domingo, 8 de maio de 2022

Janio de Freitas: O desencontro marcado

Folha de S. Paulo

Inexiste afirmação convincente dos militares de compromisso com a Constituição

O desencontro que se seguiu ao encontro do ministro da Defesa com o presidente do Supremo Tribunal Federal foi, a um só tempo, tão importante e evidente que se efetivou até por escrito pelos dois personagens. Mas não foi visto no que mostrou e significou. O encontro só se justificou por ter levado ao desencontro, que em vários sentidos foi um dos mais expressivos no questionamento à lealdade das Forças Armadas à Constituição, no processo eleitoral.

Encerrado o encontro que o general Paulo Sérgio Oliveira buscou com Luiz Fux no Supremo, ambos dispensaram-se da praxe de falar, sem dizer, aos repórteres. Mais tarde, Fux distribuiu uma nota sobre a conversa sem, no entanto, assiná-la. Emitiu-a em nome do Supremo. E noticiava: "O ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas estão comprometidas com a democracia brasileira". Mais, com a mesma firmeza atribuída ao general: "os militares atuarão, no âmbito de suas competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente".

Noticiário e comentaristas celebraram a informação de Fux e a aparente convicção do general. E logo viria mais um motivo para celebração, na leitura de inesperada nota em nome do Ministério da Defesa. Sucinta, dizia, depois de referência ao "respeito entre as instituições", que na conversa "foi tratada a colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral". E então o fecho: "O ministro da Defesa reafirmou, ainda, o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais".

Uma nota com indicação de finalidade precisa: derrubar a versão da conversa difundida por Fux. O juiz introduziu e o general cassou um comprometimento com a democracia e "com um processo normal" de eleições. A nota fardada reduziu o compromisso militar a um "permanente estado de prontidão" para o "cumprimento das suas missões constitucionais".

O entendimento do que diz a segunda nota, a par da contestação a Fux, parte deste conceito agora trazido também das Forças Armadas por seus engajados no bolsonarismo: "Eleição é questão de segurança". E segurança, é notório, integra as "missões constitucionais" mencionadas pelo general. O que a nota afirma, portanto, é a pretensão militar de ingerência na condução do processo eleitoral. Aliás, já em andamento, com explícita adesão à campanha golpista de desmoralização do sistema eleitoral eletrônico.

A nota em nome do Ministério da Defesa tem sentido oposto ao que lhe está atribuído, desde o apressado e superficial teor nela suposto. Conjuga-se com a adoção desejada por Bolsonaro de um sistema paralelo de apuração, pelo envio do captado em cada urna a um setor militar improvisado como a verdadeira justiça eleitoral: em discordância entre a apuração da Justiça Eleitoral constitucional e a apuração militar originária do bolsonarismo, quem não antecipe a supremacia do fuzil está fora de si.

Se eleição é questão de segurança, a limpidez do processo eleitoral, o direito equânime de candidatura e a validade do resultado das urnas são a possível razão de ser da alegada questão de segurança. Ocorre que tais totens da segurança eleitoral só subsistem em democracia. Logo, a defesa involuntária e real que o poder militar faz, na sua defesa voluntária do desejado pelo golpismo de Bolsonaro, é a mesma que fazem os defensores da Constituição. Logo, nada mais que militares fora da política, recolhidos nos quartéis em sua correta "missão constitucional", e eleições democráticas sob a Justiça Eleitoral.

As Forças Armadas não só "estão sendo orientadas a atacar e desacreditar o processo eleitoral", como disse, e por isso insultado pelo general-ministro da Defesa, o ministro-magistrado Luís Roberto Barroso. Estão submetidas à orientação de Bolsonaro, inexistindo uma afirmação convincente, vinda das casernas, de compromisso com a Constituição democrática.

Da campanha eleitoral de 2018 até agora, são quatro anos de Forças Armadas tolerantes, e assim concordantes, com armamentismo da população, permissividade com roubo e contrabando de riquezas naturais, desconstrução da estrutura ativa do Estado, ações de extermínio indígena —variedade inumerável de crimes contra o país, presente e futuro. Estas, sim, "questões de segurança nacional".

 

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