sexta-feira, 6 de maio de 2022

Bernardo Mello Franco: Lula e o direito de errar

O Globo

Após a vitória de 2002, Lula passou a repetir que não tinha o direito de errar. Citava o exemplo de Lech Walesa, o ex-presidente polonês. Eleito com ampla maioria, o sindicalista fez um governo desastroso. Quando tentou voltar ao poder, teve 1% dos votos. “Se eu errar, a classe trabalhadora nunca mais vai eleger alguém do andar de baixo”, dizia o petista. Vinte anos depois, ele se aproxima de outro momento decisivo.

Lula lidera a corrida presidencial de 2022. Desfeitas as ilusões sobre uma terceira via, desponta como o único político capaz de derrotar Jair Bolsonaro. Apesar do favoritismo, ele tem colecionado gafes e tropeços. Ouvidos pela coluna, três ex-ministros de gestões petistas apontaram os mesmos problemas na pré-campanha: desorganização, falta de estratégia para atrair eleitores indecisos e excesso de falas desastradas do candidato.

O ex-presidente já foi obrigado a pedir desculpas após dizer que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”. Ao se retratar, alegou ter confundido polícia com milícia. Não foi seu único deslize recente.

Nas últimas semanas, ele estimulou protestos nas casas de deputados, censurou os hábitos de consumo da classe média, deu um palpite infeliz sobre a guerra na Ucrânia e definiu a pauta religiosa como “muito atrasada”. Pode ser, mas ainda define milhões de votos no Brasil.

Na terça, Lula disse que o deputado Arthur Lira quer ser imperador do Japão. Teve que engolir uma correção: quem manda no país asiático é o primeiro-ministro. Ontem ele se confundiu com o mapa paulista: em visita a Sumaré, saudou a população de Avaré. Os dois municípios são separados por mais de 200 quilômetros.

Insuspeito de simpatizar com o bolsonarismo, o escritor Paulo Coelho cobrou um freio à “incontinência verbal” do ex-presidente. A queixa foi comemorada por petistas que veem as mesmas falhas, mas evitam confrontá-lo pessoalmente.

A escassez de conselheiros dispostos a dizer o que pensam é um sintoma dos novos tempos do PT. O partido derrubou o chefe de comunicação da campanha e empacou na escolha do substituto. Um novo marqueteiro foi contratado às pressas, mas não fará milagres se o chefe insistir no improviso.

Amanhã, Lula lançará oficialmente sua sexta campanha ao Planalto. Desta vez, enfrentará um candidato a autocrata disposto a incendiar o país para continuar no poder. O duelo pode definir o futuro da democracia brasileira. Quem se dispõe a vencê-lo não pode abusar do direito de errar.

 

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