sexta-feira, 8 de abril de 2022

Vera Magalhães: Eleição com cheiro de naftalina

O Globo

Não são só os líderes das pesquisas da eleição presidencial que são velhos conhecidos do Brasil. Os temas postos em discussão até aqui e, sobretudo, os esboços de propostas em torno deles são para lá de batidos. Cheiram a naftalina.

O odor característico dos armários dos nossos avós me subiu às narinas quando vi de volta à pauta o velho e estéril, da forma como é entabulado, debate sobre aborto. Que essa pegadinha seria trazida de volta por Jair Bolsonaro, Damares Alves e companhia já era esperado. Mas que Lula, com décadas de campanhas nas costas, atravessasse a rua voluntariamente para escorregar nessa casca de banana foi mais surpreendente.

Uma boa forma de não mudar nada na política de saúde pública concernente ao aborto é insistir em tratar o tema de forma atabalhoada numa campanha, com a exploração sempre feita por lideranças evangélicas. Lula sabe disso desde suas corridas presidenciais anteriores e da primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010, quando esse foi o primeiro e maior bode colocado na sala.

A celeuma ocasionada pelas declarações do petista e seu recuo depois mostram que, embora acerte no diagnóstico de que hoje são as mulheres pobres as mais vulneráveis diante de uma realidade em que abortos clandestinos são praticados em todo o país, ainda é necessário um debate aprofundado na sociedade a respeito da questão, mostrando dados e afastando o estigma moralista e religioso. É, antes, um tema para o Congresso, com a realização de audiências públicas e a convocação de especialistas. Numa campanha, tende a produzir mais calor e faíscas que luz.

O aborto é só um exemplo de como patinamos, em 2022, em falas polêmicas e assuntos que nem de perto dizem respeito às urgências postas para um país que sai da pandemia mais pobre, mais desigual e com piores indicadores em áreas como meio ambiente, educação e direitos humanos.

Enquanto o mundo discute caminhos para a economia que levam forçosamente em conta temas universais como envelhecimento da população, revolução no mundo do trabalho, necessidade de transição energética começando imediatamente e educação que apresente ferramentas para tudo isso, por aqui gastaremos meses discutindo se vamos ou não reverter a reforma trabalhista, subsídios insustentáveis a combustíveis fósseis e, na educação, se Paulo Freire é herói ou vilão.

O debate invariavelmente tende a oscilar entre uma eterna volta ao passado e o embuste ideológico puro e simples para facilitar narrativas em redes sociais e demonizar os adversários. Nada de novo no front.

Deixar que as discussões fiquem presas a esse passado que não dá mais conta de um mundo em profunda e rápida transformação é uma das fórmulas para fazer com que a polarização entre Bolsonaro e Lula vire uma profecia autorrealizada.

Para cada assunto, parece apenas haver uma comparação entre o que está sendo feito (ou desmontado) no governo atual e um legado de um período que vai de 2003 a 2016.

E o futuro? O que o Brasil almeja para os próximos anos? Ninguém consegue esboçar sequer uma resposta que mobilize grandes contingentes da sociedade, da universidade à indústria, do agronegócio ao setor financeiro. Afinal, esses grupos estão satisfeitos em gastar meses falando de aborto, regulação da mídia, “ideologia de gênero” ou qualquer outra dessas pegadinhas emboloradas?

Nós, da imprensa, também parecemos anestesiados e presos ao esquema que mantém a cobertura eleitoral pobre, estéril e desalentadora. O eleitor que busca caminhos e ideias nos lê e sai ainda mais desiludido e certo de que nada andará para a frente.

O início da fase de sabatinas, entrevistas e debates precisa quebrar esse círculo vicioso que só interessa aos candidatos que não têm o que propor. Chega de tanto blá-blá-blá nonsense quando o país tem pressa de seguir adiante.

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