domingo, 1 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Brasil precisa dar prioridade ao setor de turismo

O Globo

Outrora chamado de “indústria sem chaminé”, o turismo tem reagido com rapidez às mudanças na economia. Impactado pela pandemia, amargou contração a partir de 2019. Com o recuo do coronavírus, já tem demonstrado grande poder de reação, mesmo com a economia em marcha lenta. Mereceria maior atenção dos governos e dos políticos.

De acordo com reportagem do GLOBO, o faturamento do setor em 2021 foi de R$ 7,1 bilhões — 77% acima de 2020, embora 44% abaixo de 2019, antes do coronavírus. Em viagens, porém, as operadoras já fizeram 7,4 milhões de embarques no ano passado, ou 14,2% mais que em 2019. E, no primeiro trimestre deste ano, as receitas foram 25% superiores à do mesmo período do ano passado. A previsão é chegar a 60% de crescimento em 2022, retornando ao nível anterior à pandemia.

A volta do turista já é visível em cidades como o Rio. Ainda que o carnaval tenha se resumido ao desfile das escolas de samba, um levantamento da indústria hoteleira constatou que o Rio recuperou 60% dos turistas estrangeiros em relação a 2021. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) revelou que, entre julho de 2020 e fevereiro passado, metade das cidades que mais abriram vagas de trabalho tem o turismo como principal atividade. A oferta de empregos cresceu 52% em Porto Seguro (BA), 31% em Gramado (RS) e 39% em Araruama (RJ). Ao todo, o turismo gera cerca de 7 milhões de empregos no país.

É verdade que a recuperação tem sido sustentada pelo turismo doméstico, que representou 96% dos destinos, segundo a associação Braztoa, que reúne operadoras do setor. Sobretudo, faltam um trabalho consistente de divulgação do Brasil no exterior, maior oferta de voos internacionais e a expansão da estrutura de turismo receptivo para acolher os estrangeiros.

O governo argumenta que a promoção do Brasil tem crescido. A Embratur lançou uma campanha nos Estados Unidos, prevê ações similares na Europa e na América Latina e afirma dispor de mais de R$ 100 milhões para promover o país (eram R$ 30 milhões em 2019). Numa parceria com o Sebrae, o valor investido na promoção internacional do Brasil promete chegar a R$ 200 milhões. Nos três primeiros meses de 2022, mais de 530 mil estrangeiros desembarcaram no país.É pouco ante os 6 milhões de visitantes anuais que já acolhemos — e pouquíssimo se levarmos em conta que só Londres ou Paris recebem, cada uma, entre 15 milhões e 20 milhões de visitantes anuais.

O turismo precisa de políticas próprias articuladas nos planos federal, estadual e municipal para continuar a gerar empregos em hotéis, restaurantes, bares, transporte, comércio etc. A oportunidade é enorme. O Brasil deveria divulgar uma imagem centrada em seus recursos naturais, por meio de campanhas relacionadas à ecologia e ao meio ambiente.

Com o recuo da pandemia, o momento é propício a uma grande campanha no exterior para atrair turistas. Há ainda ramos específicos a explorar, como eventos, congressos ou viagens corporativas. No Brasil, nem há reembolso de impostos ao turista que compra produtos aqui, comum noutros países. Um projeto de lei tenta criar mais esse incentivo, mas não tramita com a velocidade necessária. Num país como o Brasil, com suas belezas naturais e cultura de acolhimento, não dá mais para tolerar o descaso.

Sob Bolsonaro, diplomacia brasileira se isolou nos fóruns do continente

O Globo

Dias atrás o Brasil voltou a passar vergonha num fórum internacional. Foi em Santiago, no Chile, na Conferência das Partes do Acordo de Escazú, que vincula os direitos humanos ao meio ambiente e garante acesso a informações e à Justiça nas questões que envolvam o tema. Firmado em 2018 na Costa Rica por países caribenhos e latino-americanos, entre os quais o Brasil, o acordo se tornou tabu para o presidente Jair Bolsonaro. Nem foi remetido ao Congresso para ratificação. Eis o motivo para, no encontro, o Brasil cumprir o papel aviltante de simples “observador”.

Não se tem notícia de conferência multilateral no continente em que o Brasil não tenha exercido, quando não a liderança pela importância regional, ao menos certo protagonismo. Ainda mais nas questões ambientais, por abrigar 60% da Amazônia. Por ironia, o Itamaraty fora uma das chancelarias que mais contribuíram para a formulação do acordo na Costa Rica.

Tristemente, o que se viu no Chile tem se tornado um padrão. O isolacionismo brasileiro cresce no continente em razão da mistura sem cabimento que o governo faz entre o interesse nacional e a ideologia. Não é por acaso que, à medida que vão sendo eleitos presidentes de esquerda — como Gabriel Boric no próprio Chile, Pedro Castillo no Peru ou Alberto Fernández na Argentina —, o Brasil perde liderança, encolhe e se isola.

Bolsonaro despachou o vice, Hamilton Mourão, para as posses de Boric e Castillo, sinal de que deseja manter distância dos dois. Fernández, um peronista de esquerda, assumiu a Casa Rosada no final de 2019. Levou meses até as diplomacias brasileira e argentina abrirem um canal de comunicação entre os presidentes dos países mais relevantes do continente, sócios-fundadores do Mercosul, cujas economias já funcionam de modo integrado. Sob o então chanceler Ernesto Araújo, veículo da ideologização do Itamaraty, as estruturas profissionais das diplomacias de ambos os lados tinham de se esforçar para manter contato.

Bolsonaro querer distância do vizinho mais importante é um equívoco político-diplomático sem tamanho, que se soma à postura negativa diante de um continente que precisa se integrar para se desenvolver — e onde tudo depende do tamanho e do peso geopolítico do Brasil.

Com a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro ficou sem interlocução importante nos dois hemisférios. Na reta final de seu mandato, a diplomacia bolsonarista deixa para a História uma viagem inconsequente a Moscou, nas vésperas da invasão da Ucrânia pela Rússia, uma rematada insensatez. Com escala em Budapeste para visitar o ultradireitista Viktor Orbán, com quem mantém afinidade ideológica.

O que está em jogo, contudo, não é ideologia, mas bom senso. O desserviço de Bolsonaro não se limita ao dano de imagem ou à vergonha em fóruns como o de Santiago. Resulta também em perda de oportunidades de negócios. Os prejuízos causados pelo bolsonarismo são amplos.

Redução de danos

Folha de S. Paulo

Cassação e inelegibilidade de Daniel Silveira, sem prisão, é o melhor desfecho

Uma democracia funcional é um organismo político complexo, em que diversos agentes exercem papéis específicos para que o regime produza seus generosos resultados.

Já o arbítrio é embaralhado. A ditadura brasileira até 1985 mandava no Executivo e também em assuntos do Judiciário e do Legislativo. Interessa apenas aos nostálgicos daqueles tempos, entre eles o presidente Jair Bolsonaro (PL), o retorno a um regime de exceção.

Pela Constituição de 1988, não é preciso improviso nem negociações subterrâneas entre próceres da República para solucionar problemas como o do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Basta que cada um atue dentro de sua competência e que se apliquem as leis.

O Supremo Tribunal Federal condenou Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa, por ameaçar a institucionalidade democrática —uma pena que soa exagerada. Acertou ao determinar a perda do mandato e a inelegibilidade.

Bolsonaro escolheu aviltar o instituto da graça quando indultou o apaniguado como meio de provocar o STF. Carregará a atitude vergonhosa pelo restante de sua vida pública, mas, do ponto de vista das regras do jogo, mobilizou um poder conferido expressamente ao presidente da República pela Carta.

O poder, que fique bem claro, limita-se à suspensão da pena do condenado, mas não se sobrepõe à palavra final do Supremo Tribunal. A graça não anula a condenação de Silveira, que perderá a condição de réu primário.

Caberá à Câmara dos Deputados proceder à correta cassação do mandato, em votação pelo plenário, consequência direta do trânsito em julgado da condenação. Já à Justiça Eleitoral cumpre bloquear, pelos próximos oito anos, quaisquer tentativas de Daniel Silveira de candidatar-se a cargo político, como reza a Lei da Ficha Limpa.

A esta altura, trata-se do melhor desfecho possível para o caso —e o Supremo fará bem em concorrer para tanto. Em suma, o deputado brutamontes não deverá cumprir a pena de prisão, mas estará sujeito a todos os demais efeitos do reconhecimento, pela mais alta corte do país, do crime que cometeu.

O que Jair Bolsonaro quis transformar numa conflagração entre Poderes dispõe na verdade de um encaminhamento relativamente simples pelas instâncias regulares do Estado democrático de Direito.

O presidente busca o conflito e açula seus seguidores porque quer semear uma tempestade nas eleições de outubro. Reagir com firmeza —mas também com frieza— serve para mostrar a Bolsonaro que o seu poder tem limites.

Conduzir as eleições, por exemplo, não é assunto do presidente da República, mas única e exclusivamente do Poder Judiciário.

Brasil deprimido

Folha de S. Paulo

Pandemia e queda de preconceito são hipóteses para alta de registros de doença

Se não chega a surpreender, é de consternar o anúncio de que casos de depressão estão em alta no Brasil. Nada menos que 11,3% dos que aqui vivem, mais de 24 milhões de pessoas, relatam diagnóstico médico desse transtorno mental.

Aferiu-se o dado na versão 2021 da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, segundo reportou o jornal O Estado de S. Paulo. Antes se conheciam 10% de prevalência, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019; em 2013, eram 7,6%.

A estatística ultrapassa aquilo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra para o Brasil, 5,3%. Supera, também, a proporção de casos nos Estados Unidos, de 8,4% da população acima de 18 anos (critérios díspares, contudo, podem prejudicar a comparação).

De toda maneira, constata-se número elevado e crescente de brasileiros padecendo de uma doença que pode ser incapacitante. De acordo com a OMS, a depressão está entre as principais causas de faltas no trabalho e, ao lado da ansiedade, provoca prejuízo econômico mundial de US$ 1 trilhão anual.

As causas do crescimento aparente, aqui, não são triviais de elucidar. Perdas de pessoas próximas, emprego e renda durante a pandemia de Covid-19 surgem como principais suspeitos.

A Vigitel apontou ainda aumento no abuso de álcool, que atinge 18,3% da população, e restrição da atividade física (48,2% exercitam-se menos do que seria desejável). Ambos os fatores contribuem para depressões e também podem derivar da pandemia.

Por fim, e paradoxalmente, não se exclui que parte da alta resulte de fenômeno sociocultural positivo: redução do preconceito. Hoje soa menos constrangedor admitir-se deprimido e buscar tratamento, levando ao acréscimo de registros.

Tampouco se descarta que haja erros de diagnóstico. Por falta de treinamento ou especialização, alguns médicos podem estar identificando a patologia de modo equivocado, tratando como doenças o que talvez não sejam mais que infelicidades cotidianas e medicando-as de forma precipitada.

Psiquiatria e farmacologia enfrentaram dificuldades para chegar a novas classes de medicamentos. Surge alguma esperança com substâncias psicodélicas, como a psilocibina de cogumelos, mas ainda há longo caminho até que se comprovem seguros e eficazes.

O Congresso tem prerrogativas – e deveres

O Estado de S. Paulo

Cabe ao Congresso dar a palavra final sobre a cassação de parlamentar em caso de condenação criminal. Mas essa competência não é autorização para a omissão

Na terça-feira passada, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defenderam que cabe ao Poder Legislativo dar a palavra final sobre a cassação de parlamentares. Eles têm razão. A Constituição de 1988 é cristalina a esse respeito.

Entre as hipóteses de perda de mandato, o art. 55 da Constituição elenca a “condenação criminal em sentença transitada em julgado” (inciso VI). E, dois parágrafos adiante, dispõe: “Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.

Não há dúvidas. Em caso de condenação criminal, a palavra final é da respectiva Casa legislativa, exigindo, para a cassação, concordância da maioria absoluta de deputados ou senadores. Na redação original, o texto estabelecia ainda que a votação devia ser secreta. A Emenda Constitucional (EC) 76/2013 retirou essa exigência.

A proteção constitucional do mandato parlamentar, que a alguns pode soar excessiva, tem um sentido genuinamente democrático. Uma das primeiras medidas impostas por ditaduras é a cassação de parlamentares: às vezes, diretamente, sem nenhum pudor; outras, por meio de processos judiciais enviesados e parciais, cuja função é dar aparência de legalidade aos desmandos do regime ditatorial. Por isso, Constituições democráticas são muito cuidadosas na definição das prerrogativas do Legislativo.

O sentido dessas garantias não tem nada de imoral ou antirrepublicano, como se fosse uma concessão à impunidade ou uma legislação em causa própria. É proteção da vontade da população, que escolheu aquelas pessoas para representá-la no Congresso. Mudar a composição da Câmara ou do Senado é algo muito sério.

Dessa forma – e tendo diante de si o histórico de cassações de parlamentares durante o regime militar –, a Assembleia Constituinte previu, no art. 55, de forma taxativa, seis hipóteses de perda de mandato. Também fixou procedimento específico para (i) descumprimento das proibições referentes ao cargo de parlamentar, (ii) quebra de decoro e (iii) condenação criminal transitada em julgado. Nos três casos, a cassação deve ser decidida pela Câmara ou pelo Senado. Não é o Judiciário que decide.

Os presidentes do Senado e da Câmara exercem, portanto, seu estrito papel institucional de defesa das prerrogativas do Congresso quando afirmam que compete ao Legislativo dar a palavra final sobre cassação de parlamentar em caso de condenação criminal ou de quebra de decoro. Mas há um ponto importante que eles não disseram: essa competência privativa do Congresso não é autorização para a omissão.

Quando a Constituição define que condenação criminal transitada em julgado é hipótese de perda de mandato significa que tal situação penal é incompatível com a função pública de parlamentar. Não cabe, assim, ao Congresso postergar a análise desses casos, como se dispusesse de uma atribuição institucional absolutamente desprovida de responsabilidade. Agir dessa forma seria desfigurar o próprio sentido da prerrogativa constitucional, que não é facilitar a impunidade, mas preservar a inviolabilidade do mandato parlamentar segundo os parâmetros definidos pela própria Constituição.

No sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, se o Legislativo habitualmente não cumpre seus deveres constitucionais – por exemplo, o de cassar o mandato de parlamentares que ostensiva e repetidamente quebram o decoro parlamentar –, os outros Poderes, em particular, o Judiciário, serão instados a agir. Logicamente, isso não autoriza que a Justiça ignore os limites de suas competências. Mas é preciso admitir também a ocorrência, especialmente num sistema cujos limites muitas vezes não são linhas precisas, da atuação supletiva de um Poder perante a omissão de outro.

A melhor defesa que o Congresso pode fazer de suas prerrogativas é cumprir seus deveres. O efeito é imediato.

O legado desastroso das obras paradas

O Estado de S. Paulo

Os projetos paralisados, que poderiam significar melhora nas condições de vida da população, são monumentos à incompetência e, às vezes, ao saque dos cofres públicos

Quase 7 mil obras paralisadas, vinculadas a investimentos de R$ 9,32 bilhões, foram identificadas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). São 6.932 projetos inacabados de escolas, unidades de saúde, iluminação, saneamento e pavimentação de estradas. Bem aplicado, esse dinheiro produziria prosperidade e melhores condições de vida para milhões de pessoas. Com a paralisação das obras, perdem-se tanto as verbas desembolsadas quanto seus benefícios potenciais. Condenável em qualquer país, esse desperdício é especialmente grave numa economia ainda em desenvolvimento, com recursos públicos muito escassos e com enormes carências e desigualdades sociais.

Milhares de projetos federais também estão interrompidos ou abandonados. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em 38,4 mil projetos cadastrados até 2018 revelou 14,4 mil obras paralisadas. Mas as perdas por interrupção dos trabalhos podem ser muito maiores. Em outubro de 2021, 34 mil obras federais interrompidas foram mencionadas pelo deputado federal Paulo Azi (DEM-BA), indicado, na ocasião, para presidir o Comitê de Avaliação de Obras Paralisadas do Brasil. Vários fatores, observou o deputado, poderiam explicar a interrupção dos projetos. Entre esses, acrescentou, seria preciso incluir o encarecimento, durante a pandemia, de produtos como o cimento e o aço.

Bem antes da covid-19, no entanto, obras paralisadas ou muito atrasadas já eram citadas na imprensa e em discussões públicas. Irregularidades e aumentos de custos foram apontados várias vezes como causas principais, mas seria possível indicar fatores – provavelmente mais importantes – de natureza política e administrativa.

Milhares de obras atrasadas e até paralisadas são sinais sugestivos de má administração, resultante de mera incompetência ou, nos casos mais escandalosos, de licitações e contratações conduzidas de forma irregular. É fácil pensar em projetos mal preparados, mal executados e desacompanhados de supervisão e fiscalização pelos órgãos da área. Corrupção é uma hipótese favorecida pela experiência brasileira. Falhas na definição de prioridades e na programação de recursos financeiros são problemas evidentes quando vários trabalhos são conduzidos ao mesmo tempo e abandonados, ou apenas interrompidos, por falta de dinheiro.

Fala-se muito em complicações legais e em dificuldades burocráticas, mas esses problemas são menos importantes do que podem parecer. Com as mesmas limitações legais, diferentes administrações, nos níveis federal, estadual e municipal, mostraram resultados muito diferentes na elaboração de planos, na preparação de programas e na execução de investimentos.

Governos sérios e competentes levam em conta as limitações financeiras e trabalham selecionando e escalonando objetivos. Entregam 10 escolas, em vez de deixar 20 inacabadas. Entregam uma estrada em condições de uso pelo menos parcial, em vez de deixar – como ocorreu várias vezes – longos trechos desconectados e sem uso possível. Obras nessas condições podem ser lucrativas para algumas empreiteiras e, talvez, para alguns funcionários e algumas autoridades. Para todos os demais, são um grave e escandaloso desperdício de recursos e de oportunidades.

Há outras formas, até rotineiras, de malbaratar dinheiro público. Emendas parlamentares de alcance paroquial podem beneficiar bases políticas de congressistas, mas a conta é debitada a todos os brasileiros. Aplicado de acordo com objetivos estratégicos nacionais, esse dinheiro poderia produzir ganhos muito maiores. Mas essa preocupação está longe de ser dominante na tramitação do projeto orçamentário. Além disso, objetivos estratégicos são definidos por meio de planejamento, uma atividade estranha ao Executivo federal desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Sem plano e sem uma carteira de obras digna de consideração, o presidente e sua equipe deixarão pelo menos um legado positivo para quem vier em seguida: ninguém terá muito trabalho com obras inacabadas da gestão Bolsonaro.

A conta sempre chega

O Estado de S. Paulo

Subsídios na conta de luz superam R$ 32 bilhões; consumidor paga o custo. Congresso e Aneel lavam as mãos

O alívio durou pouco. Três semanas depois do anúncio do retorno da bandeira verde nas contas de luz, os consumidores ficaram sabendo que terão de arcar com nada menos que R$ 32,1 bilhões em subsídios embutidos nas tarifas. O valor contribuirá para aumentar as faturas em até 5%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). É importante esclarecer que os subsídios são apenas um dos vários componentes das tarifas. A tendência é que os reajustes anuais aplicados pelas distribuidoras atinjam 18% neste ano.

Da forma como foram regulamentados, os subsídios se tornaram uma maneira perversa de cobrar do consumidor o custeio das políticas públicas do setor elétrico. Diferentemente do Orçamento, não há nenhum teto para manter essas despesas em um nível civilizado. A vantagem, para o governo, é repassar às tarifas um custo que deveria vir por meio do aumento de impostos, além de deixar o desgaste dos reajustes com as distribuidoras.

Não há segredo: se alguém tem direito a um desconto na tarifa, esse custo necessariamente será repassado a outro consumidor. É o caso de algumas fontes renováveis, em que há subsídio tanto para quem produz quanto para quem compra. Clientes de áreas rurais também pagam proporcionalmente pouco, e agricultores que fazem uso de irrigação, ainda menos. A conta de luz banca até mesmo o carvão das usinas no Sul e, com a alta dos preços do diesel e óleo combustível, terá de arrecadar quase R$ 12 bilhões para custear o combustível de termoelétricas em locais desconectados do sistema de transmissão.

Talvez o único subsídio defensável na conta de luz seja a Tarifa Social, que confere descontos a famílias de baixa renda. Ao desburocratizar o acesso ao programa, algo mais do que necessário, o governo colheu os louros, mas quem vai pagar é o consumidor. Com o empobrecimento da população, cada vez mais famílias fazem jus ao benefício, e o custo do programa saiu de R$ 3,7 bilhões em 2021 para R$ 5,4 bilhões neste ano.

Todos esses valores deveriam servir como freio para a expansão dos subsídios, mas o que a sociedade vê é justamente o contrário. Foi o Congresso, com anuência do governo, que garantiu a maioria desses descontos em lei, e há inúmeras propostas para expandir ainda mais os grupos de beneficiários. Sem tecer críticas a essas iniciativas, a Aneel tem abdicado de fazer o mínimo, que é calcular o custo dessas medidas antes que elas cheguem ao plenário.

Pior: com a autorização para empréstimos bilionários e o uso de recursos de fundos de pesquisa e desenvolvimento do setor, a agência promoveu verdadeiras pedaladas para garantir reajustes de um dígito em 2021. Agora, a conta começou a chegar. Vale lembrar que o consumidor nem começou a pagar pelo subsídio aprovado no ano passado para quem tem painéis fotovoltaicos, pela energia de Angra 3, que será uma das mais caras de todo o parque gerador, pelas termoelétricas em locais sem reservas de gás nem gasodutos e pelo improvisado leilão emergencial realizado para evitar um racionamento. 

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