O Estado de S. Paulo.
Os que defendem a devastação abandonam o discurso nacionalista e caem nos braços dos grupos internacionais que utilizavam como bicho-papão
Apesar de seu caráter propagandístico, a
visita do bilionário Elon Musk ao Brasil merece atenção.
Em primeiro lugar, o objetivo declarado de
conectar à internet 19 mil escolas da região amazônica é inatacável. Isso será
excelente para o precário ensino na Amazônia e poderá, ainda, fortalecer uma
série de atividades como medicina à distância e negócios sustentáveis com o
mundo. Portanto, o único problema aí, se houver, é uma questão de avaliar
preços e concorrentes para ver se essa é mesmo a melhor proposta. O Brasil não
está começando neste campo.
Avançando um pouco no discurso de Bolsonaro e de Musk, falou-se também do monitoramento ambiental da Amazônia, que seria fortalecido com a infraestrutura montada pelo bilionário. O problema é que já temos um monitoramento na Amazônia, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e disponível para todos os que se interessem em combater queimadas e desmatamento.
Na realidade, os dados de satélite cruzados
com os dados do Cadastro Rural são capazes não só de dizer onde está a floresta
queimando ou sendo desmatada, mas em terras de quem o processo destrutivo
acontece.
Bolsonaro enfraqueceu o Inpe e forçou a
demissão de seu dirigente com o argumento de que dados do desmatamento sem
controle do governo acabariam sendo um dano à imagem do País. Ele se distanciou
tanto desse mecanismo de monitoramento, pago pelo povo brasileiro, a ponto de
estimular a compra de satélite pelas Forças Armadas para realizar a mesma
tarefa fiscalizatória.
Tornou-se evidente que Bolsonaro não quer
fiscalizar a Amazônia, mas sim criar um sistema sobre o qual tenha controle,
algo impossível quando cientistas sérios estão no comando.
Elon Musk não conhece esse debate. Mas, ao
se dispor a complementar o monitoramento na Amazônia – algo de que se gabou nas
suas postagens –, não percebe que está sendo usado para a montagem de um
esquema alternativo que, ao invés de mostrar a destruição, pode mascará-la.
Seguindo um pouco adiante nas contradições
do encontro, Bolsonaro ofereceu a Musk a possibilidade de explorar nióbio na
Amazônia e, certamente, também o lítio, que alimenta baterias de carros elétricos,
produto da Tesla, empresa de Musk.
Durante todos estes anos, a extrema-direita
e militares que se dizem nacionalistas atacam os defensores da floresta,
inclusive ONGs, com o argumento de que trabalham para o capital estrangeiro que
ambiciona explorar os minérios na Amazônia. De nada adiantam as demonstrações
sobre a viabilidade econômica da mata em pé e da importância das populações
tradicionais na defesa desses recursos. Os nacionalistas tipo Bolsonaro sempre
esgrimiram contra todos os que defendem a floresta, com esta acusação de que
funcionam como uma espécie de cavalo de Troia das mineradoras internacionais.
Na realidade mais palpável, a luta dos
defensores da floresta, de indígenas e ONGs conseguiu convencer a grande parte
do capital a não avançar sobre as terras demarcadas. Nesta semana mesmo, o
Washington Post publica uma entrevista de Raul Jungmann falando pelo Instituto
Brasileiro de Mineração (Ibram). Ele afirma que as mineradoras brasileiras não
planejam trabalhar em terras indígenas.
Progressivamente, mesmo entre grandes
empresas, tornase mais forte a ideia de que a melhor maneira de explorar a
Amazônia é de forma sustentável, aproveitando a riqueza de suas florestas.
Neste momento de inflexão, o que fazem os
nacionalistas tipo Bolsonaro? Convidam um bilionário para explorar o nióbio na
Cabeça do Cachorro, no Rio Negro, área com presença indígena, um parque
nacional e um estadual.
Afinal, revela-se todo o enredo. Os que
lutam para manter a floresta em pé contribuem para afastar a mineração da área;
os que defendem a devastação abandonam seu discurso nacionalista e caem nos
braços dos grupos internacionais que utilizavam como um bicho-papão.
No fundo, os nacionalistas não são tão
preocupados com o Brasil. São seguidores de uma visão de defesa nacional
formulada pelo general Golbery do
Couto e Silva. Consideram a necessidade de
“civilizar a Amazônia” rompendo com limitações à exploração econômica.
Dentro dessa concepção, é preciso superar
todas as limitações impostas pela presença de populações indígenas e, também,
pela legislação ambiental. Esse é o projeto real, sem máscaras. E ele pode e
deve ser contestado também por meio de uma visão econômica de desenvolvimento
sustentável, algo que seria não só mais rentável, como também mais justo para mais
de 20 milhões de amazônidas.
É razoável que pessoas trabalhem ainda com
uma concepção de desenvolvimento que se perdeu no tempo, que não cabe mais num
mundo à beira da catástrofe ambiental, lutando para viabilizar a sobrevivência
das próximas gerações.
Caindo a máscara, seria interessante
retomar o debate com outros argumentos. Acusar os defensores da floresta de
estarem a serviço de escusos interesses estrangeiros nada mais é do que a velha
tática política de acusar o adversário exatamente daquilo que você gostaria de
fazer.
Os rapapés a Elon Musk comprovaram que o
nacionalismo, ao menos na Amazônia, não deixa de ser o último refúgio de
mentirosos.
Pois é,caiu a máscara.
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