sábado, 7 de maio de 2022

Eduardo Affonso: Bolsonaro e Lula parecem disputar cargo de líder da oposição

O Globo

A julgar pelo que se tem visto, lido e ouvido até agora, o maior cabo eleitoral de Bolsonaro é Lula — e vice-versa. Cada vez que um deles abre a boca, o outro ganha alguns milhares de votos.

A única hipótese plausível para tanto tiro no pé é que ambos estejam pleiteando o cargo de perdedor injustiçado e líder da oposição pelos próximos quatro anos, não o de presidente da República.

Não deixaria de ser uma escolha sensata: quem ganhar em outubro terá de se haver com inflação e desemprego em alta, bombas fiscais, desaceleração da economia, educação de volta ao nível de duas décadas atrás e uma oposição feroz. O perdedor estará na confortabilíssima posição de... oposição feroz.

Talvez por isso, tanto Lula quanto Bolsonaro venham fazendo questão de pregar apenas para os já convertidos às respectivas seitas. Para aqueles que naturalizam automaticamente os absurdos que seus líderes produzem cada vez que se manifestam sobre qualquer tema. Para os que perderam o senso crítico e a vontade de encontrá-lo.

Só isso explica certos sincericídios. Como Bolsonaro admitir, num misto de ignorância e ato falho, que “temos um chefe do Executivo que mente”. Não há como discordar. Ou Lula escancarar, mais uma vez, de que lado está na peleja polícia x ladrão — e dizer que o atual presidente “não gosta de gente; gosta é de policial”. Lula se retratou — à sua moda, aproveitando para se vitimizar e atacar a imprensa. Bolsonaro, nem isso — ainda bem: a emenda ficaria pior que o soneto.

Bolsonaro vetou as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de incentivo à cultura — reforçando a ideia de que, quando ouve falar no assunto, se segura para não sacar o revólver. Não ganhou nenhum voto além dos que já tinha. Lula, por seu turno, avisou que pretende fechar todos os clubes de tiro criados nos últimos anos — desperdiçando munição com algo que também não lhe renderá qualquer voto adicional.

As infames declarações de Lula sobre a invasão da Ucrânia (“Esse cara [Zelensky] é tão responsável quanto o Putin”, “Ele quis a guerra”, “As pessoas estão estimulando o ódio contra o Putin”) poderiam perfeitamente ter sido feitas por Bolsonaro. A falta de empatia deste para com as vítimas da pandemia finalmente encontrou concorrente à altura (ou no mesmo nível de baixeza), com a indiferença daquele em relação às atrocidades cometidas contra o povo ucraniano.

Pode ser que, num segundo momento, os marqueteiros de um e outro lado entrem em ação e convençam os candidatos a tentar conquistar eleitores, em vez de afastá-los. Até lá, teremos a chance de vê-los sem filtro, mostrando o que realmente são e se esforçando para entregar o país ao rival.

Quanto aos demais concorrentes, o quadro é desolador. João Doria e Simone Tebet têm contra si os próprios partidos. E Ciro Gomes não precisa de adversários — ele mesmo se encarrega disso.

Como previu uma vidente (ou será “videnta”?), nesta eleição: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.

 

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