domingo, 17 de abril de 2022

Vinicius Torres Freire: Se organizar direitinho, todo o mundo rouba

Folha de S. Paulo

Faz dois anos, presidente da rachadinha rachou o governo com o centrão

Sinais ostensivos de roubança no governo não prejudicaram a popularidade de Jair Bolsonaro. Nem o repique da inflação, nem o aumento dos combustíveis. Há indícios de que seu prestígio subiu um par de pontos.

A avaliação de Bolsonaro não está muito abaixo do que era nos tempos menos anormais de seu governo. No ano anterior ao início da epidemia, até fevereiro de 2020, 34% do eleitorado lhe dava nota "ótimo/bom", em média. No início deste abril, 29% (dados da pesquisa Ipespe, de maior frequência).

Sim, Bolsonaro leva nota "ruim/péssimo" de 54% desde agosto de 2021. Mas o assunto aqui é resistência eleitoral e política. Neste abril, faz dois anos que Bolsonaro organizou a sua sobrevida.

Na primavera da epidemia de 2020, o desprestígio de Bolsonaro crescia rápido por causa de sua indiferença à morte. Perdia feio no Congresso. Temia o impeachment e a prisão de filhos.

Foi um abril de reviravolta e ataques em várias frentes. No início do mês, aconselhado por seus generais, Bolsonaro chamou o centrão. No dia 16, demitiu Luiz Mandetta, o popular ministro da Saúde. No dia 19, foi ao comício diante do Quartel-General do Exército, no qual se pedia golpe militar contra Congresso e Supremo. No dia 24, Sergio Moro caiu.

A partir de maio, entregou cargos rendosos para o centrão. Levaria um ano para que PP e PL, em especial, passassem de diretorias a ministérios como o da Casa Civil, sob Ciro Nogueira (PP-PI). Não conseguiram alguns postos-chave, ocupados por militares, nem tiveram sucesso no avanço recente sobre a Petrobras. Mas a aliança rendeu. O governo passou a perder menos no Congresso, o impeachment morreu e renasceram os escândalos.

Bolsonaro cometeu vários estelionatos eleitorais. Mais do que aliado, o centrão se tornou regente do governo. Chutou Moro, mas o lava-jatismo já não tinha muito voto. Seu eleitor pouco se importa com o abafa de Procuradoria-Geral, PF, Coaf, Receita e de investigações de escândalos vários, de roubança inclusive.

Em setembro de 2021, Bolsonaro chutou de vez o "liberalismo". Avacalhou o teto de gastos e Paulo Guedes —mais estelionato. Mesmo com mentiras descaradas ou atrocidades sinceras, Bolsonaro resistiu.

Desde 2015, com a decadência da Presidência e a incapacidade da sociedade de fazer mudança política democrática, o Congresso-centrão tem mais poder de picotar, em seu interesse, o que resta de Orçamento livre. É assim por causa de emendas de execução obrigatória e também do controle sobre o "orçamento secreto", pois Bolsonaro ou está refém ou se dedica a seu projeto de tirania. O Congresso-centrão tem ainda fundões eleitorais para barrar a entrada de novos concorrentes no mercado político.

É uma geringonça de direita, um parlamentarismo branco-sujo ou um semipresidencialismo de avacalhação. Ciro Nogueira e Arthur Lira (PP-PI), presidente da Câmara, comandam o barco, com a camarilha parlamentar. Contêm os chiliques golpistas piores e falações mais repulsivas de Bolsonaro, que atrapalham os negócios. O casamento de conveniência na delegacia funciona.

O Congresso-centrão precisa menos do governo, que ainda é um aliado útil, porém. Pode ajudar a fazer bancadas grandes, fisiológicas e ultradireitistas. O próximo passo seria tolerar algum avanço autoritário de um Bolsonaro reeleito em troca de mudanças institucionais que deem mais poder à camarilha parlamentar.

É por isso que a conversa sobre semipresidencialismo ou variante está na mesa. É o grande avanço do sistema político podre sobre o que resta do Executivo e da República. Seria o liberalismo só de maus costumes: a autocracia pirata.

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