Valor Econômico
Contribuição de Ribamar Oliveira ao país
foi inestimável
Em agosto de 2020, o governo Bolsonaro
encaminhou proposta orçamentária para 2021. Ao estimar despesas com benefícios
previdenciários, atribui valor de R$ 1.067,00 ao salário mínimo, projetando
inflação (INPC) de 2,09% em 2020. O INPC, como se sabe, corrige o salário
mínimo e os benefícios pagos pelo INSS a quem recebe acima do mínimo. Naquele
ano, porém, o índice chegou a 5,45% e, por isso, o salário mínimo de 2021 foi
fixado em R$ 1.100,00.
Em 3 de março de 2021, o então relator da Receita da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), elevou para R$ 35,3 bilhões a previsão de arrecadação da União em 2021. O deputado alegou, em seu parecer, que, mesmo diante da mudança do cenário econômico, provocada, conforme mencionado, por inflação quase três vezes maior que a prevista inicialmente, o governo não encaminhou ao Legislativo mensagem alterando a proposta original.
“Coube ao Congresso suprir essa lacuna”,
escreveu o relator. Sim, mas isso foi feito apenas no tocante à receita. E as
despesas? Inflação mais alta resulta em corrosão do valor real da despesa. Nos
tempos de hiperinflação, vivia-se a ilusão das contas públicas equilibradas.
Qual nada! O governo era “sócio” da inflação, que desorganiza a economia e
penaliza os mais pobres.
No dia 22 de março de 2021, o então
relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), manteve as
projeções originais, encaminhadas pelo governo, das despesas com benefícios
previdenciários e assistenciais, abono salarial e o seguro desemprego. Todas
foram estimadas com o salário mínimo de R$ 1.067,00 e o INPC de 2,09%.
No mesmo 22 de agosto, o Ministério da
Economia enviou ao Congresso, cumprindo determinação legal, o relatório de
avaliação de receitas e despesas referente ao primeiro bimestre de 2021. No
texto, informou que as despesas obrigatórias da proposta orçamentária de 2021,
elaborada em agosto de 2020, estavam subestimadas em R$ 17,57 bilhões. Como o relator-geral
não mexeu na proposta original do governo, deputados e senadores aprovaram um
orçamento fictício. Dos R$ 17,5 bilhões subestimados, R$ 8,5 bilhões diziam
respeito a benefícios previdenciários.
No relatório de avaliação do primeiro
bimestre, o governo manteve estimativa de R$ 96 bilhões para as despesas
discricionárias de 2021, isto é, investimentos e custeio da máquina pública.
Foram reservados, ainda, R$ 16,3 bilhões para emendas de parlamentares,
elevando para R$ 112,35 bilhões o total da despesa discricionária. No parecer
final, o relator-geral aumentou esse valor para R$ 113,1 bilhões, destinando às
emendas R$ 21,1 bilhões. E como ele chegou a 21, se havia “apenas” 16,3?
Cortando investimentos e custeio programados i pelo governo. Dos 21,1 bilhões,
R$ 3 bilhões foram para emendas apresentadas pelo relator-geral.
Quando fazem emendas ao Orçamento,
parlamentares são responsáveis pela indicação do ente a ser beneficiado, isto
é, ele precisa indicar o CNPJ do beneficiário. Quando o governo promove contingenciamento,
é obrigado a perguntar a cada parlamentar quais são as suas prioridades no
corte das emendas. Eles se tornam, portanto, donos de uma parte do Orçamento.
No dia 25 de março, o relator-geral propôs
corte de R$ 26,46 bilhões em gastos obrigatórios, sendo R$ 13,5 bilhões em
benefícios previdenciários. O resumo do único caso do mundo em que a aritmética
é relativa é o seguinte: as despesas obrigatórias de 2021 foram subestimadas em
R$ 44,03 bilhões. O relator justificou o corte da seguinte forma: adiamento do
pagamento do abono salarial de 2020 para o segundo semestre de 2021 e o de 2021
para o primeiro semestre de 2022; edição de medida provisória para combater
fraudes na concessão de benefícios previdenciários e adoção de lei que obrigue
empresas a arcarem com o auxílio-doença, em vez do INSS.
Ao cortar despesas obrigatórias, o então
relator-geral infringiu a Instrução Normativa nº 1, da Comissão Mista de
Orçamento. O dispositivo estabelece que não serão admitidas, salvo se
comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal, emendas que proponham
cancelamento, ainda que parcial, de dotações para despesas com pessoal, juros e
encargos da dívida pública, amortização da dívida e despesas primárias
obrigatórias.
Mas, por que o relator fez o que fez? Ora,
para abrir, de forma irregular, espaço no teto de gastos da União, que foi
instituído pela emenda constitucional 95/2016. Como a proposta orçamentária de
2021 foi encaminhada pelo governo no limite do gasto permitido, o relator não
tinha como aumentar as emendas parlamentares por causa do teto. Ele, então,
decidiu reduzir as despesas obrigatórias e abrir espaço para as emendas. Para
desfazer a “catedral” dos parlamentares, o governo teria que cancelar despesas
orçamentárias. O principal problema é que o artigo 4º da lei orçamentária de
2021 não permitia que o governo cortasse emendas parlamentares. Teria que pedir
autorização ao Congresso, por meio de projeto de lei. Portanto, o governo teria
que dizer quais as emendas de deputados e senadores teriam que ser canceladas.
E o Congresso aprovar, o que significa acreditar em Papai Noel - quem cortaria
suas próprias emendas? Estas são recursos de poder.
Com o corte de R$ 26,46 bilhões nas
despesas obrigatórias, o relator-geral elevou o valor de suas emendas de R$ 3
bilhões para R$ 29,46 bilhões. Na distribuição das verbas, beneficiou,
principalmente, os Ministério do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura.
O MDR tinha R$ 6,4 bilhões e ficou com R$ 20,8 bilhões.
Todas estas informações, nesta ordem, foram
transmitidas ao titular desta coluna e ao colunista e chefe de redação do Valor em Brasília,
Fernando Exman, pelo saudoso jornalista Ribamar Oliveira, pouco antes de sua
internação para tratamento da covid-19. Um dos maiores especialistas do país em
finanças públicas, Riba não deixou sua missão de lado, nem quando o maldito
vírus da pandemia o apanhou de surpresa.
A apuração do Riba expôs operação política
que resultou no início do fim do teto de gastos. Além de desmoralizarem regras
fiscais, parlamentares criaram novidade inadmissível para uma democracia: as
verbas secretas, cuja destinação não tem transparência alguma.
Depois de travar durante 50 dias brava luta
contra a covid, nosso Riba não resistiu. Ele não faz falta apenas à sua linda
família e aos incontáveis colegas e amigos, que tinham nele um norte orientador
para a compreensão das desventuras destes tristes trópicos. Ele faz falta ao
país porque, com sua competência, revelou ataques ao erário público, que, uma
vez conhecidos, serviram de inspiração a mudanças institucionais.
No próximo dia 1º de junho, por iniciativa
de seus colegas, o auditório de entrevistas do Ministério da Economia será
batizado com seu nome.
Lendo e aprendendo as informações de Ribamar.
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