terça-feira, 31 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Educação precisa de um plano para recuperar perdas

O Globo

São preocupantes os números revelados pelo Censo Escolar 2021. Principal levantamento estatístico da educação básica no Brasil, feito por estados e municípios sob coordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ele traduz o estrago provocado no ensino brasileiro por gestores ineptos, além de expor o tamanho do desafio que se impõe para recuperar o prejuízo. O resultado era previsível, diante do absurdo perpetrado pelo Ministério da Educação e por secretarias estaduais e municipais, ao prolongar o tempo em que escolas permaneceram fechadas durante a pandemia — enquanto quase tudo estava aberto.

Como mostrou o Jornal Nacional, uma das conclusões desconcertantes da pesquisa é que mais da metade dos estudantes (54%) chegou ao terceiro ano do ensino fundamental sem habilidades básicas de leitura, e 13% assim permaneceram até o sexto ano. Um terço dos alunos terminou o ensino fundamental, depois de nove anos, sem conseguir ler fluentemente. É uma situação inadmissível.

O aumento da evasão escolar é outro efeito pernicioso do longo tempo de escolas fechadas. No ensino médio da rede pública, o percentual de alunos que abandonaram as salas de aula no ano passado mais que dobrou em relação a 2020 (de 2,3% para 5,6%). No fundamental, a debandada não foi tão acentuada (passou de 1% a 1,2%). Quando se analisam os índices regionais, as disparidades assomam. Na Região Norte, a taxa de evasão no ensino médio chegou a 10%, quase o dobro da média nacional. Sabe-se que, com a pandemia e o agravamento da crise econômica, muitos jovens deixaram os estudos para ajudar os pais. Problema que poderia ser combatido com programas sociais, cuja contrapartida deveria ser manter as crianças na escola.

Também chama a atenção a queda nas taxas de aprovação na rede pública, apesar das medidas adotadas pelos governos para evitar a reprovação durante a pandemia. Nos anos finais do ensino fundamental, elas caíram de 97,8% em 2020 para 95,7% em 2021. Nos anos iniciais, o recuo foi menor, de 98,8%para 97,6%.

Os dados do Censo estão em sintonia com outros estudos que mediram o dano de manter os alunos afastados da sala de aula por tanto tempo. Evidentemente, isso não ocorreu apenas no Brasil. Aqui, exagerou-se na irresponsabilidade. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi o país que manteve por mais tempo (178 dias) as escolas fechadas em 2020. Some-se a isso o ensino remoto pífio, especialmente para os estudantes mais carentes, e está dada a fórmula do fracasso.

Diagnósticos para constatar a ruína existem, mas faltam iniciativas para reerguer a educação. Salvo exceções pontuais, estados e municípios não se prepararam para o desafio óbvio, embora tenham tido dois anos para isso. O MEC, a quem caberia o papel de coordenador na reconstrução, prefere ignorá-lo. É urgente um plano de recuperação da aprendizagem. Anunciada pelo ministro da Educação, Victor Godoy, a medida ainda não foi implementada. Não deve ser prioridade, diante da pauta bolsonarista que privilegia projetos irrelevantes como ensino doméstico ou escolas cívico-militares, que em nada contribuem para melhorar o combalido sistema educacional brasileiro.

Cartilha para gestantes com práticas obsoletas reflete gestão inepta na Saúde

O Globo

O Ministério da Saúde produziu uma Caderneta da Gestante que desinforma. Lançada no início do mês, a sexta edição da cartilha, com orientações sobre pré-natal, parto e primeiros meses de vida do bebê, foi recebida com críticas e perplexidade. Médicos dizem que ela incentiva práticas obsoletas, consideradas violência obstétrica, como a episiotomia (corte no períneo para ampliar o canal na hora do parto). Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o procedimento é contraindicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para piorar, no lançamento da caderneta o secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara, defendeu a realização da manobra de Kristeller, pressão feita no útero para forçar a saída do bebê. A prática foi banida não só pelo Ministério da Saúde, mas também pela OMS, devido à ineficácia e aos riscos para gestante e bebê. A ginecologista e obstetra Marianne Pinotti, do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, disse, em reportagem do GLOBO, que “essa força externa não ajuda no nascimento e pode causar diversos danos ao bebê e à mãe”.

Outra crítica à cartilha é a defesa da amamentação como método contraceptivo nos seis primeiros meses de vida do bebê. Segundo Bianca Balassiano, especialista em saúde materno-infantil, o método é falho, especialmente considerando uma população heterogênea. “É um retrocesso que isso apareça numa caderneta de gestante”, afirmou.

Se por um lado a cartilha indica práticas sem evidência científica ou que estão banidas, por outro deixa de abordar pontos importantes, segundo os médicos. Como a movimentação fetal, sinal importante para evitar a perda do bebê.

A cartilha desastrada é mais um sintoma da gestão errática do Ministério da Saúde, que está em seu quarto ministro em três anos e meio de governo. Não se pode esperar muito de uma pasta que atrasou quanto pôde a compra de vacinas contra a Covid-19 enquanto brasileiros morriam aos milhares; que endossou o inaceitável discurso de Bolsonaro contra a vacinação das crianças; que encheu o SUS de cloroquina, droga comprovadamente ineficaz contra o novo coronavírus; que demorou a levar para o sistema público remédios que realmente têm efeito contra a doença; que dispensou quadros altamente qualificados e manteve negacionistas à frente de políticas públicas de saúde, apenas para agradar ao presidente.

De novo, o governo despreza as evidências científicas, as recomendações da OMS e as boas práticas obstétricas sob pretexto de que essas decisões devem ser debatidas entre paciente e médico. Falava-se o mesmo da cloroquina, como se fosse aceitável alguém fazer escolha entre o certo e o errado, a vida e a morte. Entidades da área de saúde e parlamentares defendem que o material seja refeito. Evidentemente, isso pode representar custo para o contribuinte, que não tem nada a ver com as patacoadas do governo. Não fazê-lo, também, porque a caderneta não cumprirá o papel de informar. Eis o resultado de uma gestão que une negacionismo, inépcia e ignorância.

Catástrofes em série

Folha de S. Paulo

Tragédias como a do Recife exigem controle geológico e planejamento habitacional

Os temporais que castigam a região metropolitana do Recife (PE) desde a semana passada já produziram, até esta segunda (30), o trágico saldo de 91 mortos. Há ainda 26 pessoas desaparecidas em meio aos deslizamentos de terra, bairros alagados, aulas suspensas e cerca de 5.000 desabrigados no estado.

A possibilidade de mais chuva e o solo encharcado preocupam as autoridades pelo risco de novos desmoronamentos; o acúmulo de lama em ruas e estradas dificulta o trabalho das equipes de socorro.

Por ora, além das ações emergenciais com o estado e a União nas operações de busca e acolhimento de desalojados, a Prefeitura do Recife acertadamente anunciou o cancelamento das festividades juninas —o que acarretará, segundo a gestão, um aporte de R$ 15 milhões às famílias atingidas.

O cenário de calamidade na região em muito se assemelha a tragédias naturais recentes no país. De dezembro para cá, incluindo o Grande Recife, os óbitos decorrentes de chuvas no sul da Bahia, no norte de Minas Gerais, na Grande São Paulo e em Petrópolis (RJ) contam-se às centenas.

Em comum, são brasileiros em alto grau de vulnerabilidade social, vivendo precariamente em morros e encostas e à beira de rios.

Não estavam lá porque "faltou visão", como chegou a sugerir o presidente Jair Bolsonaro (PL) à época da intempérie paulista. Muitas dessas vítimas foram empurradas para as áreas de risco, seja por falta de planejamento urbano e habitacional, seja pela vista grossa de autoridades mais interessadas em dividendos políticos e eleitorais.

O agravamento das mudanças climáticas pode tornar eventos do tipo —precipitações intensas e localizadas em curto intervalo de tempo— ainda mais recorrentes.

Cumpre um esforço nacional para mapeamento de regiões de maior risco topográfico, retirada de famílias e oferta de moradias dignas; implantação de sistemas de alerta com ampla divulgação e evacuação prévia da população; controle de áreas sensíveis e fiscalização a fim de evitar novas ocupações.

Após sobrevoar as localidades atingidas, Bolsonaro criticou o adversário político e governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), por não tê-lo procurado para discutir providências de mitigação da crise. "Se o governador estava fazendo outra coisa, eu não sei", disse.

A gestão estadual, por sua vez, declarou que "o presidente não falou com o governador" e que Câmara não foi informado da visita nem "convidado para nenhuma reunião com os ministros" de Bolsonaro.

"Infelizmente, essas catástrofes acontecem", resumiu de forma simplória o presidente. Sem dúvida —e mais ainda quando as autoridades são omissas ou oportunistas.

Guinada colombiana

Folha de S. Paulo

Ex-guerrilheiro e populista vão ao 2º turno, em derrota das forças tradicionais

Realizado no domingo (29), o primeiro turno do pleito que escolherá o novo presidente da Colômbia foi marcado pela rejeição, por parte expressiva dos eleitorado, do establishment político que vem governando o país nas últimas décadas.

Trata-se de um desfecho que não chega a surpreender. O descrédito dos partidos tradicionais e a crescente insatisfação popular, acentuadas durante a pandemia, tornaram-se patentes no ano passado, quando imensos protestos disparados por uma proposta de reforma tributária incendiaram diversas cidades colombianas.

Direcionado agora às urnas, esse anseio por mudanças deu ao ex-guerrilheiro Gustavo Petro a liderança na corrida eleitoral. Com cerca de 40% dos votos, ele confirmou as expectativas e agora busca tornar-se o primeiro presidente esquerdista do país.

A surpresa ficou por conta de seu contendor, o populista Rodolfo Hernández, que, numa ascensão vertiginosa, desbancou nos últimos dias o candidato da direita tradicional, logrando 28% dos sufrágios.

Embora os dois candidatos representem um voto de repúdio à política tradicional colombiana, a trajetória e as ideias de ambos não poderiam ser mais diferentes.

Disputando a Presidência pela terceira vez, Petro integrou o grupo rebelde M-19, que depôs as armas em 1990. Percorreu desde então uma carreira política exitosa, tendo sido eleito senador e prefeito da capital do país, Bogotá.

Suas principais propostas estão em torno de uma reforma econômica, incluindo a renegociação de tratados de livre comércio e investimento na economia verde. Ele promete também acelerar a implantação do acordo que resultou no fim das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Hernández, por sua vez, é um rico empresário que já governou a cidade de Bucaramanga. Tendo como plataforma básica acabar com a corrupção na política, o populista fez uma campanha centrada em bordões disseminados pelas redes sociais —e não à toa é comparado a Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Numa eleição considerada a mais tensa das últimas décadas, marcada por episódios de violência e ameaças de morte contra candidatos, analistas preveem uma disputa renhida nas próximas três semanas, com as forças à direita se aglutinando em torno de Hernández.

O cenário prenuncia desafios para a governabilidade, qualquer que seja o vencedor do pleito.

Futuro hipotecado

O Estado de S. Paulo

Para viabilizar reajuste a servidores, governo preserva emendas parlamentares, corta recursos da Educação, da Saúde e da Ciência e Tecnologia e compromete o amanhã

A promessa de Jair Bolsonaro de conceder reajuste para servidores que integram sua base de apoiadores ajuda a entender os motivos pelos quais o País está na péssima situação em que se encontra e as razões pelas quais é tão improvável que saia dela no curto e médio prazos. Com inflação em alta, desemprego persistente e um crescimento econômico pífio, o presidente achou por bem reservar R$ 1,7 bilhão do Orçamento para elevar os salários das forças de segurança federais. Agora, para evitar uma greve geral do funcionalismo, o governo será obrigado a abrir o cofre. A estimativa, segundo mostrou o Estadão, é que a medida de aumento linear de 5% para todos os servidores exigirá o remanejamento de R$ 6,3 bilhões adicionais, o que elevará a necessidade de bloqueio do Orçamento para cerca de R$ 14 bilhões. A conta dessa benesse será dividida entre os mais pobres, que já enfrentam as agruras diárias da baixa qualidade dos serviços públicos, e o Brasil do futuro, que, se depender da atual administração, será tão ruim quanto o do presente.

Em ano eleitoral, não haverá qualquer contenção para os gastos com emendas parlamentares, sejam as de bancada, sejam as de relator, base do “orçamento secreto”, esquema revelado pelo Estadão que garante apoio do Congresso ao Executivo. O corte será focado nos R$ 8,6 bilhões em despesas discricionárias – custeio e investimento – dos Ministérios da Saúde, Educação e Ciência e Tecnologia. Se há algo que impera no governo é a brutal franqueza de Bolsonaro sobre suas prioridades e visões de mundo, que em toda a sua trajetória política ele jamais escondeu.

Em janeiro, na sanção do Orçamento, o corte de R$ 3,2 bilhões tampouco atingiu as emendas parlamentares ou a verba do fundo eleitoral. Os alvos da tesourada do início do ano foram parecidos – saúde, educação, assistência social, direitos humanos e meio ambiente – e, no detalhe, expõem a natureza do bolsonarismo. Foram bloqueados, entre outros, recursos para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pela concessão de aposentadorias e benefícios assistenciais, educação básica, hospitais universitários, combate ao desmatamento, regularização de terras indígenas, saneamento básico em comunidades quilombolas e políticas de combate à violência contra a mulher.

Mas agora o Executivo se superou e prepara um corte de R$ 2,9 bilhões nos recursos destinados à Ciência e Tecnologia. A maior parte, R$ 2,6 bilhões, afetará o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal instrumento público de financiamento da área no País. O bloqueio deve paralisar ao menos 30 programas científicos, alcançando desde estudos sobre covid-19 e combate a doenças negligenciadas até colaboração com missões espaciais e pesquisas na Antártida. Depois do negacionismo que marcou o combate à pandemia, não surpreende ninguém que a ciência brasileira esteja na mira do governo. 

O corte no FNDCT revela ignorância e revanchismo, mas também uma verdadeira ilegalidade, dado que o contingenciamento de verbas do fundo recentemente foi proibido por lei – algo sobre o qual o Ministério da Ciência e Tecnologia não se manifestou. “Não é possível buscar o desenvolvimento do País em um ambiente de evidente perseguição ao conhecimento”, protestou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em nota.

Ciência, tecnologia e inovação são aspectos indissociáveis do desenvolvimento econômico e, nesse setor específico, diferentemente da infraestrutura, o investimento privado infelizmente jamais poderá substituir o suporte público. Não faltam exemplos na história de países que apostaram nessas áreas e colheram frutos na redução de desigualdades sociais. O Brasil de hoje, por outro lado, reafirma sua opção preferencial pela política paroquial em nome da eleição e incentiva a fuga de cérebros para o exterior. Pior do que os retrocessos mais visíveis dos últimos anos, e que ainda podem ser revertidos, o grande legado de Bolsonaro é deixar o Brasil do futuro acéfalo. 

Lula não quer saber de debate

O Estado de S. Paulo

Petista tem se esquivado de conversas nas quais suas ideias para a economia possam ser criticadas. Tudo o que disse até agora revela um perigoso compromisso com o atraso

É muito ruim para o debate público neste ano eleitoral que o pré-candidato líder em todas as pesquisas de intenção de voto para a Presidência, Lula da Silva, esconda qual é o seu verdadeiro plano para a economia faltando tão pouco tempo para o primeiro turno. Como mostrou o Estadão, Lula tem se esquivado de conversas com empresários e outros agentes econômicos sob o pretexto de evitar desgastes com aliados antes de construir consensos internos sobre as propostas que deverão constar de seu plano de governo. A justificativa pode ser bonita, mas não deve convencer os eleitores mais atentos.

Para esses encontros com representantes dos setores financeiro e produtivo, o petista tem enviado emissários que pouco ou nada esclarecem as dúvidas dos interlocutores. O Estadão apurou que Lula está “intransigente” e não cogita participar de conversas nas quais as suas propostas possam ser escrutinadas por “eventuais desafetos”. Afinal, o que Lula tanto quer esconder? Não é próprio de quem pretende presidir o País fugir desse tipo de escrutínio.

Lula recuperou seus direitos políticos em março de 2021, o que o tornou automaticamente candidato petista à sucessão do presidente Jair Bolsonaro. É muito difícil acreditar, sendo Lula quem é, que as conversas em torno de um esboço de plano econômico já não tenham sido amadurecidas ao longo desse tempo. Das duas, uma: ou os petistas ainda não sabem o que pretendem fazer caso voltem ao poder, o que denotaria espantoso amadorismo, ou, porque sabemos que os petistas não são amadores, Lula e sua turma já sabem muito bem o que pretendem fazer, mas acham mais prudente revelar ao País só quando o resultado da eleição for conhecido – e, nesse caso, que Deus nos proteja. 

Há algumas semanas, vale lembrar, Lula disse à revista Time que “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições”, como se estivesse pedindo um cheque em branco ao eleitor, não o seu voto. Ora, a principal discussão que precisa ser travada neste momento, sem prejuízo de outras, é justamente sobre a política econômica que seja capaz de reconstruir o Brasil após a tempestade perfeita representada pela conjunção de pandemia de covid, guerra na Ucrânia e eleição para presidente de um despreparado como Jair Bolsonaro.

A sociedade tem o direito de saber o que o favorito para ganhar a eleição pretende fazer para controlar a inflação, reconduzir o Brasil à trilha do crescimento e gerar emprego e renda. As poucas informações que Lula se permitiu dar sobre suas ideias para a economia até agora revelam o perigo real de retrocesso.

Para plateias mais simpáticas à sua candidatura, o petista prometeu que, caso seja eleito, “não haverá teto de gastos” porque, segundo ele, os pilares da responsabilidade fiscal se prestam a “garantir dinheiro a banqueiro”. Lula também já disse ser favorável à revogação da reforma trabalhista, em boa hora aprovada no governo de Michel Temer e que foi capaz de reduzir o desemprego no País, como demonstram estudos acadêmicos sobre o tema. Lula também prometeu “abrasileirar os preços dos combustíveis”, um eufemismo para seu desejo de intervenção na Petrobras, tal como Bolsonaro.

É muito difícil que Lula, uma vez eleito, consiga avançar com essa agenda no Congresso, mas não deixa de ser preocupante que alguém com tamanho capital eleitoral esteja tão comprometido com o atraso.

Com um misto de arrogância e alheamento, Lula evita falar do presente e do futuro, sugerindo que os eleitores olhem para o que ele fez durante o tempo em que chefiou o governo, como se os desafios do Brasil e do mundo, hoje, não fossem outros.

Mas, se é para recorrer à memória, então que não seja uma memória seletiva. Convém lembrar do desastroso governo de Dilma Rousseff e do descarrilamento do País por obra e graça da sua “nova matriz econômica”. Lula faz de conta que nada disso é com ele e aposta que a mera comparação dos inventados “anos dourados” do lulopetismo com a indigência governamental de Bolsonaro basta para sua eleição. Pode funcionar, porque a memória dos eleitores costuma ser curta, mas é péssimo para o País. 

O risco de faltar diesel

O Estado de S. Paulo

Controle de preços exigido por Bolsonaro pode dificultar importação de um produto cada dia mais caro e escasso

A extraordinária volatilidade do mercado mundial de diesel provocada pela guerra na Ucrânia, que tem forçado muitos países a substituir boa parte do gás que importavam da Rússia, se expressa na explosão dos preços e nos riscos crescentes de escassez. O Brasil importa cerca de um quarto do diesel que consome. Por precaução, por isso, a diretoria da Petrobras alertou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para o “elevado risco de desabastecimento de diesel no mercado brasileiro no segundo semestre” e para as incertezas a respeito da cotação do produto.

Em abril, as importações brasileiras de diesel somaram US$ 1,4 bilhão, o maior valor mensal desde novembro de 2012, quando a economia ainda crescia em ritmo intenso. Neste ano, as importações já somam US$ 3,4 bilhões e é possível que a conta suba no segundo semestre, quando o consumo aumenta sazonalmente (por causa do maior uso de máquinas agrícolas para a colheita da safra). Medidas como sanções impostas por diversos países à Rússia por causa da invasão da Ucrânia poderão ter efeitos mais fortes também na segunda metade do ano, com impacto sobre o mercado do diesel. Adicionalmente, esse mercado poderá ser afetado por uma eventual retomada da economia chinesa com o relaxamento das restrições para conter o novo surto da covid.

Desse quadro complicado, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro só consegue ver aspectos que podem afetar suas pretensões eleitorais. Sua reação se resume à fúria com que tenta conter os preços internos dos combustíveis, ignorando a complexidade de fatores que os determinam.

Como faz sistematicamente, atribui a terceiros a responsabilidade por qualquer problema que prejudique a campanha eleitoral a que tem se dedicado desde que assumiu o cargo. Ora são os governadores, que não reduzem por sua iniciativa a tributação estadual sobre os combustíveis, ora é a Petrobras, insensível às preocupações do Palácio do Planalto com os preços pagos pelo consumidor.

Já demitiu três presidentes da Petrobras, para mostrar seu inconformismo com a gestão da empresa, baseada em critérios adequados a seus objetivos sociais e que não admitem ingerências políticas, sobretudo no que se refere a controle de preços. Mas, nessa questão, Bolsonaro é incansável. Em uma de suas manifestações recentes, disse que a Petrobras pode quebrar o Brasil se houver novos aumentos do diesel. É sua maneira de tentar mostrar à população que está preocupado com a inflação, que vem corroendo seu prestígio ante o eleitorado e se tornando um dos maiores obstáculos à sua reeleição.

Mas, para quem examine com alguma isenção o quadro do mercado mundial de derivados de petróleo, está mais do que claro que a contenção artificial do preço do diesel inviabilizaria as importações essenciais para o abastecimento interno. Em algum momento, o próprio mercado, como reação ao desabastecimento, imporia a adequação dos preços internos aos externos. Haveria uma alta explosiva, quando a eleição presidencial estará mais próxima. Bolsonaro sabe disso? 

Embate sobre ICMS evidencia improvisação eleitoreira

Valor Econômico

O que fica evidente na questão é a barafunda tributária e a ausência de interesse do Legislativo e do Executivo em corrigir a situação

Em mais uma de suas atabalhoadas e repentinas decisões, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada projeto de lei que muda as regras de aplicação do ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. A expectativa dos políticos governistas é que a nova regra reduza as contas de luz e o custo da gasolina e do gás nas vésperas das eleições, ajudando o governo Bolsonaro a se reeleger. Mas o projeto de lei, agora no Senado, causa distorções nas contas públicas e expõe o erro do governo ao não ter se empenhado em realizar uma reforma tributária logo nos primeiros anos de mandato.

A Câmara criou com o projeto de lei (PL) 18/2022 um teto de 17% a 18% para as alíquotas de ICMS aplicadas sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, que passaram a ser classificados como bens e serviços essenciais. Até agora, eles são considerados supérfluos, o que permite aos Estados cobrar até mais de 30% de ICMS.

A alíquota aplicada a esses itens é variável conforme o Estado. Na gasolina, por exemplo, Piauí e Minas cobram 31%; o Maranhão, 30,5%; e Mato Grosso do Sul, 30%. Na outra ponta, estão Mato Grosso, com 23%; Acre, Amazonas, Amapá, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo com 25%. Na energia elétrica, a alíquota média efetiva, considerando isenções e subsídios, é de 21,3% de acordo com levantamento do Instituto Acende Brasil e da consultoria PwC (Valor, 26/5). A taxa nominal de ICMS varia de 17% em Roraima a 25% em São Paulo, 30% em Minas e 32% no Rio.

A salada de alíquotas reforça a importância de uma reforma tributária, agora perdida no tempo, além de causar espanto ao mostrar que há Estados que cobram por bens essenciais, como luz, alíquotas elevadas de ICMS.

Políticos e governo federal argumentam que os Estados e municípios estão com os caixas cheios e podem abrir mão de receita. Estados e municípios tiveram superávit primário de R$ 52 bilhões nos primeiros três meses deste ano, acumulando R$ 123 bilhões nos últimos 12 meses (1,4% do PIB). Um dos principais impulsionadores dos resultados positivos é a arrecadação do ICMS, já que mais de 27% dessa receita vem de energia elétrica e combustíveis, cujos preços subiram 21% e 49% em 2021, respectivamente. Combustíveis, energia elétrica e telecomunicações representam hoje 31,7% da arrecadação total de ICMS dos Estados, segundo dados do Confaz organizados pelo economista Sergio Gobetti, especialista em contas públicas (Valor, 27/5)

Os Estados reclamam da investida da Câmara e vão tentar barrar o projeto de lei no Senado ou na Justiça. O Comitê Nacional dos Secretários Estaduais da Fazenda (Comsefaz) estima queda de receita entre R$ 64 bilhões e R$ 83,5 bilhões por ano se a medida entrar em vigor, afetando também os municípios, uma vez que 25% dessa arrecadação é compartilhada com as prefeituras.

O Senado deve examinar a proposta nesta semana e parece que vai aprová-la. Em ano eleitoral, dificilmente um parlamentar vetaria medida de redução da carga de impostos e que promete reduzir as contas. Foi o argumento usado por deputados petistas na Câmara, onde o projeto de lei foi aprovado por 403 votos a favor e apenas dez contra. Instituições financeiras calculam que a inflação pode recuar até 1,5 ponto neste ano com o projeto.

Na Justiça o panorama não é promissor para os Estados. Tentar judicializar o combate ao projeto de lei do Congresso será apenas para postergar o corte. No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) modulou os efeitos de uma decisão que reduziu o ICMS cobrado nas contas de luz e serviços de telecomunicação. O tribunal entendeu que bens essenciais não podem ser tributados à alíquota maior que a padrão, hoje de 17%. A Corte colocou 2024 para a medida entrar em vigor e não há motivo para que ela não inclua combustíveis e energia entre bens essenciais, se chamada a se pronunciar.

O que fica evidente na questão é a barafunda tributária e a ausência de interesse do Legislativo e do Executivo em corrigir a situação. As iniciativas tomadas na hiperatividade atual do Congresso são embaladas em avaliações de curto prazo, “puxadinhos” para resolver apertos momentâneos do Executivo e com objetivos eleitoreiros. Na mesma linha surgem iniciativas como a “bolsa caminhoneiro” e os projetos que pretendem segurar a conta de luz depois do aumento autorizado pela Aneel. Ou como a questão do ICMS, para melhorar as chances nas eleições, jogando para frente os reais problemas e nós tributários.

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