumidores continuaram contidos e atividade industrial permaneceu em crise nos primeiros dois meses

Depois de um Natal modesto, as famílias aproveitaram as promoções do começo de ano e as vendas no varejo cresceram por dois meses consecutivos, 2,1% em janeiro e 1,1% em fevereiro. Apesar disso, o volume vendido no bimestre foi 0,1% menor que o de um ano antes. Em 12 meses, a expansão ficou em 1,7%. Com o consumidor empobrecido, as vendas físicas ficaram pouco acima da fase pré-pandemia, superando por apenas 1,2% o resultado de fevereiro de 2020. No caso do varejo ampliado – com acréscimo do comércio de veículos, seus componentes e material de construção –, as vendas no bimestre foram apenas 1,4% maiores que as de janeiro-fevereiro do ano passado.

Mesmo com dificuldades, o varejo foi o setor com melhor desempenho nos dois primeiros meses de 2022, na economia urbana. O setor de serviços, fortemente afetado na onda inicial da pandemia, atingiu em fevereiro um patamar 5,4% superior ao de fevereiro de 2020, mas com novos sinais de fraqueza. Desde agosto têm predominado as taxas mensais negativas. O resultado de janeiro foi 1,8% inferior ao de dezembro. Nova queda, de 0,2%, ocorreu em fevereiro. Ainda assim, o balanço do bimestre foi 8,4% maior que o de um ano antes, quando os danos da crise sanitária ainda eram muito visíveis.

A recuperação dos serviços é especialmente importante porque o setor é um grande gerador de empregos. Não são, no entanto, empregos tão amplamente formalizados quanto os da indústria. Empregos formais frequentemente oferecem, além de garantias definidas em lei, serviços médicos proporcionados pela empresa e participação em planos de saúde, além de treinamento e outros benefícios. Além de desemprego, o baixo dinamismo da economia tem produzido, desde a recessão de 2015-2016, más condições de trabalho, com muita informalidade e remuneração deprimida.

Pouco se poderá, no entanto, esperar da indústria, como geradora de empregos decentes, enquanto o setor permanecer estagnado ou mesmo em decadência, como tem estado nos últimos dez anos. A produção industrial diminuiu 2,2% em janeiro e cresceu apenas 0,7% em fevereiro. No bimestre, seu desempenho foi 5,8% inferior ao de igual período de 2021. Em fevereiro, houve avanços em todas as grandes categorias setoriais – bens de capital, bens intermediários, bens de consumo duráveis e bens de consumo semiduráveis e não duráveis. Em 12 meses houve expansão de 2,8%, mas o volume produzido ainda foi 2,6% menor que o de fevereiro de 2020 e 18,9% inferior ao recorde alcançado em maio de 2011.

O recuo desde aquele pico foi quase contínuo. Houve oscilações, mas a tendência de enfraquecimento do setor foi claramente dominante. Nada se fez nos últimos três anos e quase quatro meses para interromper esse retrocesso. Uma política de recuperação, de modernização e de fortalecimento do setor industrial dependerá do resultado da eleição presidencial deste ano, se houver possibilidade, é claro, de revalorização das metas, dos planos e dos programas. Tanto melhor se houver também superação de bandeiras populistas.

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