terça-feira, 3 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A verdadeira herança maldita

O Estado de S. Paulo

Bondades eleitoreiras e incontáveis erros acumulados em quatro anos formam o legado desastroso de Bolsonaro para o próximo governo

Uma conta de pelo menos R$ 82,3 bilhões será passada a quem assumir a Presidência da República em 1.º de janeiro. Esse é o custo, por enquanto, das bondades eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Sua campanha de reeleição, extremamente cara, tem sido e continuará, nos próximos anos, sendo financiada com recursos públicos. A soma inclui R$ 41 bilhões da parcela complementar do Auxílio Brasil, R$ 12 bilhões do reajuste dos servidores, R$ 1,9 bilhão do auxílio-gás e R$ 27,4 bilhões de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se a apuração confirmar as atuais pesquisas de intenção de voto, o sucessor de Bolsonaro terá vários motivos para falar de uma herança maldita.

Essa herança resultará, em grande parte, de medidas improvisadas, como têm sido, com frequência, as iniciativas presidenciais no atual mandato, iniciado em 2019. Nunca houve, nesse período, um plano de governo, com metas, programas e projetos articulados. Nem a saúde fiscal, uma bandeira sustentada com razoável constância pela equipe econômica, tem sido levada em conta, normalmente, nas decisões do presidente. Mesmo com alguma resistência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou geralmente acatando as pretensões de seu chefe.

Algumas decisões, como o pagamento do auxílio-gás às famílias pobres, são defensáveis, mas nunca foram integradas em programas de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Nem poderiam ter sido, porque programas desse tipo nunca foram formulados. Tributos foram cortados, ocasionalmente, para conter aumentos de preços ou para beneficiar o sistema produtivo. Mas foram sempre soluções tiradas de algum bolso de colete. Até hoje, nada permite, por exemplo, vincular a redução do IPI a uma política de recuperação e de modernização do enfraquecido setor industrial.

Nem se poderia falar de uma política desse tipo. A palavra política raramente foi usada, nos últimos três anos e quatro meses, para denotar um conjunto de ações administrativas com objetivo bem definido e relevante. A constância política tem sido observada, muito mais frequentemente, em outro cenário, o das ações do presidente voltadas para ambições eleitorais e para a preservação de interesses familiares. Quando se trata desses assuntos, o presidente mostra dedicação permanente ao cálculo, às manobras, à mobilização de seguidores e às tentativas de envolver os militares em questões normalmente reservadas, nos países democráticos, à autoridade civil.

Sem planejamento, o presidente deixará como legado os custos de ações improvisadas e de erros acumulados em quatro anos. Para começar, o poder federal terá problemas, em 2023, em relação ao teto de gastos. Será difícil acomodar no limite constitucional as bondades deixadas pelo atual presidente. Já se fala em mudar a regra do teto, mas isso apenas disfarçará o problema fiscal. O Tesouro continuará afetado pelo aumento de gastos e pela redução do IPI.

Confrontado com o desarranjo fiscal, o sucessor de Bolsonaro terá dificuldade para implantar um plano de governo. Pelas projeções do mercado, a economia crescerá só 1% em 2023 e modestos 2% em 2024. Serão taxas insuficientes para um grande ganho real de arrecadação. Além disso, a inflação, segundo as estimativas, baterá em 4,10% no próximo ano e ainda ficará em 3,20% no seguinte, superando a meta oficial (3%) nos dois períodos. Os juros básicos, elevados para conter os preços, estarão em 9,25% no fim de 2023 e em 7,50% no encerramento de 2024. Isso encarecerá o crédito, travará o crescimento econômico e manterá muito caro o financiamento do Tesouro.

Metade do novo mandato estará prejudicada, portanto, pela herança da atual administração. O quadro poderá ser menos tenebroso, em 2024, se o presidente eleito tiver um plano crível de correção fiscal e de desenvolvimento. Populismo poderá atrair votos, mas quem movimenta o dinheiro e financia o Tesouro exigirá mais que isso. Qualquer candidato terá de levar em conta essa diferença, se quiser iniciar o mandato com vento a favor.

O valor inestimável da imprensa livre

O Estado de S. Paulo

O extremismo nas redes sociais, a desinformação e a agressividade de autocratas e iliberais estão deteriorando um dos principais pilares da democracia

A democracia e a liberdade de imprensa são tão visceralmente ligadas que é impossível dizer qual é a causa e qual a consequência. Os dados comprovam as associações entre a imprensa independente, democracias vibrantes e corrupção limitada. Não surpreende, portanto, que a recessão da democracia na última década seja espelhada pela deterioração da liberdade de imprensa. Essa deterioração é, a um tempo, sintoma e causa dessa recessão.

O extremismo nas redes sociais, a epidemia de desinformação, a agressividade dos regimes autocráticos e dos populistas iliberais e, no Brasil, a disputa dos dois movimentos mais hostis à imprensa na Nova República, o bolsonarismo e o lulopetismo, tornam mais relevante do que nunca celebrar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, neste 3 de maio.

De acordo com a Freedom House, uma instituição de monitoramento da democracia, só 13% da população mundial goza de uma imprensa livre. As autocracias movem uma ofensiva para provar que a prosperidade pode ser conquistada sem ela.

A guerra deu a Vladimir Putin o pretexto ideal para recrudescer o controle sobre a mídia russa, desativar redes sociais, perseguir jornalistas e criminalizar dissidentes. O Partido Comunista Chinês construiu o aparato de censura mais sofisticado do mundo e tem expandido sua influência sobre veículos no exterior para promover sua propaganda e suprimir críticas.

No Ocidente, a promessa das redes sociais de ampliar o pluralismo e a liberdade de opinião fracassou: dominadas pelos extremos à direita e à esquerda, milícias virtuais e agentes de desinformação autocráticos, elas se parecem cada vez menos com um governo do povo e cada vez mais com um governo dos truculentos.

O problema não são tanto as publicações tóxicas, mas seu alcance e influência. A lógica de impulsionamento dos algoritmos favorece o sensacionalismo e a agressividade. Há um consenso sobre a urgência de regulações que reduzam a atuação dos robôs e trolls e restituam o espaço à maioria silenciosa e exausta, mas há pouco consenso sobre quais devem ser.

A polarização e a “infodemia” exacerbaram a desconfiança em relação à imprensa explorada por líderes iliberais. Eles vêm desenvolvendo um kit de ferramentas econômicas, legais e extralegais para silenciar mídias independentes e anabolizar as correligionárias. Na Hungria o controle está praticamente consolidado. Entre as táticas de intimidação do ex-presidente americano Donald Trump estão ameaças de recrudescer leis de difamação, revogar licenças de veículos de comunicação e prejudicar seus negócios.

No Brasil, Lula da Silva suscita recorrentemente a velha ambição de “controle social da mídia”, não tendo pudores de invocar a propósito sua admiração por ditaduras como Cuba, Venezuela ou China.

Dos princípios da administração pública, possivelmente o mais brutalizado pelo presidente Jair Bolsonaro foi o da transparência. A imprensa criou um consórcio para garantir informações confiáveis na pandemia, e veio dela a denúncia de um orçamento secreto para distribuir verbas a correligionários.

Pari passu com a difusão de notícias falsas e discursos de ódio, insultos, estigmatização e humilhações públicas de jornalistas são métodos empregados sistematicamente pelo bolsonarismo. A Federação Nacional dos Jornalistas registrou um pico de ataques verbais e físicos a profissionais de imprensa. Só em 2020 foram 428. Bolsonaro foi autor de 175 agressões verbais. No mesmo ano, segundo a organização Artigo 19, ele deu em média 4,3 declarações falsas ou enganosas por dia.

Como disse um dos fundadores da democracia moderna, Thomas Jefferson, o experimento democrático se presta a provar que os seres humanos podem ser governados pela razão e pela verdade. “Nosso primeiro objetivo deveria ser, portanto, abrir a eles todas as avenidas para a verdade. E a mais eficaz encontrada até agora é a liberdade de imprensa. Logo, ela é a primeira a ser obliterada por aqueles que temem a investigação de suas ações.” Mais de 200 anos depois, nunca essa obliteração atingiu níveis tão alarmantes.

Manifestações frustradas

O Estado de S. Paulo

Baixa adesão aos atos de Bolsonaro e de Lula no domingo indica que disputa presidencial permanece em aberto

As ruas mandaram um recado neste domingo, 1.º de maio. Na data em que se celebra o Dia do Trabalhador, as manifestações convocadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula da Silva tiveram, em comum, a baixa adesão. A cinco meses da eleição presidencial, ficou evidente que a população preferiu permanecer em casa − ou aproveitar o domingo de sol em parques, praças, clubes ou shopping centers.

Os dois pré-candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto bem que tentaram mobilizar suas bases. E compareceram pessoalmente: Bolsonaro em Brasília, em frente ao Congresso Nacional, com direito à participação, por vídeo, em ato esvaziado na Avenida Paulista; Lula diante do Estádio do Pacaembu, em São Paulo, onde precisou esperar o show da cantora Daniela Mercury para atrair mais público. 

Em tese, motivos não faltavam para um maior comparecimento de militantes governistas e da oposição. Do lado do governo, em sua permanente cruzada antidemocrática e a favor de um clima de golpismo, seria mais um momento para bater bumbo em torno do perdão concedido por Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Nas hostes bolsonaristas, Silveira é reverenciado como símbolo de defesa da liberdade, após ter sido condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, pelo Supremo Tribunal Federal, por ameaçar ministros da Corte e por instigar conflito entre o Judiciário e as Forças Armadas.

Do lado petista, por sua vez, o 1.º de Maio é uma data historicamente celebrada pelas centrais sindicais. No momento em que a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais é confrontada pelo crescimento de Bolsonaro, nada melhor do que demonstrar vigor e capacidade de mobilização. Lula, no entanto, viu-se forçado a retardar seu discurso por falta de quórum. Pior: abriu sua fala com um pedido de desculpas a policiais, depois de mais uma gafe cometida na véspera − quando, a pretexto de atacar Bolsonaro, disse que o presidente “não gosta de gente, gosta de policial”.

A baixa adesão às manifestações de domingo provavelmente teve vários motivos. Um deles, o fato de que as eleições de outubro ainda estão distantes. Não só no calendário, mas também no imaginário da população, isto é, do ponto de vista do interesse imediato de quem precisa lidar com as contingências do dia a dia. Ao contrário de cliques nas redes sociais, sair às ruas requer outro grau de engajamento. E a decisão do voto, daqui a cinco meses, permanece em aberto para muita gente.

Daí a percepção, corroborada por pesquisas, de que a disputa eleitoral deste ano tem espaço para candidaturas que sirvam de alternativa aos dois nomes até aqui apontados como favoritos. Sim, Lula e Bolsonaro lideram as intenções de voto, mas também comungam altas taxas de rejeição e tiram proveito do clima de polarização que se instalou no País. Até aí, nada de novo. Assim como não há novidade no fato de que é longa a lista de razões para que o eleitorado busque uma terceira via. Resta à classe política viabilizar o anseio de tão vasta parcela da população.

Bolsonaro semeia confusão sobre urna eletrônica

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro nunca teve pudor em atacar o sistema eleitoral. Na eleição de 2018, disse que teria vencido no primeiro turno não fossem fraudes cujas provas jamais apresentou. Agora, em campanha para se reeleger, volta a martelar mentiras contra a urna eletrônica, na certa preparando o terreno para, se derrotado, investir numa denúncia de irregularidade e criar crise político-institucional. Com essa intenção, tem usado sua influência sobre o representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o general Heber Garcia Portella.

O militar cumpre o papel que a Justiça Eleitoral espera dele: avaliar a segurança da urna eletrônica. Na última resposta do TSE às sugestões dos integrantes da CTE, algumas observações suas foram acatadas, outras refutadas, como para os demais. Em vários casos, elas coincidiam com as de outros integrantes e são pertinentes para aperfeiçoar o sistema eleitoral no futuro. Em particular, na necessidade de ampliar a amostra dos testes das urnas para assegurar um nível razoável de confiança estatística e na de publicar na íntegra os códigos do sistema (algo que parece estar nos planos do TSE).

Sua movimentação nos bastidores, contudo, ultrapassa o limite do razoável. De acordo com o colunista do GLOBO Pablo Ortellado, uma de suas réplicas ao TSE, mantida em sigilo, tinha mais de 700 páginas de minúcias técnicas. Diálogos de Portella com técnicos do TSE, a que teve acesso a jornalista Míriam Leitão, também colunista do GLOBO, corroboram o viés palaciano na atuação de Portella. Na troca de mensagens, ele leva ao limite hipóteses de falhas inverossímeis na contagem dos votos, de modo a poder aventar a aplicação do artigo do Código Penal que prevê novas eleições dependendo da quantidade de votos anulados.

A Justiça Eleitoral tem cumprido seu papel ao ampliar o acesso ao sistema eleitoral e ao abrir-se a sugestões para que ele se torne ainda mais confiável do que já é — jamais houve denúncia comprovada de fraude desde a implantação do voto eletrônico. Ao lado do general Portella, estão representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), do Legislativo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Polícia Federal, da comunidade acadêmica, de organizações da sociedade civil e especialistas em tecnologia. Já foram divulgados relatórios com propostas da CTE comentadas por técnicos e um Plano de Ação.

Bolsonaro, porém, mantém a intenção de tumultuar. A mais recente pista ele deu ao se irritar quando o lançamento de uma nova ferramenta do WhatsApp permitindo grupos com milhares de pessoas (hoje eles estão limitados a 256) foi adiado no Brasil para depois das eleições. Bolsonaristas atribuíram a responsabilidade pela medida a uma determinação da Justiça Eleitoral. Representantes da plataforma tiveram de ir a Brasília explicar ao presidente que o adiamento se deve a fatores comerciais. Depois ele chegou a falar em usar os militares para promover uma estapafúrdia “apuração paralela”.

A presença de representantes das Forças Armadas na CTE não deve ser confundida com submissão das eleições a desígnios militares. A Constituição é clara sobre a responsabilidade, os deveres e a independência da Justiça Eleitoral. Qualquer tentativa de usar os militares para impor ao TSE medidas sem cabimento, com o intuito de gerar confusão, precisa ser repudiada.

É saudável para o país a mudança nos rótulos de produtos processados

O Globo

É bem-vinda a mudança nas embalagens de alimentos processados para informar ao consumidor sobre ingredientes que prejudicam a dieta e respondem pelos altos índices de obesidade na população, como sódio, açúcar e gorduras saturadas. A decisão de estampar essas informações na parte frontal dos produtos foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020, mas só deverá entrar em vigor em outubro.

É sensata a preocupação com os índices de obesidade no país. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela aumenta o risco de várias doenças, onera os sistemas de saúde e se tornou um dos cinco maiores riscos de mortalidade no mundo.

Como mostrou reportagem do GLOBO, dados do Ministério da Saúde (apenas das capitais) mostram que, desde 2006, a cada ano 360 mil brasileiros com mais de 18 anos passaram a sofrer com o excesso de peso. A maior parte se tornou obesa. Em 2021, 57% dos moradores das capitais tinham sobrepeso. A julgar pelos números, não se trata de problema sazonal. Dos 16 anos em que é feita a pesquisa do ministério, em 13 foi constatado aumento dos índices. Em apenas três eles ficaram estáveis.

A escolha não envolve apenas aspectos nutricionais. Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que, em 1995, alimentos saudáveis eram baratos: custavam em média 53% dos processados. Em 2017, já atingiam 70%. A previsão era que os processados se tornassem mais baratos somente em 2026. Com a aceleração da inflação e eventos climáticos que prejudicam as safras, já se trabalha com a possibilidade de que isso aconteça ainda neste ano.

Claro que a escolha entre comprar um produto natural ou um processado sempre deve caber ao cidadão. Mas o Estado não pode abrir mão de seu papel de promover políticas públicas que tornem essas escolhas mais transparentes e contribuam para melhorar a saúde da população. Não adianta a indústria alegar que as informações já estão na embalagem se só podem ser lidas com lupa. O consumidor precisa saber o que leva para casa, de modo a arcar com os riscos de suas decisões. “A rotulagem frontal de advertência já é adotada noutros países, como Chile, Uruguai e México, com bons resultados”, afirma Paula Johns, diretora-geral da ONG ACT-Promoção da Saúde. “Poderia ser melhor, se tivéssemos adotado o modelo recomendado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), mais rigoroso.”

A medida não encerra o assunto. A ingestão de alimentos industriais nas cantinas das escolas também deveria merecer atenção dos governos, pelo efeito nocivo na saúde das crianças. Não faltam projetos de lei para discipliná-la, incentivando a venda de alimentos naturais e desestimulando a oferta de processados nesses ambientes. Mas eles permanecem entalados no Legislativo graças à pressão da indústria alimentícia. A luta por uma alimentação saudável deveria ser tarefa de todos, especialmente de políticos sob escrutínio de seus eleitores.

Agenda rebaixada

Folha de S. Paulo

A Bolsonaro convém campanha centrada em falsos problemas e bandeiras ideológicas

Houve algum alívio com a atitude relativamente contida de Jair Bolsonaro (PL) em atos de modesta mobilização no Dia do Trabalho. Trata-se de reação, nos meios políticos e em setores da sociedade, que evidencia como o mandatário opera para rebaixar o debate nacional à sua pauta tacanha.

Evitou-se o pior porque Bolsonaro, embora tenha marcado presença em duas manifestações de índole antidemocrática contra o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral, não chegou a discursar contra as instituições ou a fazer incitações abertamente golpistas.

Em Brasília, limitou-se a cumprimentar um punhado de apoiadores que não chegava a cobrir toda a grama ressecada em frente ao Congresso Nacional. Para mais movimentado protesto da avenida Paulista, em São Paulo, mandou um vídeo de menos de dois minutos com bordões reacionários.

"Temos um governo que acredita em Deus, respeita os seus militares, defende a família e deve lealdade ao seu povo", disse na gravação —como se alguma força política hoje importunasse os laços familiares, as Forças Armadas ou as convicções religiosas.

Qualquer presidente, até um desprovido de ideias e argumentos, possui grande capacidade de ditar a agenda do país. Nos últimos dias, Bolsonaro conseguiu atrair as atenções para o embate com o Judiciário em torno de um deputado irrelevante —e ressuscitar a ofensiva contra as urnas eletrônicas sem um fiapo de base factual.

Além de abrir caminho para uma tão previsível quanto farsesca contestação a uma derrota eleitoral, convém ao presidente uma campanha centrada em problemas imaginários e bandeiras ideológicas.

Muito mais difícil, para um político que foge de entrevistas e debates, será apresentar caminhos para superar a dramática combinação de carestia, desemprego e desarranjo orçamentário vivida pelo país e agravada pela guerra na Ucrânia —ou prestar contas sobre a trágica gestão da pandemia.

Mesmo diante de sua base de apoio mais fiel, é prudente evitar maiores explicações sobre os nebulosos gastos do Ministério da Educação e da Codevasf, impulsionados pela intermediação de pastores ou por pressões do centrão.

A piorar o quadro, interessa também ao principal adversário na corrida ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma disputa mais plebiscitária do que programática, na qual desponte como única alternativa ao desgoverno e aos impulsos autoritários de Bolsonaro.

A apenas cinco meses da votação, muito pouco se sabe sobre os propósitos e compromissos de parte a parte. Quanto mais o pleito presidencial se resumir a um duelo de rejeições, mais perderá o eleitor.

Meta no lixo

Folha de S. Paulo

No ritmo atual, país fracassará em objetivo de regularizar descarte de resíduos

Em pleno ano de 2022, cerca de metade das cidades brasileiras ainda faz o descarte do lixo em locais inapropriados, o que dá a medida do fracasso do país nessa área.

Segundo dados da Abrelpe, associação que reúne empresas do setor de coleta, nada menos que 2.868 municípios depositam seus resíduos de forma inadequada, seja nos famigerados lixões, seja em aterros sem nenhum preparo para impermeabilização do solo.

Embora a extinção desses espaços insalubres conste da reduzida lista de promessas do governo Jair Bolsonaro (PL) na área ambiental, o ritmo em que isso vem ocorrendo torna pouco factível a meta de eliminá-los até 2024.

De 2018 a 2020, apenas 133 novas cidades passaram a utilizar os aterros sanitários, que contam com proteção do solo, captura do chorume e controle dos gases produzidos. Mantido esse ritmo, serão necessárias mais quatro décadas para que os lixões desapareçam.

O progresso atual chega a ser mais lento do que o verificado de 2017 a 2018, quando o número de municípios com destinação inadequada de resíduos diminuiu de 3.352 para 3.001.

Baseado em números de uma entidade com a qual tem parceria, a Abetre (não da Abrelpe, considerada referência no setor), a gestão Bolsonaro alega que a redução vem se dando em ritmo mais célere.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 645 desses depósitos foram encerrados desde 2019; faltariam ainda 2.612. Mesmo se a métrica utilizada for essa, entretanto, a meta governamental não seria atingida antes da próxima década.

Tudo somado, constata-se que têm sido pífios os resultados do programa Lixão Zero, lançado em 2019 pelo então ministro Ricardo Salles —que, ao priorizar a agenda ambiental voltada às cidades, deixava em segundo plano o descalabro que se abatia sobre a Amazônia.

A inépcia demonstrada pelo governo Bolsonaro, infelizmente, tem sido a norma no Brasil quando se trata do descarte de detritos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos instituída em 2010 determinava o fim dos lixões até 2014. Avançou-se pouco, porém, e em 2020 o marco do saneamento estendeu esse prazo para 2024.

Mais uma vez, porém, tudo indica que esse limite será descumprido —e o país seguirá amargando, no ano em que completa o bicentenário da Independência, sua vergonhosa incapacidade de solucionar uma questão tão básica.

Auxílio Brasil mantém erros e passa a ser permanente

Valor Econômico

Novo programa falha ao dispensar as contrapartidas que exigiam manter a vacinação das crianças e a frequência escolar

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada a Medida Provisória (MP) 1.076/2021, que fixou em R$ 400 o valor do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, e tornou o benefício permanente. Apoiado por 418 deputados, com sete votos contrários, o texto segue agora para análise do Senado. A votação da MP deve ser concluída até 16 de maio para que não expire. Já tinha passado da hora de reajustar o Auxílio Brasil, cujo valor médio é de R$ 224, especialmente no cenário de escalada da inflação dos últimos meses. Em abril, o IPCA-15 saltou 1,73%, a maior elevação mensal desde 1995, acumulando alta de 12,03% em 12 meses, puxado pelos combustíveis, mas também transporte e alimentos.

A experiência com o Auxílio Emergencial durante a pandemia mostrou a importância das políticas de transferência de renda. O auxílio da pandemia só chegou a R$ 600 por pressão do Congresso. O governo Bolsonaro queria a metade disso. De acordo com cálculos do pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre Daniel Duque, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua e da Pnad Covid-19 do I IBGE, graças ao benefício, a pobreza diminuiu no país, mesmo com a pandemia. Em 2019, 6,6% dos brasileiros estavam em extrema pobreza e 24% em pobreza não extrema; em julho de 2020, essas taxas tinham caído para 2,4% e 20,3%. Com o fim do benefício, as taxas pioraram e 7% dos brasileiros estão em extrema pobreza e 27% em pobreza não extrema.

No caso da MP do Auxílio Brasil, a oposição novamente queria elevar o valor para os R$ 600, mas não conseguiu desta vez. Em manobra com o presidente da Câmara dos Deputados, o governo barganhou trocar o valor mais alto por um benefício permanente. Pela proposta original, ele terminaria em dezembro deste ano, escancarando seus objetivos eleitoreiros.

O auxílio foi feito a toque de caixa para atrair o eleitor, mas vem com vários defeitos. Um deles é ter sido usado pelo governo como desculpa para furar o teto de gastos com a PEC dos Precatórios, cujos objetivos eram, na realidade, levantar recursos para as emendas do relator, aumentar o fundo eleitoral e realizar o prometido reajuste de servidores.

O relator do projeto, deputado João Roma (PL-BA), ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, é pré-candidato ao governo da Bahia e tem usado o programa como vitrine eleitoral. Ele argumentou que a PEC dos Precatórios autorizava a despesa. Estima-se que o programa custará R$ 88 bilhões por ano para atender os atuais 18 milhões de beneficiários. Existe 1 milhão de famílias pleiteando a inclusão no programa.

Erros igualmente graves estão na formulação do programa. Desprezando o longo aprendizado dos especialistas na área, fixou o valor de benefício em R$ 400 por família, sem levar em conta a quantidade de componentes. Uma família com uma pessoa ganha o mesmo que uma com duas crianças, por exemplo. O valor fixo também pode estimular a fragmentação das famílias ou omissão de rendimentos, o que o torna ineficiente para reduzir a desigualdade. “A maior parte dos benefícios sociais e trabalhistas tem valor fixo, não variando de acordo com as características da família beneficiária, como o Benefício de Prestação Continuada e o Abono Salarial. Esses programas já deveriam ter sido reformados para se tornarem mais capazes de reduzir a pobreza. Em vez disso, o auxílio reforça essa opção menos eficiente”, escreveram os economistas Vinícius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes (Estado, 7/2/22)

O cuidado com o cadastro dos beneficiários é outro ponto fraco, que pode ter justificado os desvios ocorridos no pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia e influenciado na variação do número de famílias que ficaram de fora do novo programa. Aperfeiçoamentos prometidos do Bolsa Família não saíram do papel; não houve preocupação com focar as portas de saída; e não há avaliação de resultados (O Globo, 2/5).

O novo programa também falha ao dispensar as contrapartidas estabelecidas pelo Bolsa Família, que exigia manter a vacinação das crianças e as visitas médicas em dia e a frequência escolar. Mas isso parece demais para um governo que combate as vacinas e defende o homeschooling e esquece que acesso à educação e serviços de saúde são caminhos para a redução da pobreza e da desigualdade, ao lado da oferta de empregos e de estabilidade econômica.

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