quinta-feira, 12 de maio de 2022

Míriam Leitão: Inflação presente e o risco futuro

O Globo

O problema não é apenas a inflação de agora, mas o processo inflacionário à frente. O índice de abril foi horroroso, o pior para o mês desde 1996 e o acumulado chegou a 12,13%. O governo tem tomado decisões que podem manter a inflação alta por muito mais tempo que este mandato. De imediato, haverá oscilação pra baixo. Maio será um mês de refresco nessa fornalha que tem atingido os índices. Tanto o IPCA-15 quanto o IPCA vão trazer números baixos. Mas a questão mais preocupante é que o país pode estar contratando agora a elevação de preços de amanhã.

Quem alertou para isso foi Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil. Ela fez parte da equipe que, no governo Michel Temer, derrubou a inflação de dois dígitos para o centro da meta. Difícil repetir o feito. O mundo não está ajudando e há muitas escolhas erradas sendo feitas neste momento, como o aumento forte das despesas.

— Este ano o gasto primário está aumentando 5%, já descontada a inflação. Uma despesa de 5% real maior do que no ano passado. Isso não vai ceder de uma hora para outra. Todos os componentes presentes na inflação atual estão elevando a inércia e esse quadro fiscal é um desses componentes — disse Ana Paula em uma entrevista que me concedeu na Globonews.

Há fatores que são transitórios e são eles que farão um mês de maio muito melhor do que o de abril. Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco Alfa, me disse que os preços dos produtos in natura devem cair.

— Uma análise de 22 anos mostra que só em dois anos esses preços não tiveram queda em maio. São hortaliças, verduras, tubérculos, raízes, legumes, frutas e ovos. Esse grupo no mês de abril subiu 2,49% e fechou o primeiro quadrimestre em 27,67% de alta — explicou.

Em maio deve ceder. Haverá ainda o impacto da eliminação da tarifa extra de energia, que já ajudou um pouco em abril, mas afetará mais o índice de maio. Então, o mês que estamos vivendo terá bons números.

É o que acredita também o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC do Rio. Ele projeta 0,35%. Não será tão baixo nos meses seguintes. Os economistas, em geral, projetam número abaixo de 10% para o fechamento do ano, mas o índice só cairá abaixo de 10% em setembro, ou seja, teremos um ano de inflação de dois dígitos.
Os próprios economistas brincam com o fato de que suas previsões de pico da inflação têm sido derrubadas pelos fatos. “É o pico móvel”, diz Leal. Mas quedas eventuais aliviam e não resolvem o problema. E não adianta coisa alguma esse espetaculoso corte de cabeças na área energética executado por Bolsonaro. Ele derrubou ontem o ministro das Minas e Energia, depois de duas demissões na presidência da Petrobras. Faz isso como truque, para usar no palanque. Da mesma forma é bravata o novo ministro Adolfo Sachsida falar em privatização da Petrobras, a menos de cinco meses das eleições, depois de um mandato que nada realizou nessa área.

O que tem acontecido de real é que o governo alimenta a inflação futura com aumento de gastos, concessões a lobbies e crise institucional criada pelo presidente. Têm sido tomadas decisões estranhas e inflacionárias. No setor elétrico, o que as fontes comentam o tempo todo é a maluquice que ocorre no setor de gás.

Para beneficiar um empresário o governo está tomando decisões que vão custar caro ao Brasil por vários anos. O jabuti que o Congresso prepara para a construção dos gasodutos é uma história cercada de erros desde o início. A partir dos anos 90, o empresário Carlos Suárez conquistou o direito de ser distribuidor exclusivo de gás em vários estados do país, em parceria com a União e governos estaduais. Nos estados onde não há gás, as suas concessões e empresas não têm valor, porque simplesmente não operam. Por isso, ele tenta viabilizar esses projetos. Se os gasodutos forem construídos, suas empresas irão se valorizar.

No projeto da Eletrobras foram enfiados os jabutis prevendo a construção de termelétricas longe dos centros produtores. Agora o proposta é garantir a construção do gasoduto. O custo pode chegar a R$ 100 bilhões. Quem pagará será o consumidor ou o contribuinte. E depois certamente virá o jabuti das linhas de transmissões. Em resumo, este governo não satisfeito em alimentar a inflação de hoje, planta a inflação futura. E o passado nos ensina a não conviver com esse risco.

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