quinta-feira, 26 de maio de 2022

Cristiano Romero: A última coluna do Riba

Valor Econômico

Contribuição de Ribamar Oliveira ao país foi inestimável

Em agosto de 2020, o governo Bolsonaro encaminhou proposta orçamentária para 2021. Ao estimar despesas com benefícios previdenciários, atribui valor de R$ 1.067,00 ao salário mínimo, projetando inflação (INPC) de 2,09% em 2020. O INPC, como se sabe, corrige o salário mínimo e os benefícios pagos pelo INSS a quem recebe acima do mínimo. Naquele ano, porém, o índice chegou a 5,45% e, por isso, o salário mínimo de 2021 foi fixado em R$ 1.100,00.

Em 3 de março de 2021, o então relator da Receita da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), elevou para R$ 35,3 bilhões a previsão de arrecadação da União em 2021. O deputado alegou, em seu parecer, que, mesmo diante da mudança do cenário econômico, provocada, conforme mencionado, por inflação quase três vezes maior que a prevista inicialmente, o governo não encaminhou ao Legislativo mensagem alterando a proposta original.

 “Coube ao Congresso suprir essa lacuna”, escreveu o relator. Sim, mas isso foi feito apenas no tocante à receita. E as despesas? Inflação mais alta resulta em corrosão do valor real da despesa. Nos tempos de hiperinflação, vivia-se a ilusão das contas públicas equilibradas. Qual nada! O governo era “sócio” da inflação, que desorganiza a economia e penaliza os mais pobres.

No dia 22 de março de 2021, o então relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), manteve as projeções originais, encaminhadas pelo governo, das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, abono salarial e o seguro desemprego. Todas foram estimadas com o salário mínimo de R$ 1.067,00 e o INPC de 2,09%.

No mesmo 22 de agosto, o Ministério da Economia enviou ao Congresso, cumprindo determinação legal, o relatório de avaliação de receitas e despesas referente ao primeiro bimestre de 2021. No texto, informou que as despesas obrigatórias da proposta orçamentária de 2021, elaborada em agosto de 2020, estavam subestimadas em R$ 17,57 bilhões. Como o relator-geral não mexeu na proposta original do governo, deputados e senadores aprovaram um orçamento fictício. Dos R$ 17,5 bilhões subestimados, R$ 8,5 bilhões diziam respeito a benefícios previdenciários.

No relatório de avaliação do primeiro bimestre, o governo manteve estimativa de R$ 96 bilhões para as despesas discricionárias de 2021, isto é, investimentos e custeio da máquina pública. Foram reservados, ainda, R$ 16,3 bilhões para emendas de parlamentares, elevando para R$ 112,35 bilhões o total da despesa discricionária. No parecer final, o relator-geral aumentou esse valor para R$ 113,1 bilhões, destinando às emendas R$ 21,1 bilhões. E como ele chegou a 21, se havia “apenas” 16,3? Cortando investimentos e custeio programados i pelo governo. Dos 21,1 bilhões, R$ 3 bilhões foram para emendas apresentadas pelo relator-geral.

Quando fazem emendas ao Orçamento, parlamentares são responsáveis pela indicação do ente a ser beneficiado, isto é, ele precisa indicar o CNPJ do beneficiário. Quando o governo promove contingenciamento, é obrigado a perguntar a cada parlamentar quais são as suas prioridades no corte das emendas. Eles se tornam, portanto, donos de uma parte do Orçamento.

No dia 25 de março, o relator-geral propôs corte de R$ 26,46 bilhões em gastos obrigatórios, sendo R$ 13,5 bilhões em benefícios previdenciários. O resumo do único caso do mundo em que a aritmética é relativa é o seguinte: as despesas obrigatórias de 2021 foram subestimadas em R$ 44,03 bilhões. O relator justificou o corte da seguinte forma: adiamento do pagamento do abono salarial de 2020 para o segundo semestre de 2021 e o de 2021 para o primeiro semestre de 2022; edição de medida provisória para combater fraudes na concessão de benefícios previdenciários e adoção de lei que obrigue empresas a arcarem com o auxílio-doença, em vez do INSS.

Ao cortar despesas obrigatórias, o então relator-geral infringiu a Instrução Normativa nº 1, da Comissão Mista de Orçamento. O dispositivo estabelece que não serão admitidas, salvo se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal, emendas que proponham cancelamento, ainda que parcial, de dotações para despesas com pessoal, juros e encargos da dívida pública, amortização da dívida e despesas primárias obrigatórias.

Mas, por que o relator fez o que fez? Ora, para abrir, de forma irregular, espaço no teto de gastos da União, que foi instituído pela emenda constitucional 95/2016. Como a proposta orçamentária de 2021 foi encaminhada pelo governo no limite do gasto permitido, o relator não tinha como aumentar as emendas parlamentares por causa do teto. Ele, então, decidiu reduzir as despesas obrigatórias e abrir espaço para as emendas. Para desfazer a “catedral” dos parlamentares, o governo teria que cancelar despesas orçamentárias. O principal problema é que o artigo 4º da lei orçamentária de 2021 não permitia que o governo cortasse emendas parlamentares. Teria que pedir autorização ao Congresso, por meio de projeto de lei. Portanto, o governo teria que dizer quais as emendas de deputados e senadores teriam que ser canceladas. E o Congresso aprovar, o que significa acreditar em Papai Noel - quem cortaria suas próprias emendas? Estas são recursos de poder.

Com o corte de R$ 26,46 bilhões nas despesas obrigatórias, o relator-geral elevou o valor de suas emendas de R$ 3 bilhões para R$ 29,46 bilhões. Na distribuição das verbas, beneficiou, principalmente, os Ministério do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura. O MDR tinha R$ 6,4 bilhões e ficou com R$ 20,8 bilhões.

Todas estas informações, nesta ordem, foram transmitidas ao titular desta coluna e ao colunista e chefe de redação do Valor em Brasília, Fernando Exman, pelo saudoso jornalista Ribamar Oliveira, pouco antes de sua internação para tratamento da covid-19. Um dos maiores especialistas do país em finanças públicas, Riba não deixou sua missão de lado, nem quando o maldito vírus da pandemia o apanhou de surpresa.

A apuração do Riba expôs operação política que resultou no início do fim do teto de gastos. Além de desmoralizarem regras fiscais, parlamentares criaram novidade inadmissível para uma democracia: as verbas secretas, cuja destinação não tem transparência alguma.

Depois de travar durante 50 dias brava luta contra a covid, nosso Riba não resistiu. Ele não faz falta apenas à sua linda família e aos incontáveis colegas e amigos, que tinham nele um norte orientador para a compreensão das desventuras destes tristes trópicos. Ele faz falta ao país porque, com sua competência, revelou ataques ao erário público, que, uma vez conhecidos, serviram de inspiração a mudanças institucionais.

No próximo dia 1º de junho, por iniciativa de seus colegas, o auditório de entrevistas do Ministério da Economia será batizado com seu nome.

 

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