terça-feira, 24 de maio de 2022

Andrea Jubé: Space-X lança satélites brasileiros ao espaço

Valor Econômico

Satélite é sistema de “inteligência”, não de “vigilância”

Cinco dias após a reunião de Elon Musk, homem mais rico do mundo, com o presidente Jair Bolsonaro, ministros, autoridades militares, e empresários brasileiros, a Space-X -- empresa de desenvolvimento e lançamento de foguetes do bilionário -- lançará ao espaço dois satélites-radar de sensoriamento remoto (SRR), que integram o Projeto Lessônia, da Força Aérea Brasileira (FAB).

O acontecimento não tem ligação direta com o “início de namoro” do governo brasileiro com o bilionário, na expressão utilizada por Bolsonaro, porque a escolha de um foguete da Space-X para o lançamento partiu da fabricante dos satélites, a finlandesa Iceye.

Em contrapartida, não se pode minimizar o esforço conjunto de autoridades militares e civis dos governos brasileiro e finlandês para viabilizar o lançamento já nesta quarta-feira.

A oportunidade da data foi uma das pautas da rápida conversa entre o comandante da FAB e o CEO da Tesla e da Space-X na sexta-feira, durante o evento com o bilionário em Porto Feliz (SP). “Tive oportunidade de conversar com Musk quatro assuntos, além de agradecer o lançamento dos dois [satélites] Lessonia”, relatou Baptista Júnior ontem, durante um café da manhã com jornalistas.

O lançamento dos satélites Carcará I e Carcará II está programado para esta quarta-feira (25), por volta das 15 horas (horário de Brasília), no Cabo Canaveral, na Flórida. O site oficial da base de lançamentos informa que o foguete Falcon 9 da Space-X levará ao espaço nessa data “vários microssatélites e nanossatélites de uso comercial e de governos”.

O comandante da FAB, os ministros da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, da Ciência, Tecnologia e Inovação Paulo Alvim, o embaixador da Finlândia, Jouko Leinonen, e um representante do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) acompanharão o evento no Centro de Operações Espaciais (Cope), em Brasília.

Pela primeira vez, o Brasil contará com dois satélites de sensoriamento remoto em operação, que irão orbitar com uma defasagem de 180 graus. A tecnologia foi contratada entre o governo brasileiro e a Iceye em 2019 por US$ 33 milhões, ou cerca de R$ 170 milhões. O valor contempla a fabricação, lançamento, ajuste da órbita e início da operação dos satélites, esperada para novembro.

Baptista Júnior aproveitou o encontro com o CEO da Space-X para tratar de pontos do programa espacial brasileiro, como o desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto de baixa órbita e de foguetes. Um terceiro tema foi a instalação de um sistema de monitoramento espacial para melhorar a segurança das operações de satélites.

A quarta pauta foi a oferta do Centro Espacial de Alcântara para receber veículos lançadores de empresas comerciais. O comandante da FAB exaltou as vantagens da base de lançamento brasileira, que seriam mais atraentes do que a base da Flórida: proximidade do mar, a localização de aproximadamente 2º18’ ao sul da Linha do Equador (o que possibilita lançamentos em órbitas polares e equatoriais); baixa densidade demográfica; ausência de incidência de terremotos e furacões; baixa densidade de tráfego aéreo e marítimo.

No ano passado, o governo celebrou contratos de cessão onerosa de áreas da base para exploração com três empresas americanas e uma canadense, que se responsabilizaram pelas obras de infraestrutura para viabilizar o início das operações no local.

Mas a contratação dos satélites nacionais junto à empresa finlandesa foi criticada por técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que alegaram que o modelo não seria apropriado para monitorar o desmatamento na Amazônia.

Na conversa com jornalistas, Baptista Júnior rebateu as críticas do Inpe. Em primeiro lugar, a dupla de satélites vai oferecer conteúdo não apenas para o monitoramento da Amazônia, ao Ibama, por exemplo, mas também para operações de combate ao tráfico e defesa das fronteiras da Polícia Federal, entre outros órgãos.

Baptista Júnior enumerou vantagens da dupla de satélites. Uma delas é que o radar pode visualizar através das nuvens, sendo que, principalmente a Amazônia ocidental, é encoberta quase o tempo todo. Ele lembrou que o Inpe adquire imagens de várias empresas, enquanto os satélites brasileiros vão assegurar a soberania para que o governo “olhe para onde quiser olhar”, porque será possível programar qualquer área de observação, com melhor resolução.

Uma peculiaridade é que as imagens de radar carecem de interpretação de especialistas. Mas o comandante ressalta, por exemplo, que essa tecnologia identifica metais com mais facilidade, o que ajudará na fiscalização de garimpos ilegais, por exemplo.

Uma característica dessa tecnologia é que a imagem não é processada em tempo real, ao contrário, pode levar dias para chegar ao órgão de governo. Por isso, o comandante da FAB observa tratar-se de um sistema de “inteligência”, e não de “vigilância”.

Ele explica que se há suspeita de um garimpo em uma determinada área, os militares farão missões de inteligência, com antecedência. A imagem oferecida pelo radar fornecerá outro tipo de informação. Ele acrescentou que a FAB dispõe de aviões que fornecem imagens, com outra resolução, em tempo real.

Embora o ministro das Comunicações, Fábio Faria, tenha afirmado que discutiu com Musk o uso da tecnologia de satélites das empresas do bilionário para a preservação da Floresta Amazônica, o lançamento dos Carcarás I e II desponta como o exemplo mais próximo de alguma conexão com a Space-X, até agora. Com a ressalva de que se trata de uma operação indireta, viabilizada pela finlandesa Iceye. Há expectativa do governo, entretanto, que o diálogo avance, e que saia do papel o projeto Conecta Amazônia, com a Starlink, divisão de satélites da Space-X. O comandante da FAB espera que a Space-X se interesse por operações na Base de Alcântara, e nas parcerias com satélites.

 

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