quinta-feira, 26 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Reduzir letalidade nas ações é dever da polícia do Rio

O Globo

Pouco mais de um ano depois da operação na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, que deixou 28 mortos em 6 de maio de 2021 e se tornou a mais letal na história do estado, a polícia fluminense, em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), realizou uma incursão na Vila Cruzeiro que resultou na segunda mais letal em seu rol interminável de confrontos: ao menos 25 mortos, entre eles uma moradora. Por mais que se saiba que as comunidades estão dominadas por facções criminosas que traficam, matam, roubam e exploram moradores, não há argumento plausível que justifique operações tão sangrentas. Lamentavelmente, o caso é um retrocesso diante da recente recuperação dos indicadores de violência no Rio.

A Polícia Militar (PM) afirmou que a operação, que começou na madrugada de terça-feira, teve por objetivo prender traficantes que se dirigiam à favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, onde se encontrariam com outro grupo. Ainda segundo a PM, a Vila Cruzeiro, no conjunto de favelas da Penha, se tornara refúgio para traficantes de todas as regiões do país. A participação da PRF, em tese responsável pelo policiamento nas rodovias federais, deveu-se a quadrilhas locais atuarem no roubo de cargas nas estradas de acesso ao Rio.

É evidente que as ações policiais são necessárias, especialmente quando se sabe que grandes extensões do território fluminense são controladas por quadrilhas de traficantes e milicianos, que se aproveitam da dificuldade de acesso às comunidades e da omissão do Estado para estabelecer seus impérios do crime, impor um poder paralelo e subjugar a população. O poder público tem obrigação de combater essa anomia. Mas não é com operações espalhafatosas de efeitos práticos duvidosos e altamente letais que vencerá a guerra contra o crime. Pergunta óbvia: o tráfico arredou pé da Vila Cruzeiro depois da incursão sangrenta de terça-feira?

Na tentativa de tirar proveito político do episódio lamentável, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou a operação e saudou os “guerreiros” do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite da PM fluminense. Pois nem a própria PM considerou a operação “exitosa”, embora tenha enfatizado que era necessária. Não se pode ignorar que essas ações, feitas com blindados e saraivadas de tiros, afetam dramaticamente o cotidiano das comunidades. Uma manicure morreu baleada na porta de casa, numa favela vizinha à Vila Cruzeiro. Escolas e postos de saúde tiveram de ser fechados. Moradores ficaram reféns dentro de casa, sem poder sair para trabalhar.

O governo fluminense precisa urgentemente reduzir as mortes nessas operações. A polícia do Rio continua a ser uma das mais letais do país. Instado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o estado apresentou em março um plano para recuperar os indicadores de letalidade policial, mas o morticínio de Vila Cruzeiro deverá provavelmente pôr a perder a melhora recente nos números.

Em que pesem a falta de metas e prazos e a ausência de participação da sociedade civil na elaboração da proposta do governo, ela pelo menos representa um compromisso de mudar a situação. É dever do estado combater a criminalidade, mas com operações que privilegiem a inteligência, o planejamento, a tecnologia e a cooperação entre as forças de segurança. Ações desastradas e letais como a da Vila Cruzeiro só contribuem para aumentar a violência.

É inaceitável a censura a pesquisas imposta pelo novo Código Eleitoral

O Globo


É certeira a carta aberta divulgada na terça-feira por entidades da sociedade civil condenando os “aspectos gravemente controversos” do projeto de alteração do Código Eleitoral aprovado pela Câmara no ano passado, que deverá ser analisado em breve no Senado. O principal deles é a censura imposta às pesquisas eleitorais.

A carta, endossada por entidades como Transparência Brasil, Instituto Ethos e Associação Contas Abertas, afirma que as mudanças propostas têm potencial para afetar “temas como acesso a informação de interesse público, transparência, integridade e financiamento partidário”. Todos os senadores, não apenas os que já se declararam críticos a mudanças, deveriam atentar para as falhas e derrubá-las do projeto.

O absurdo não está somente na ideia de censurar a divulgação de pesquisas eleitorais no dia do pleito e na véspera. Há ainda uma estapafúrdia imposição de exigir a comunicação do percentual de acertos das pesquisas realizadas pela empresa nas cinco eleições anteriores, um conceito sem nenhum sentido científico ou estatístico. Pesquisas são retratos de um momento, não uma previsão do que de fato será depositado nas urnas. Por isso a exigência de um “grau de acerto” não passa de bobagem. Órgãos de imprensa e formadores de opinião sérios usam dados dos institutos com as metodologias mais sólidas. Os parlamentares deveriam considerar que o eleitor é maduro e inteligente o bastante para entender isso.

É também descabido o argumento de que é preciso restringir o acesso do eleitor às pesquisas porque os resultados podem ajudar a definir o voto até a última hora. O eleitor tem o direito de ser informado na véspera justamente para poder tomar a melhor decisão possível sobre em quem votar. Países em que existe um período de silêncio não têm necessariamente um sistema mais justo.

Não seria loucura achar que a proposta de novas regras para as pesquisas tenha sido concebida para que houvesse pressão popular e que, diante disso, ela fosse descartada, deixando ilesos dispositivos do novo Código Eleitoral igualmente ou até mais preocupantes.

Pelo texto aprovado na Câmara, as regras para fiscalização e punição em caso de mau uso de verbas públicas ficariam mais brandas. Multas a partidos por gastos irregulares seriam de no máximo R$ 30 mil, e não 20% do valor como hoje. O prazo para a Justiça analisar a prestação de contas de partidos e candidatos cairia de cinco para três anos, favorecendo a prescrição dos crimes. Restrições ao uso do dinheiro do fundo partidário também cairiam.

O Congresso Nacional passaria a ter o poder de cassar as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que considere exorbitar os limites e atribuições previstos em lei — intromissão descabida do Legislativo no Judiciário. Por fim, o período de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa passaria a contar a partir da condenação, não do cumprimento da pena, outro absurdo que favorece os criminosos.

Tudo isso precisa ser revisto — a começar pela censura às pesquisas eleitorais, simplesmente inaceitável.

Tragédia policial

Folha de S. Paulo

Rio assiste a novo morticínio; políticas de segurança precisam de reorientação

Em mais uma trágica operação policial deflagrada em comunidades do Rio de Janeiro, forças de segurança do estado, em colaboração com a Polícia Rodoviária Federal, se envolveram em um confronto armado de grandes proporções, que já resultou em ao menos 25 mortes.

Encontram-se entre as vítimas uma mulher, que foi alvejada em sua casa, e um menor de idade. Nenhum agente foi atingido.

A mortandade teve lugar na Vila Cruzeiro, na zona norte da capital fluminense, que se torna, até aqui, o palco da segunda incursão mais letal da história recente do Rio, atrás apenas do que se viu no Jacarezinho, onde há pouco mais de um ano outra ação catastrófica deixou um saldo de 28 óbitos.

A rotina de enfrentamentos armados entre policiais e quadrilhas que atuam no varejo do tráfico de drogas e em outras atividades ilícitas tem se revelado não apenas macabra, mas ineficaz. Os morticínios se repetem e nada muda.

Os moradores das comunidades continuam oprimidos por criminosos e pela violência policial, as facções se fortalecem e o comércio de entorpecentes permanece ativo.

Não é de hoje que especialistas da área da segurança clamam por mudanças nas políticas públicas, de maneira a privilegiar ações de inteligência e rever o proibicionismo cego da guerra às drogas.

De pouco adianta policiais e autoridades alegarem que o Estado enfrenta grupos fortemente armados se pouco fazem de efetivo para cercear o tráfico de armas —e, pior, incentivam a livre circulação dos artefatos, uma das obsessões de Jair Bolsonaro (PL).

Não espanta, aliás, que o mandatário, sempre a cultivar afinidades com as forças de segurança, tenha elogiado a operação funesta.

Note-se que o desastre da Vila Cruzeiro foi anunciado como uma ação de inteligência, com o objetivo de surpreender um comboio do crime —e estaria sendo planejada há quatro meses.

A preocupação da sociedade com a criminalidade é mais do que justificada, mas o debate público não pode ser degradado ao ponto de menosprezar afrontas em potencial a alicerces do Estado de Direito.

Um dos países mais violentos do mundo, o Brasil enfrenta há décadas graves problemas na área de segurança. Nem todos dependem, para serem mitigados, de reformulações estruturais.

Por vezes medidas simples, como a instalação de câmeras nos uniformes policiais, produzem resultados notáveis. Em São Paulo, tal procedimento tem reduzido a letalidade policial. No Rio, embora legislação nesse sentido tenha sido aprovada, o programa está atrasado. É negligência que custa vidas.

Versões e fatos

Folha de S. Paulo

Moro e Lava Jato cometeram erros, mas corrupção em governos petistas foi real

O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) se tornou réu numa despropositada ação popular em que se pede ressarcimento aos cofres públicos por prejuízos causados à Petrobras e ao país no curso da Operação Lava Jato. A iniciativa, assinada por cinco deputados petistas, parece ter objetivos mais políticos do que propriamente jurídicos.

Trata-se, como se diz em um clichê contemporâneo, de uma tentativa de controlar a narrativa sobre o envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT em casos de corrupção, tema que será fartamente explorado durante a campanha eleitoral.

A esse respeito, vale revisitar os fatos. O Supremo Tribunal Federal corretamente anulou os processos que corriam contra Lula em que o ex-juiz teve participação. Moro não se revelou um magistrado imparcial, como se soube após os vazamentos de diálogos travados com procuradores da Lava Jato.

Com isso, o líder petista recobrou seus direitos políticos e deve, para todos os efeitos, ser considerado inocente. Entretanto isso não é o mesmo que ter sido inocentado pela Justiça após exame do mérito.

Qualquer que seja o status de Lula, não há como negar que um esquema bilionário de corrupção se instalou na Petrobras sob a gestão do PT. Diversos empresários e políticos confessaram ter participado da esbórnia e devolveram parte do dinheiro desviado.

Moro e os procuradores responsáveis pela Lava Jato cometeram graves erros na condução da operação, mas daí não se pode concluir que tudo não passou de uma grande farsa. A corrupção, infelizmente, era muito real.

Outro ponto a destacar é a forma como o STF anulou os processos contra Lula. O certo teria sido enfrentar questões difíceis, mas não insolúveis, como o uso de provas em princípio ilícitas —os diálogos vazados foram obtidos por hackers, sem autorização da Justiça.

O STF, porém, preferiu atalhos. Decretou-se a parcialidade de Moro num processo que já corria, sem referência aos vazamentos. Pior, na tentativa de evitar a derrota de Moro, o ministro Edson Fachin deflagrou uma manobra desastrada, ao decidir que o foro de Curitiba não era o adequado para julgar Lula.

A maioria dos ministros o acompanhou, mas não deixou de considerar o ex-juiz parcial. Como resultado, criou-se uma avenida bem mais larga para que outros réus também pedissem anulações.

O desfecho melancólico da Lava Jato, porém, não é motivo para ignorar as revelações da operação.

Civilização e barbárie

O Estado de S. Paulo

Dezenas de mortos em nova ação policial no Rio indicam intolerável triunfo da truculência sobre a lei; Estado não pode se comportar como os criminosos que pretende combater

Uma operação policial que se presta a cumprir mandados de prisão, mas, ao final, não captura ninguém e resulta em dezenas de cadáveres sendo transportados em caçambas de caminhonetes é um desastre sob qualquer ângulo que se observe. À luz do princípio elementar do Estado Democrático de Direito, consagrado desde o preâmbulo da Constituição, não há outra forma de qualificar a operação conjunta realizada por agentes da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro, da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na manhã de terça-feira passada na Vila Cruzeiro, favela do Complexo da Penha, na zona norte do Rio. O objetivo da operação era prender chefes do Comando Vermelho de diferentes Estados que estariam escondidos na Vila Cruzeiro e que, de lá, pretendiam comandar o tráfico de drogas no País.

Tendo resultado na morte de 24 pessoas, incluindo uma mulher atingida por um tiro de fuzil dentro de casa, a operação conjunta das forças estadual e federal foi a segunda ação policial mais letal da história do Rio, atrás somente da malfadada operação da Polícia Civil realizada na Favela do Jacarezinho há apenas um ano, quando 28 pessoas foram mortas. Ao que tudo indica, nenhuma lição foi aprendida com aquela terrível experiência. Ao contrário: a aposta em uma política de segurança centrada predominantemente no confronto aberto entre policiais e traficantes foi renovada.

Chega a ser afrontosa ao Supremo Tribunal Federal (STF) a alegação da cúpula da PM do Rio de que o alto número de mortos na operação conjunta decorreu da decisão da Corte que, em 2020, restringiu as incursões policiais nas favelas do Estado por conta da pandemia de covid-19, como se operações desse tipo não fossem o eixo da atuação policial no Rio há pelo menos 30 anos.

Evidentemente, não se espera que policiais tratem com cordialidade criminosos que sempre se mostraram dispostos a praticar as maiores atrocidades, seja contra policiais e membros de facções rivais, seja contra a própria população que, aterrorizada, vive sob seu jugo em territórios ocupados. Mas uma coisa é a ação firme da polícia; outra, muito diferente, é a polícia se rebaixar ao vale-tudo do submundo do crime. Que bandidos ajam como bandidos é esperado. É intolerável, contudo, que policiais – justamente os agentes do Estado que deveriam personificar o triunfo das leis sobre a barbárie – ajam sob a mesma inspiração funesta dos criminosos.

É isso o que almejamos como sociedade? Um estado tal de permissividade em que policiais possam agir fora dos limites das leis – logo, como criminosos – a pretexto de combater a criminalidade? Há quem veja no bangue-bangue um exemplo de política de segurança pública. O presidente Jair Bolsonaro celebrou a operação policial, malgrado o objetivo legal que a ensejou aparentemente não ter sido alcançado. Fabrício Queiroz, operador das rachadinhas em gabinetes dos Bolsonaros e candidato a deputado federal pelo Rio, afirmou que os mortos na operação representam “menos 22 votos para a esquerda”.

Novamente: é essa a sociedade que queremos ser? 

É compreensível a indignação genuína dos fluminenses, em geral, e dos cariocas, em particular, com esse estado de permanente insegurança que tem marcado a vida no Rio há mais tempo do que são capazes de suportar. Os cidadãos são as maiores vítimas dos erros cometidos por sucessivos governos na área de segurança pública, erros que, em alguns momentos, resvalaram para a conivência pura e simples com o crime organizado. Os cidadãos são igualmente vítimas da guerra sui generis travada entre policiais e criminosos, um combate selvagem porque não raro é marcado pela sede de vingança de ambas as partes, não pelo espírito público e pelo respeito às leis que deveriam nortear o comportamento dos policiais.

Há muitas maneiras de combater o crime organizado. O confronto armado é uma delas e, em algumas situações, a ação mais indicada. Mas o que deveria ser exceção se converteu em regra, especialmente no Rio. A persistir esse modo de atuação policial, os moradores seguirão desprotegidos. Pior: se ao Estado é facultado ignorar a lei em nome da segurança pública, nenhum cidadão, a depender da circunstância, estará livre de seu arbítrio. 

Risco de fratura na economia global

O Estado de S. Paulo

Com a invasão da Ucrânia, uma crise sobre crise, ficou mais grave o perigo de fragmentação geoeonômica, adverte o FMI

Puxada pela comida e pela energia, a inflação pressiona famílias em todo o mundo – e o quadro pode piorar, adverte o Fundo Monetário Internacional (FMI), se continuar o desmonte da ordem econômica. Somada à pandemia de covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia gerou crise sobre crise, “devastando vidas, derrubando o crescimento, elevando a inflação” e agravando o risco de uma fragmentação geoeconômica, segundo análise divulgada na véspera da abertura, em Davos, da reunião do Fórum Econômico Mundial. Somente a cooperação internacional, ressalta a mensagem, poderá dar conta de problemas urgentes como a escassez de alimentos e de outros produtos, “eliminando barreiras ao crescimento e salvando o clima”.

Forças de integração triplicaram o tamanho da economia global, nas últimas três décadas, e tiraram 1,3 bilhão de pessoas da pobreza. Nesse período, assinala o documento, fluxos de capital, bens, serviços e pessoas transformaram o mundo, auxiliadas pela difusão de tecnologias e de ideias, elevando a produtividade e os padrões de vida. Destacadas no texto, as palavras “forças de integração” sintetizam esse conjunto de fatores.

Nem tudo é positivo nesse balanço. Trabalhadores foram deixados para trás, na mudança tecnológica, persistiram desigualdades entre pessoas e entre nações e a confiança na globalização nunca foi geral e irrestrita. Com a incerteza em relação às políticas comerciais, o produto mundial, em 2019, foi cerca de 1% inferior ao que poderia ter sido. A insegurança tem crescido. Desde o começo da guerra na Ucrânia, cerca de 30 países, segundo o FMI, limitaram o comércio de alimentos, de energia e de outros importantes produtos básicos.

Pessoas de todos os níveis profissionais e econômicos serão atingidas, se a desintegração do sistema global prosseguir, estimam economistas do FMI. Obstáculos têm sido criados por vários fatores, incluindo o aperto financeiro. Tudo ficará mais complicado se houver reconfiguração das cadeias de suprimento e barreiras maiores à aplicação de capitais e à transferência de tecnologias. A produtividade será afetada, a inflação subirá, a inovação será freada e haverá severos prejuízos à expansão do Produto Interno Bruto (PIB).

Para elevar a confiança no sistema global, o FMI aponta quatro prioridades: fortalecer o comércio, apoiar os países mais endividados, modernizar os pagamentos internacionais e combater a mudança climática. A questão dos pagamentos é especialmente importante por causa do enorme volume de remessas familiares. Atualmente, cerca de US$ 45 bilhões ficam nas mãos de intermediários, a cada ano, com graves perdas para milhões de famílias de baixa renda.

A cooperação no comércio envolve medidas a favor tanto de exportações quanto de importações, essenciais para aliviar ou evitar desarranjos no sistema de preços. Também os exportadores de matérias-primas agora mais caras, como alimentos e combustíveis, devem pensar nos efeitos mais amplos de suas políticas e olhar para além do curto prazo. Isso inclui, obviamente, países como Brasil, Indonésia e Argentina, além, é claro, da Rússia, embora nenhum país seja citado.

A mudança climática é descrita como um “desafio existencial” particularmente importante. É preciso urgentemente fechar a distância entre a ambição e as políticas, combinando a precificação do carbono, o investimento em fontes de energia renováveis e a compensação para quem for adversamente afetado pelas mudanças, propõe o documento.

Os desafios apontados pelo FMI já são claros e sensíveis. A inflação assola emergentes e países em desenvolvimento e atinge, no mundo rico, os níveis mais altos em quatro décadas. A produção também perde impulso. Em 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a atividade no primeiro trimestre foi 0,1% maior que nos três meses anteriores. No trimestre final de 2021 o crescimento havia sido de 1,2%. No Brasil, onde as perspectivas já eram ruins, notícias como essa deveriam impor maiores cuidados ao governo. 

Inflação acima de 10% há nove meses

O Estado de S. Paulo

Diante da alta de preços que ameaça sua reeleição, Bolsonaro mostra nervosismo; e a inflação mantém rota ascendente

Desde setembro do ano passado a inflação acumulada em 12 meses tem ficado acima de 10%. Em maio, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) – que antecipa a inflação do mês completo –, a alta foi de 12,20%, contra 12,03% em abril.

Embora há pelo menos nove meses a alta média dos preços venha corroendo a renda dos brasileiros, sobretudo os mais pobres, o ministro da Economia, Paulo Guedes, garante que o País está saindo do “inferno” inflacionário. Ao contrário de Guedes, porém, o presidente Jair Bolsonaro se deu conta recentemente de que alta acentuada e prolongada dos preços, sobretudo os de bens essenciais como alimentos e combustíveis, ameaça sua reeleição, seu único objetivo desde que assumiu o cargo. Tem demonstrado, por isso, descontrolado nervosismo com a questão.

Primeiro, tentou empurrar a culpa para outros, como costuma fazer sempre que se defronta com problemas. No caso dos combustíveis, Bolsonaro disse que a culpa era dos governadores, por causa da elevada tributação estadual. Depois, para mostrar ao eleitor que luta contra a inflação – em alta, observe, desde maio de 2020, ou seja, há dois anos –, Bolsonaro passou a tentar controlar os preços praticados pela Petrobras. Para isso, demitiu sucessivos presidentes da Petrobras por ele mesmo indicados. Agindo assim, ameaça desestruturar as finanças da empresa e, se tiver êxito, empurrará os necessários reajustes para a frente. E eles virão, quer Bolsonaro queira ou não.

Agora, por insistência de Bolsonaro, cuja única preocupação é sua reeleição, o governo promoveu o segundo corte, em pouco mais de seis meses, de 10% das tarifas de importação de mais de 6 mil itens. Embora a desoneração das importações possa fazer parte de uma agenda mais ampla e necessária de abertura da economia brasileira, o objetivo principal do presidente é conter o preço de alimentos e de materiais de construção, para, desse modo, também conter a inflação.

A medida é de caráter temporário (vale até o fim de 2023), para não ferir regras do Mercosul que exigem a aprovação de todos os seus membros para a redução permanente das tarifas de importação de bens de terceiros países. Mesmo assim, pode gerar alguma reação de outros países que fazem parte do bloco do Cone Sul.

Há, no governo, cálculos de que o corte de tarifas agora decidido poderá reduzir a inflação deste ano em até 0,50 ponto porcentual. É provável que isso não chegue ao consumidor. E, se chegar, o efeito será pouco sensível para a inflação de 2022.

Um tanto problemático para o Mercosul, de efeito muito limitado para o consumidor e para o IPCA, a medida tem, porém, impacto real e inevitável nas finanças públicas. A redução da tarifa de importação implicará queda de R$ 3,7 bilhões na arrecadação federal. Em tese, não há problema legal nem necessidade de compensação para essa renúncia de receita, pois o Imposto de Importação é considerado regulatório e não arrecadatório. Mas nem isso afasta a necessidade de ajuste das finanças federais.

Fed menciona ‘política restritiva’ sem convicção

Valor Econômico

O panorama da ata do Fed não tem tintas pessimistas, mas é pouco crível

A economia americana vai muito bem, a inflação, muito mal, e uma política “restritiva” de combate ao aumento dos preços nos Estados Unidos está no radar, mas não agora, afirma a ata da mais recente reunião do Federal Reserve, divulgada ontem. Os mercados acionários estão em queda cotidiana depois que o BC americano apontou para duas altas de 0,5 ponto percentual nos próximos encontros, mas as discussões do Comitê de Mercado aberto do banco não sinalizam nenhuma pressa em debelar a maior alta de preços em 40 anos, nem dúvidas de que será possível reduzi-la a 2% sem grandes perdas de crescimento. Não é a visão dos investidores que começa a se consolidar - para eles, uma recessão está a caminho, não só nos EUA, mas nas principais economias desenvolvidas.

A queda do ritmo do PIB no primeiro trimestre nos EUA foi um falso indicador, a julgar pela ata do Fed. A redução dos estoques e das exportações líquidas são pobres em sinalizar tendências futuras, enquanto que há indicadores sólidos de aquecimento das atividades que permanecem no horizonte. O Fed faz um longo inventário deles, o que seria suficiente para deixar a instância de política monetária ainda mais apertada, mas nada disso é apontado explicitamente. O mercado de crédito, por exemplo, continua exuberante, com baixa inadimplência e boa qualidade dos tomadores, em todas as categorias, inclusive no cartão de crédito, onde problemas seriam sinalizados rapidamente.

Além disso, os investimentos das empresas e a evolução da demanda doméstica não indicam um arrefecimento expressivo da atividade, o que deveria ser um sinal de preocupação diante de alta dos preços, mas é tratado de forma serena pelo Fed.

O indicador de aumento de salário por horas trabalhadas subiu 4,8% em abril, a maior alta desde os anos 1990, porém com o atenuante de que os reajustes continuam correndo muito atrás da inflação. Pela medida da temperatura dos preços preferida do Fed, os gastos pessoais de consumo (PCE), houve aumento de 6,6% nos doze meses até março, com avanço do núcleo de 5,2%.

Mas a indicação de altas de juros mais acelerada pelo Fed teve efeitos importantes no aperto das condições financeiras domésticas e nos mercados externos. A mais importante, para a economia americana, foi a elevação das taxas de hipotecas para a compra e troca de imóveis. Os juros para 30 anos subiram a 5%, o maior em três décadas, o que explica o esfriamento recente desse mercado.

A orientação do Fed levou também os investidores a prever altas maiores, bem além do nível a que o Fed pretende chegar em seu primeiro estágio, isto é, próximo do nível neutro, algo entre 2,25% e 2,5%. Pela ata, os investidores aguardam duas majorações de 0,5 ponto nas próximas reuniões e um aumento de 1,25 ponto percentual até metade do ano que vem, condição em que a taxa chegaria a 3,25%, já no terreno restritivo da política monetária.

Ainda que os membros do Fomc não tenham feito o gráfico de pontos desta vez, a ata do Fed indica que a inflação esperada para este ano, pelo PCE, será de 4,3%, ainda longe da meta. No ano que vem, a meta estará mais próxima, em 2,5%, até chegar a ela em 2024, com 2,1%. Por todos os motivos apresentados na ata, e pelas incertezas enormes decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia, o BC americano não parece ainda disposto, ou convencido, a adotar uma política mais agressiva para derrubar a inflação.

O BC americano indica que conta com outras armas auxiliares para que não precise ampliar o aperto monetário. O presidente do banco, Jerome Powell, já as havia mencionado na entrevista após a decisão de elevar em 0,5 ponto os fed funds. Uma delas é que os efeitos dos estímulos fiscais, que aumentaram bastante o consumo, especialmente das camadas de mais alta renda, estão desvanecendo. O outro é que a taxa de participação no mercado de trabalho, a proporção entre os que estão aptos a trabalhar e efetivamente querem fazê-lo, em relação à população economicamente ativa, começará a crescer e aliviará a escassez enorme de mão de obra.

O panorama da ata do Fed não tem tintas pessimistas, ao contrário do tom adotado por Powell na entrevista após a reunião do Fomc. Mas é pouco crível. A taxa real de juros continua muito distante daquela que seria necessária para voltar à meta de 2%. Sem uma mudança radical de cenário, o Fed terá de acelerar seu cronograma, como os indicadores dos mercados estão sugerindo.

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