sexta-feira, 27 de maio de 2022

Fernando Carvalho*: Calote na Comissão de Anistia

Todos sabemos que o Brasil vive uma situação democrática resultado da superação de uma ditadura militar que durou 21 anos. A ditadura aconteceu em 1964, tempo em que ainda existia a guerra fria. Todos conhecemos o papel do embaixador americano Lincoln Gordon de apoio aos militares golpistas. Segundo Chomsky "Nós instalamos o primeiro verdadeiro grande estado de segurança nacional, estado semi-nazista da América Latina, com tortura de alta tecnologia, e assim por diante". Todos conhecemos também o papel de Bolsonaro ao longo dos seus vários mandatos de deputado federal. Espécie de restolho da ditadura militar, nunca fez segredo disso, ao contrário sempre verbalizou seus conhecidos elogios à ditadura militar que, segundo ele, "deveria ter matado trinta mil pessoas, inclusive FHC". Sempre foi favorável à tortura e dizia que por meio do voto não se muda nada. E outros absurdos mais. 

Mas, por ironia da História, Bolsonaro chegou à presidência da República. Ele procura o tempo todo vender aos militares a ideia de que com ele o regime militar está de volta ao poder ou a caminho. Colocou milhares de militares em cargos civis no governo. Participa de eventos de formatura de militares, coisa que nunca acontecia com presidentes civis. Procura dar aumento de salário para militares e policiais. E concedeu soldo de marechal em pensões vitalícias para centenas de militares de alta patente e até para um coronel torturador. Como se tivesse querendo seduzir nossa elite militar para a Operação Capitólio Brazuca.

Ocorre que Bolsonaro não chegou ao poder total como ele gostaria. Ele foi eleito chefe do Poder Executivo, um dos três Poderes da República, de modo que o golpe que ele sonhara em dar "logo no primeiro dia" em que tomasse posse não é tão fácil quanto ele pensava. Em relação aos outros dois poderes da República, Bolsonaro se conforma com o fato de ter dois amiguinhos entre os ministros do Supremo. E está subsumido aos caprichos do Centrão no Poder Legislativo. Mas o que ele pode fazer para destruir nossa república democrática ele faz. Seu ex-ministro o Zé Boiada queria que a pandemia de Covid-19 fosse usada como um boi de piranha para permitir ao governo "passar com a boiada".

No seu projeto de enfraquecimento da estrutura institucional democrática especialmente no âmbito da ciência e cultura, do meio ambiente e dos direitos das minorias. Em algumas instituições a ação de Bolsonaro foi desastrosa, como no caso da Fundação Palmares. Outra instituição que Bolsonaro praticamente liquidou com ela foi a Comissão de Anistia. Justamente a instituição que

representava uma ação da democracia nos resultados da ditadura militar, a ação de justamente reparar os danos causados pela ditadura. A rigor a Comissão de Anistia começou a ser desfigurada durante o governo Michel Temer. O que revela que ele faz parte do mesmo movimento que levou Bolsonaro ao poder. Desde Michel Temer que a Comissão de Anistia deixou de pedir desculpas públicas às vítimas da ditadura em nome do Estado brasileiro. Tal medida combinada com o fato da comemoração no dia 31 de março do aniversário da ditadura faz com que o Estado brasileiro se comprometa, se identifique e assuma a paternidade de uma ditadura, como disse Chomsky, de natureza nazistoide.

A Comissão de Anistia já foi conhecida como a Comissão da Paz e fazia parte do Ministério da Justiça. No ano 2019, Bolsonaro transferiu a Comissão para o Ministério dos Direitos Humanos da ministra Damares Alves advogada e pastora evangélica, da ala ideológica do governo. Ela indeferiu o requerimento de anistia de 2.402 pessoas e anulou 807 anistias concedidas em governos anteriores. Desde o governo Bolsonaro, cerca de 97% dos pedidos de reparações analisados foram indeferidos ou anulados. Lula e Dilma haviam reconhecido 40.548 pessoas que sofreram perseguição política da ditadura.

Damares Alves recheou a Comissão de Anistia de militares. Todos "com vínculo direto com a família Bolsonaro". O Dr. João Henrique Nascimento de Freitas, nomeado presidente da Comissão de Anistia, já foi assessor de Flávio Bolsonaro quando deputado estadual pelo Rio de Janeiro; foi assessor também de Hamilton Mourão, o vice-presidente e já advogou para o próprio Bolsonaro. 

O Dr Nascimento de Freitas conseguiu a suspensão do pagamento de pensão à viúva de Carlos Lamarca (1937-1971) e também veto às reparações concedidas a 44 trabalhadores rurais torturados durante a guerrilha do Araguaia. Mas o fato mais curioso é que o Dr. Freitas possui um Diploma de Amigo da Polícia do Exército. E todos sabem da proximidade, pelo menos física, desta Polícia com o Doi-Codi, que era onde se torturavam os prisioneiros da ditadura militar. Outro fato insólito, a ministra Damares Alves nomeou o general Luiz Eduardo Rocha Paiva que nega que Dilma Rousseff tenha sido torturada. Resumindo, Bolsonaro fez cabelo, barba e bigode da Comissão de Anistia justamente a instituição que representa um elo, um link que liga nossa democracia ao passado ditatorial numa lógica de superação pacífica.

Paulo Abrão que foi o presidente da Comissão de Anistia nos governo Lula e Dilma é taxativo e acusa a atual Comissão de Anistia, composta de defensores da ditadura militar, de grave desvio de finalidade, de deturpação do sentido constitucional da anistia como reparação integral aos atingidos pelos atos de exceção do regime de 64. Paulo Abrão conclui dizendo que vê uma linha de ruptura com o pacto histórico da reconciliação nacional e que há um fundamento de nulidade em todas essas decisões de indeferimento. E que numa volta a um governo democrático será necessário revisar todas essas decisões para retomar o eixo da recuperação da dignidade.

*Fernando Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor de “Livro Negro do Açúcar”

2 comentários:

  1. Infelizmente o fascismo da era Vargas ainda é muito forte nesta republiqueta de araque chamada Brasil. A CLT e o voto obrigatório são heranças do ditador fascista Getúlio Vargas. Sou um professor brasileiro formado pela U.F.F./1974 e o ensino no país nunca foi de qualidade e na ditadura militar fascista 1964/1985, via Estados Unidos, foi declarada a falência do ensino com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 5692/1971, implantada pelo ditador fascista Emílio Garrastazu Médici. Como eu sou um professor politizado eu votava NULO, desde o início da ditadura militar fascista. Aos 70 anos, em 2012, eu solicitei a anulação do meu título de eleitor no TRE de Fortaleza, pois a influência do fascismo ainda é gritante em pleno ano de 2022. Um país só se torna desenvolvido COM UM ENSINO DE QUALIDADE para a população, mas os politiqueiros, as oligarquias empresariais ignorantes e corruptas, os militares e os membros dos três poderes constituintes corruptos, não querem melhorar do ensino brasileiro, pois preferem manter o Brasil subdesenvolvido e colônia indireta dos países norte-americanos, europeus, asiáticos e árabes. Aos 80 anos de vida o Brasil continuará sendo um país subdesenvolvido sem passado, sem presente e possivelmente sem futuro. Se eu fosse mais jovem, sairia imediatamente desta republiqueta de araque chamada Brasil. Visitei a França, um país laico em 2007, onde a religião não se intromete no governo, pois achei a França, em Bordeaux, 80% mais desenvolvido e educado que o Brasil, pois pedi um informação em francês a uma guarda municipal e ela me respondeu em inglês. No Brasil o guarda municipal não sabe falar bem nem a própria língua portuguesa. Visitei uma escola publica pré-primária Gambetta em Bordeaux e dei uma palestra sobre Medicina Preventiva, baseada na dieta lacto-vegetariana e e minha colega brasileira fez a versão para a língua francesa. Um pai de uma das alunas filmou a palestra e deu-me o CD e uma mãe de uma das alunas convidou-me junto com aminha esposa para um coquetel em sua casa. Num ensino de qualidade as pessoas são mais educadas, finas, receptivas e mais inteligentes do que num país subdesenvolvido como o Brasil. Para finalizar, só tenho a lamentar a minha vida nesta republiqueta subdesenvolvida, que chamam-na de Brasil.

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  2. Damares é outra que precisa ser expurgada da vida pública do País.

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