segunda-feira, 9 de maio de 2022

Fernando Gabeira: O voto jovem que pesa na eleição

O Globo

Começo a escrever sobre a campanha de 2022 abordando um tema sobre o qual não tenho verdades. Se for esperar clareza cristalina, entretanto, corro o risco de ver a campanha acabar sem tocar nele, na adequação ao tempo de hegemonia digital nas eleições.

Começo pelo que me pareceu o episódio mais importante da campanha na semana passada. Foi o movimento vitorioso de atração de jovens para o primeiro voto, realizado por artistas brasileiros com o apoio de Leonardo DiCaprio. Bolsonaro sentiu o golpe e foi às suas redes sociais pedir que DiCaprio se calasse. Ordens do capitão.

Por coincidência, na preparação para o trabalho do ano, estou lendo o fascinante livro de Hunter S. Thompson sobre a campanha americana de 1972 (“Fear and loathing: on the campaign trail ’72”). Hunter escrevia para a Rolling Stone, e o alvo de sua cobertura eram 25 milhões de jovens, entre 18 e 25 anos. Era um número considerável, esperança para derrotar Richard Nixon. Nixon venceu, Hunter ficou arrasado, mas seu livro tornou-se um best-seller. Foi escrito em quartos de hotéis e precisava mesmo vender porque cobertura de campanha é cara: hotéis, transporte, comida.

A linguagem de Hunter era mais próxima da juventude, pela sinceridade. Fazia um jornalismo que dissolvia as fronteiras do subjetivo e do objetivo, da literatura e da reportagem. Os amigos diziam que não levava segredo da campanha para contar em casa. Publicava-os antes.

Aquela experiência jornalística foi memorável, mas aconteceu há 50 anos, em plena era analógica, quando a Rolling Stone era uma espécie de vanguarda. No mundo digital, um grupo de artistas conseguiu produzir um fato sem mediações. Bolsonaro percebeu isso e quis participar, ainda que no papel de vilão. Não é certo que todos os votos jovens sejam contra ele, mas a intuição bolsonarista acerta ao supor que a maioria dos novos eleitores o rejeita.

A última coisa que pretendo é dar conselhos. Também estou um pouco confuso. Trabalho como comentarista de TV. Na verdade, sou repórter de campo, mas, com a pandemia, cumpri essa função. Agora, faço as duas coisas e comento depois de um dia de cinema andarilho e um tempinho de atualização.

Meus colegas de Brasília trabalham intensamente e bem. Mas às vezes tenho a impressão de que comento cenas do deserto: uma caravana ao longe, esparsos camelos. A vida está distante, nas ruas, nas redes. E a lógica deste novo mundo é inquietante. Na campanha do Brexit, a empresa Cambridge Analytica trabalhou pela saída do Reino Unido da União Europeia com mensagens contraditórias para as bolhas na internet. Aos caçadores, dizia que a caça seria mais fácil; aos defensores nacionais, anunciava que as regras seriam mais rígidas. Como os grupos não falam entre si e, quando falam, não creem uns nos outros, a tática deu certo.

Quando um candidato diz certas coisas sobre guerra para um segmento, em encontro presencial, não percebe que, apesar dos aplausos, o que voa para as redes, via smartphone, se transforma numa arma para os adversários. Infelizmente, quando se trata da Ucrânia, direita e esquerda transigem com os crimes de Putin em todas as mídias.

Em tão curto espaço para tão amplo tema, concluo provisoriamente assim: Bolsonaro, apesar de sua ignorância, sabe se mover no mundo digital.

Para combatê-lo, a esperança não é apenas o voto jovem, mas sobretudo a juventude que se move nas redes sociais, os humoristas que falam a linguagem mais franca, assim como a solitária Rolling Stone fazia há 50 anos.

Não seria nada exagerado se nos sentássemos, antes da cobertura da campanha, discutindo que mundo é este, qual a sua lógica, caminhos e armadilhas?

Afinal, estão quase todos em busca da eterna juventude do voto, válida para todas as idades.

 

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