domingo, 15 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

À prova de golpes

Folha de S. Paulo

Alternância de poder e acerto de pesquisas atestam lisura das urnas eletrônicas

Em 1996, quando as urnas eletrônicas começaram a ser utilizadas nos principais colégios eleitorais, havia preocupação com dificuldades que os votantes poderiam ter no manejo da inovação. Os temores se mostraram exagerados, bem como foram poucos os problemas técnicos naquela primeira experiência.

"O voto eletrônico, ao dificultar fraudes e agilizar a apuração, é excelente contribuição à democracia, apesar das pequenas falhas", anotou a Folha na ocasião.

No pleito municipal de 2000, quando as urnas eletrônicas passaram a ser empregadas em todo o território nacional, era evidente o sucesso e a importância do sistema. "É notável a evolução conquistada pela Justiça Eleitoral no que tange à organização das votações no Brasil", escreveu este jornal.

O país de dimensões continentais, milhares de municípios e imensa população logrou, com tecnologia própria, organizar eleições seguras e de resultados rapidamente conhecidos e reconhecidos, o que contribuiu para a mais duradoura quadra de estabilidade democrática de sua história.

Ao longo de mais de duas décadas e 13 anos eleitorais, nada se registrou que pudesse amparar as suspeitas que Jair Bolsonaro (PL) lança, interessada e irresponsavelmente, sobre as urnas. Ele próprio conquistou no período cinco mandatos de deputado federal e um de presidente da República —não sofreu derrota, aponte-se, em votações informatizadas.

A alternância de poder tem sido observada em todas as instâncias de governo, o que desmoraliza teses conspiratórias de favorecimento. Os terminais digitais captaram tanto a ascensão do PT nos anos 2000 quanto a onda direitista e antipolítica de 2018.

Ontem e hoje, os números apurados mostram aderência consistente às pesquisas de intenção de voto realizadas por institutos independentes.

O Datafolha, aliás, aponta que 82% dos brasileiros aptos a votar declaram hoje confiar nas urnas eletrônicas, num crescimento expressivo ante os 69% de dezembro de 2020; já a parcela dos que não confiam encolheu de 29% para 17%. Demonstra-se com eloquência que Bolsonaro prega no vazio.

Ou, quando muito, atiça os ânimos de alguns poucos dispostos a participar de seus ensaios golpistas, que alternam intimidações e recuos enquanto se mantém elevado o risco de derrota em outubro.

Trata-se de uma ofensiva estúpida contra uma valiosa conquista nacional e, ao fim e ao cabo, contra todos os eleitores e eleitos do país.

Ventos nórdicos

Folha de S. Paulo

Pedido de adesão de Finlândia e Suécia à Otan é revés para Putin, mas traz risco

Desde o século 12, a Escandinávia vive uma relação conflituosa com o colosso eurasiano situado nas suas fronteiras a leste, hoje materializado na Rússia de Vladimir Putin.

Foram mais de dez guerras ao longo do período. Em 1809, os suecos foram obrigados a ceder o que hoje é a Finlândia ao Império Russo, dando à luz a notória neutralidade nórdica. Ela foi encorpada pela posição finlandesa depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando combateu a União Soviética em duas ocasiões.

Helsinque protegeu sua soberania com o não alinhamento militar. Com isso, ao lado da Suécia, o país seguiu fora da Otan, a aliança militar criada pelos Estados Unidos em 1949. Nas sete décadas até o dia 24 de fevereiro deste ano, quando Putin invadiu a Ucrânia, o distanciamento foi conveniente.

Não que as duas nações fossem alheias ao Ocidente: integram a União Europeia desde 1994, o que indica de que lado estão. Mas a guerra mudou tudo.

A Finlândia saiu na frente e, na quinta (12), declarou querer fazer parte da Otan. No dia seguinte, a Suécia divulgou um relatório embasando a mesma iniciativa, que deverá ser anunciada em breve.

Moscou protestou e sugeriu que responderá na mesma moeda ao aumento de forças junto às suas fronteiras, com o reposicionamento de armas nucleares.

Isso traz riscos aos ocidentais, que têm agido dentro de um limite ao armar os ucranianos sem se envolverem diretamente no conflito. O caráter algo farsesco deste arranjo traz o temor de uma Terceira Guerra Mundial, atômica, devidamente insuflado pelo Kremlin.

Enquanto tal cenário permanece remoto, o Ocidente segue escalando a tensão, apostando que Putin possa curvar-se às dificuldades militares que enfrenta em campo.

A expansão da Otan após o ocaso soviético de 1991 é uma obsessão política da Rússia. Os EUA não foram magnânimos ao vencer a Guerra Fria, e desde então o colegiado ganhou 14 países ex-comunistas.

Nesse sentido, um objetivo declarado por Moscou na guerra é justamente evitar Kiev no clube.
O ressentimento russo é explicável, embora desconsidere que antes era Moscou quem tinha aliados armados na franja leste europeia.

Dessa maneira, a eventual adesão nórdica atesta uma grande derrota estratégica de Putin. Ela ainda pode passar por reveses, contudo.

A Turquia, membro rebelde da Otan que é próxima do autocrata, já expressou reservas a Finlândia e Suécia. Com poder de veto a novos sócios, como todos os 30 integrantes da aliança, o país deverá cobrar caro para mudar de ideia.

Se Ancara ficar irredutível, o discurso de união contra o Kremlin será duramente atingido.

Ilusão à venda

Folha de S. Paulo

Privatização anunciada da Petrobras é tarefa dificílima até para governo hábil

Entre os episódios que entraram para o folclore das previsões bombásticas e nunca cumpridas do ministro Paulo Guedes, da Economia, destaca-se a meta de arrecadar R$ 1 trilhão ou mais com a venda de todas as empresas estatais.

É evidente que nunca se chegou perto da cifra, calculada sabe-se lá como. Ainda na primeira metade do governo, em agosto de 2020, o então secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, deixou o cargo devido à frustração com o andamento de seus projetos.

Não é que a privatização tenha ficado inerte nos últimos anos. De acordo com o boletim oficial mais recente, em setembro do ano passado contava-se a exorbitância de 158 estatais federais —ainda assim 51 a menos que as 209 do início do governo Jair Bolsonaro (PL).

Essa redução, porém, deu-se basicamente por meio de alienação, incorporação ou liquidação de subsidiárias, não de empresas controladas diretamente pelo Tesouro Nacional. No caso destas últimas, os empecilhos econômicos, jurídicos e políticos são muito maiores.

É com tal realidade em mente que se deve encarar a intenção manifestada pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, de fazer avançarem estudos para a privatização da Petrobras —a maior companhia brasileira, com patrimônio líquido de R$ 437 bilhões apurado em março deste ano.

Egresso da equipe de Guedes, Sachsida é um economista liberal que abraça o bolsonarismo na política. Não partilha dos pendores intervencionistas do presidente, decerto, e tampouco parece mais realista que o ministro da Economia.

A venda da gigante petroleira não é factível no horizonte do mandato de Bolsonaro, na suposição de que o presidente esteja de fato disposto a levar a ideia adiante. Mesmo se considerados prazos mais longos, a tarefa é dificílima.

O governo sofre hoje para concretizar a privatização da Eletrobras, proposta há quase cinco anos, ainda sob Michel Temer (MDB), e alvo de múltiplas emendas do Congresso e debates no Tribunal de Contas da União. Podem-se esperar resistências muito mais amplas e ferozes no caso da Petrobras.

Esta Folha é em princípio favorável à desestatização, obviamente desde que o processo mire a eficiência econômica e o interesse social. A condução de tal empreitada depende de capacidade de convencimento e negociação, o que está longe de figurar entre os atributos da atual administração.

Lula faz o eleitor de bobo

O Estado de S. Paulo

Petista quer fazer o País acreditar que, se ele é ‘inocente’, então nunca houve petrolão. Ao agir assim, e prometer ‘recuperar’ a Petrobrás depois que o PT quase a destruiu, é um insulto

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter recuperado seus direitos políticos após a anulação de suas condenações judiciais no âmbito da Operação Lava Jato, mas isso não significa, nem de longe, que ele tenha sido absolvido pela Justiça nem tampouco que possa apagar o passado, como tenta fazer ao inventar um discurso sobre a Petrobras nesta pré-campanha à Presidência da República. Ao agir assim, Lula trata como idiotas milhões de brasileiros que não se ajoelham sob o altar do PT e que lembram muito bem como o partido tomou a Petrobras de assalto para transformar a empresa em instrumento de política econômica e um centro privado de financiamento de campanha e enriquecimento ilícito.

Qualquer cidadão minimamente informado e que ainda seja capaz de analisar os fatos sem ter o raciocínio comprometido por paixões políticas sabe que a anulação das sentenças penais condenatórias de Lula se deu por razões de natureza processual, não de mérito. A rigor, as decisões favoráveis ao ex-presidente tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que, ao fim e ao cabo, lhe restituíram o direito de disputar eleições – dizem respeito apenas aos erros cometidos pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela primeira instância da Justiça Federal em Curitiba; Lula não foi “inocentado” de nada.

De forma muito ardilosa, Lula explora essa peculiaridade de sua situação jurídico-penal para tentar apagar o “petrolão” da história. O ex-presidente sabe que o “mensalão” e o “petrolão” serão temas incontornáveis em sua tentativa de voltar ao Palácio do Planalto. Logo, tenta induzir parte dos eleitores a acreditar que, se ele próprio não foi condenado pelo maior escândalo de corrupção da história do País, é porque não houve escândalo de corrupção algum. Simples assim.

Lula quer fazer o País acreditar que o “petrolão” não existiu e que ele, caso seja eleito, vai “recuperar a Petrobras”, sabe-se lá do quê. “Nós precisamos fazer com que a Petrobras volte a ser uma grande empresa nacional, uma das maiores do mundo”, disse Lula no discurso de lançamento de sua pré-candidatura, no dia 7 passado. “(Temos de) Colocá-la de novo a serviço do povo brasileiro”, arrematou o ex-presidente.

Em primeiro lugar, é de justiça reconhecer que a Petrobras voltou a ser uma grande empresa durante o governo de Michel Temer. Lula pode contar com a amnésia de parte dos brasileiros, mas cabe recordar que foi durante o governo Temer que a Petrobras se reergueu dos escombros do “petrolão” ao adotar uma administração mais profissional, sobretudo a partir da reorientação de sua política de preços, que passou a ser atrelada às variações do dólar e da cotação do óleo no mercado internacional. Os resultados positivos da empresa desde então falam por si sós.

Lula também aposta na desinformação ao prometer “colocar a Petrobras a serviço do povo brasileiro”. Trata-se de uma falácia eleitoreira, no melhor cenário, ou de uma ameaça de intervenção, no pior. Embora a União seja sua maior acionista, a Petrobras não é uma empresa estatal pura, é uma empresa de economia mista e capital aberto. Presta-se, portanto, a atingir seus objetivos empresariais por meio de uma gestão eficiente, com vistas a remunerar os investimentos que recebe de seus acionistas. Não se presta a ser um instrumento de execução de políticas públicas que favoreçam governos de turno. A corrupção, sem dúvida alguma, causou enormes prejuízos à Petrobras e aos seus acionistas, mas foi a apropriação da empresa durante os governos petistas, os maus investimentos que foi obrigada a fazer e o sacrifício da boa administração em nome dos interesses eleitorais do PT que quase a levaram à bancarrota.

Nesse aspecto, Lula e o presidente Jair Bolsonaro têm uma ideia muito semelhante sobre a Petrobras. Ambos enxergam a empresa como um anexo do Palácio do Planalto. A vitória de um ou de outro na eleição presidencial de outubro prenuncia tempos difíceis não apenas para a empresa, mas para o País. 

O mau começo do ministro Sachsida

O Estado de S. Paulo

Ao propor a venda da Petrobras, o novo ministro de Minas e Energia pode ter servido ao presidente acuado,mas cuidou mal de um assunto sério

Começou mal o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, muito mais conhecido por seu entusiasmo bolsonarista do que por sua competência para a função recém-assumida. Seu primeiro ato, segundo anunciou, seria pedir estudos para a desestatização da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo (PPSA), responsável pelos contratos de exploração das jazidas oceânicas mais profundas. Não há como realizar essas privatizações neste fim de mandato nem tem sentido discuti-las agora. O pronunciamento de Sachsida pode ter servido, por um breve momento, para desviar a atenção da figura de seu chefe, um presidente acuado num cenário de inflação desatada, juros muito altos, inadimplência elevada e amplo desarranjo da produção e do emprego.

Sachsida substituiu um ministro, o almirante Bento Albuquerque, afastado por Bolsonaro depois de mais uma alta do preço do diesel. Sem ter conseguido submeter a Petrobras a seus objetivos políticos, o presidente optou por eliminar o ministro responsável pela área energética. Na melhor hipótese, do ponto de vista presidencial, esse ato serviria para marcar o demitido como culpado pelo encarecimento do combustível. O almirante seria convertido em bode expiatório – expressão usada por vários comentaristas. Mas como disfarçar a inflação de 1,06% em abril, a mais alta para o mês em 26 anos, e a taxa de 12,13% acumulada em 12 meses?

Em nenhum momento o novo ministro cuidou diretamente, em seu discurso inicial, dos preços dos combustíveis ou da inflação. Sua crítica a “medidas pontuais”, de impacto às vezes “oposto ao desejado”, poderia ser interpretada como recusa das tentativas improvisadas de conter os aumentos nas bombas. Mas seria difícil imaginá-lo criticando o presidente. Sachsida mostrou-se um entusiasmado bolsonarista desde antes da eleição, em 2018, e participou, depois, de manifestações a favor do presidente.

Sem discutir as funções, os objetivos e problemas do Ministério de Minas e Energia, Sachsida dedicou boa parte de seu pronunciamento a questões de política econômica. Comentando as tendências do investidor internacional, falou sobre a importância de apresentar o Brasil como um porto seguro para a aplicação de capitais. Alongou essas observações, mas sem dizer se o País já tem essa imagem ou como se poderia consolidá-la.

Não explicou, por exemplo, como poderá ser visto como “porto seguro” um país no qual as instituições democráticas são ameaçadas pelo presidente da República. Não mostrou a segurança de uma economia onde se adota um orçamento secreto, as normas fiscais são com frequência atropeladas e a política econômica é decidida de improviso, no dia a dia, sem planejamento e sem rumo. Não indicou por que se deve confiar num mercado com ampla instabilidade cambial, resultante principalmente da insegurança causada pelos desmandos presidenciais. Além disso, como desconhecer essa instabilidade, se a frequente fuga dos investidores já é um forte sinal de insegurança?

Não causaram surpresa a frouxidão e as omissões do discurso do novo ministro de Minas e Energia. Como servidor do Ministério da Economia, de onde saiu para o novo posto, Sachsida era conhecido pela insistência em mostrar um quadro sempre melhor que a realidade vivida pelas famílias, conhecida no dia a dia dos mercados e descrita pela imprensa profissional. Por que perder tempo criticando as projeções do mercado e das instituições multilaterais, além das avaliações dos jornalistas, quando o próprio ministério reduziu de 2,1% para 1,5% sua estimativa de crescimento econômico em 2022?

Discutir a privatização da Petrobras ou de qualquer estatal é perfeitamente razoável quando se pensa em fortalecer uma economia de mercado. Mas o assunto envolve questões constitucionais ligadas a valores e objetivos do Estado. Um debate sério deve incluir considerações estratégicas e políticas, trate-se de privatização ou de estatização. Melhor esperar o início do novo mandato presidencial para abrir esse processo, com a participação, talvez, de atores mais qualificados. 

O papel de um Estado moderno

O Estado de S. Paulo

Anatel acerta ao se preocupar em criar condições para ampliar a competição no setor, e não apenas salvar empresas

No Brasil de hoje, o papel das instituições tem sido deturpado de forma deliberada. As Forças Armadas, cuja função constitucional é a defesa nacional, têm sido usadas pelo presidente Jair Bolsonaro para semear dúvidas sobre o processo eleitoral. Em um evidente abuso de prerrogativas, Bolsonaro usa o dispositivo do perdão presidencial para beneficiar um aliado, afrontar o Supremo Tribunal Federal (STF) e reacender o ânimo de seus seguidores. Câmara e Senado assumiram o controle do Orçamento para favorecer interesses paroquiais. Em um contexto de confusão generalizada, é auspicioso, portanto, que haja algum discernimento dentro do governo, como demonstrou o novo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri, ao Estadão.

Os avanços tecnológicos nas telecomunicações são inegáveis. Há menos de 30 anos, o País registrava filas de espera para linhas de telefonia fixa que se contavam em anos, algo impensável para as novas gerações. Os celulares servem para tudo – troca de mensagens, câmeras fotográficas, transações bancárias, instrumentos de geolocalização e, inclusive, ligações. A internet proporcionou que o necessário isolamento social no auge da pandemia de covid-19 fosse menos penoso para toda a sociedade. No Brasil, isso tudo foi fruto da privatização da Telebras, realizada no fim da década de 1990. Não restam dúvidas de que todo esse desenvolvimento não seria possível sem a presença de empresas privadas concorrendo entre si.

Esse ambiente competitivo, porém, não nasce de forma natural. Em um setor que tende à consolidação e que possui uma demanda crescente de investimentos, é dever de um Estado moderno criar regras que possibilitem o surgimento e a sobrevivência de novos negócios. Essa foi a essência da mensagem do presidente da Anatel ao pregar esforços para garantir o estabelecimento de um quarto operador regional no mercado. O formato do leilão do 5G, realizado no ano passado, foi um passo nessa direção, quando assegurou que uma parte das frequências fosse reservada a empresas de menor porte. Agora, após o fatiamento das operações da Oi móvel entre Vivo, Claro e TIM, a agência reguladora promete fiscalizar o cumprimento, por parte das três, das contrapartidas impostas para fechar a compra – como obrigações de ofertas de roaming e de serviços a operadoras de redes móveis virtuais e compromissos de compartilhamento de espectro.

Muitos erros foram cometidos no passado recente com base na premissa de fazer da Oi uma campeã nacional do setor. O desfecho da história da operadora, a despeito do rol de mudanças legais e regulatórias encomendadas por administrações petistas, é prova incontestável de que a tarefa de salvá-la nunca deveria ter sido assumida por nenhum governo. Por outro lado, estabelecer condições para que o mercado se ajuste, garantir um ambiente saudável para pequenas e médias empresas e fiscalizar o cumprimento de contrapartidas impostas às grandes companhias é, precisamente, função do Estado e, em particular, da Anatel. 

A decepção no setor de infraestrutura

O Globo

Um dos maiores problemas do Brasil é a produtividade baixa — e ela tem relação óbvia com falta de investimento em infraestrutura, como estradas, saneamento, energia, telecomunicações, portos e mobilidade urbana. Em 1980, um trabalhador americano produzia, em média, o equivalente a três brasileiros ou seis coreanos. Hoje o americano continua sendo mais produtivo, mas é preciso contar com mais brasileiros (cinco) e menos coreanos (dois).

Para acabar com esse desequilíbrio, o investimento em infraestrutura é urgente. É verdade que também temos de avançar em educação e acesso a capital, mas um brasileiro com a mesma educação e quantidade de recursos que um americano continuará produzindo menos. O caminhão com insumos demorará mais a chegar, o funcionário levará mais tempo entre a casa e o trabalho, ficará mais cansado, terá mais problemas de saúde.

Essa é mais uma área em que o governo de Jair Bolsonaro decepcionou. Entre 2019 e 2021, o investimento em infraestrutura no Brasil diminuiu na comparação com o período entre 2016 e 2018. Em valores médios anuais corrigidos pela inflação, saímos de R$ 151,1 bilhões (ou 1,76% do PIB) para R$ 140,4 bilhões (1,73%), segundo dados publicados neste mês pela consultoria Inter.B. É muito pouco perto da nossa necessidade mínima para resgatar o crescimento: duas décadas ininterruptas com investimento da ordem de 3,64% do PIB.

Bolsonaro foi duplamente incapaz: não manteve o volume de recursos públicos, tampouco permitiu atrair mais capital privado. Muitos investidores estrangeiros decidiram não pôr dinheiro aqui por causa da destruição da reputação do país: devastação ambiental, ameaças a indígenas, ministros delirantes, negacionismo na pandemia e ataques à democracia. “Uma frase muito repetida é ‘vamos aguardar’ ”, afirma o economista Claudio Frischtak, da Inter.B.

Ao aliar-se ao Centrão, Bolsonaro desistiu de aperfeiçoar a governança na relação do Estado com as empresas, um problema histórico. Promoveu um sem-número de desatinos: dinheiro alocado sem racionalidade técnica por meio das emendas do relator; o jabuti das térmicas encarecendo a energia na lei de privatização da Eletrobras; para completar, a discussão na Câmara para barrar aumentos da conta de luz e a articulação para financiar com dinheiro público gasodutos sem nenhuma lógica econômica.

Nem tudo deu errado. A aprovação do novo marco do saneamento foi um dos avanços. A privatização da Cedae e de aeroportos atraiu novos investidores, apesar da lentidão nos novos leilões. Mas foi pouco diante do que o país precisa. Mantido o ritmo atual de investimento, o Brasil chegará a 2040 como a grande economia mais distante do estágio ideal, segundo a Global Infrastructure Hub, ligada ao G20.

Para os padrões internacionais, o setor privado tem no Brasil uma participação alta nos investimentos em infraestrutura (de dois terços). Mas não há outra saída senão aumentá-la. A crise fiscal inviabiliza os investimentos públicos. Sem atrair novos investidores, o nó da infraestrutura não será desfeito.

É inaceitável a profusão de pistas de pouso do garimpo ilegal na terra ianomâmi

O Globo

O garimpo clandestino tem transformado as terras ianomâmis, maior reserva indígena do Brasil, num polo de ilegalidade. É um escândalo haver 277 pistas de pouso na comunidade. O número consta de mapeamento feito pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), como revelou reportagem do GLOBO. Pode haver ainda mais. Uma ação do Ministério Público Federal (MPF) afirma que a fiscalização cobre apenas um terço da logística de apoio ao garimpo.

A Fundação Nacional do Índio (Funai), que deveria proteger essas comunidades, também tem conhecimento da aberração. Relatórios sigilosos da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, a que O GLOBO teve acesso, mostram o avanço contumaz dessa infraestrutura ilegal durante o governo Bolsonaro. Em 2019, havia três pistas de pouso e 14 helipontos ao longo do Rio Mucajaí, uma das principais regiões exploradas pelo garimpo. No fim do ano passado, uma ação da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça identificou 87 instalações desse tipo.

Além dos danos óbvios, como devastação da floresta e contaminação dos rios por mercúrio, a atividade traz riscos para a aviação comercial. Em março de 2021, um avião da Latam que ia para o aeroporto de Boa Vista, capital de Roraima, teve de arremeter para não colidir com um helicóptero do garimpo.

Certamente não é coincidência que as pistas de pouso tenham se multiplicado na gestão Bolsonaro. A leniência com que o governo trata madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais é um incentivo à proliferação de atividades clandestinas que degradam a floresta e expõem os povos indígenas a doenças. A fiscalização por vezes é inócua. O Ministério Público Federal afirma que 29 aeronaves apreendidas em operações voltaram a operar no garimpo. Por isso recomendou que elas fossem destruídas ou ganhassem novo destino.

O drama imposto aos povos ianomâmis tem sido notório e está longe de se restringir aos danos ambientais. Relatórios de lideranças indígenas fazem acusações de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças, trabalho forçado e oferecimento de bebidas alcoólicas, além de outras barbaridades. No fim do mês passado, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kwana (Condisi-YY), denunciou que uma menina de 12 anos fora estuprada e morta por garimpeiros. A Polícia Federal fez operação na região e não comprovou a denúncia. Junior alegou que os indígenas haviam sido silenciados pelos invasores.

Se o governo sabe que existem pistas de pouso clandestinas nas terras ianomâmis, deveria inutilizá-las, além de apreender aeronaves e maquinário. Seria uma forma de atacar a infraestrutura que sustenta cerca de 20 mil garimpeiros ilegais. Operações eventuais não resolverão, especialmente diante do desmonte das estruturas de fiscalização. Com uma política ambiental tóxica, em três anos e meio Bolsonaro deixou o garimpo ilegal se expandir pela floresta. Será bem mais difícil combatê-lo. Se é que ele quer.

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