terça-feira, 17 de maio de 2022

Míriam Leitão: O presidente em parafuso

O Globo

Os preços dos combustíveis continuarão subindo, e tudo o que Bolsonaro tem feito serve apenas para enganar. A liminar no Supremo contra os estados pode ser um tiro pela culatra. As cotações podem subir em vez de cair. Usar o Cade para combater os preços altos é não entender a função do órgão. Ameaçar mais uma vez intervir na Petrobras resulta em nada. Afinal, já foram degolados dois presidentes da empresa e o ministro das Minas e Energia.

A elevação dos combustíveis é um nervo exposto para Bolsonaro. E está no conjunto de notícias que mais incômodo está causando ao presidente, a inflação. Ele se debate, ataca, tenta jogar a culpa sobre terceiros, porque sabe que isso tira a popularidade e não sabe o que fazer. Ontem foi um dia em que ele esteve particularmente desnorteado. Distorceu fatos históricos e presentes, disse que não disse o que sempre disse, e no fim ameaçou com uma “eleição conturbada”. Claro que Bolsonaro busca aquilo com o qual sonhou, dar um golpe que elimine os limites aos seus poderes. Em alguns países, governantes assim tiveram sucesso. Portanto, o mais arriscado que se pode fazer agora é não ver os sinais gritantes de um ser grotescamente autoritário investindo contra a democracia.

Na economia, seus rugidos até agora nada resolveram. Os combustíveis sobem conforme os preços do petróleo e a cotação do dólar. O petróleo está muito volátil e ontem bateu em US$ 114. O dólar está instável também, mas pelo menos o resultado desde o começo do ano continua negativo.

Os estados já congelaram o valor do ICMS. Desde novembro. De lá para cá, o preço de revenda do diesel disparou 27% nas bombas. O número mostra que o imposto estadual é apenas o bode expiatório de Bolsonaro. No período, o dólar caiu 11% — já esteve em queda de quase 20%. O petróleo saltou 34%, com a guerra da Ucrânia.

Os secretários de Fazenda estaduais acham que o ministro André Mendonça, do STF, deu um tiro no pé ao atender pedido da AGU que derrubou a regulamentação da alíquota única. Eles dizem que, ao contrário do que o governo deseja, os impostos vão subir no Distrito Federal e em 25 dos 26 estados da federação, a partir de julho, com reflexo no preço dos produtos. É que eles estabeleceram um valor único para todo o país, mas permitiram descontos. Se tiverem que seguir a liminar do ministro André Mendonça vão eliminar os descontos. Os preços subirão. É o que explica o diretor-institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz), André Horta.

—O ICMS está congelado desde novembro e continuará assim até o final de junho. A partir de julho entraria em vigor a determinação do Comsefaz, com a cobrança de R$ 1,006 por litro, mas com descontos em cada estado, para não haver aumento de carga. Se os descontos caírem, a tributação vai subir. Avalio que o governo não se deu conta do que fez — disse.

No Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a entrevista do diretor-superintendente, Alexandre Barreto, à “Folha”, dissolveu a ilusão que o governo tentou criar, de que o Cade poderia enquadrar a Petrobras. O órgão não controla preços. A defesa da concorrência muito provavelmente seria invocada se a Petrobras mantivesse preços artificialmente baixos, porque isso eliminaria os competidores.

Bolsonaro colhe o que plantou na economia. O mundo inteiro está em crise, é verdade. Mas aqui tudo foi muito mais penoso. Na pandemia, ele poderia até crescer como governante, se fizesse esforço para unificar o país contra o inimigo comum. Mas ele abriu guerra contra os governos estaduais, as prefeituras, o Judiciário, a imprensa, a Saúde, as vacinas. A ideia que ele perseguiu de forma obsessiva, de que era preciso abrir a economia a qualquer preço em vidas humanas, não teve apoio no país. Não usou máscaras, e os brasileiros usaram. Bombardeou as vacinas, e as pessoas se vacinaram. Ataca a democracia, e a maioria dos brasileiros a defende. Esse tumulto que é o governo Bolsonaro espalhou incertezas na economia. Essa incerteza atingiu a inflação, o emprego, os investimentos, o crescimento, as expectativas. O Brasil vai crescer menos que os emergentes, que os países desenvolvidos, que o mundo. A inflação é uma das mais altas do mundo. É contra isso que ele esbraveja cada vez mais alto. Ele grita e roda em torno de si mesmo. É um presidente em parafuso.

 

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