quinta-feira, 12 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Emendas reavivam estelionato eleitoral de Jair Bolsonaro

Valor Econômico

As facções do Congresso que se aproveitam da apatia motivada do chefe do Executivo têm boas chances nas urnas em outubro

O presidente Jair Bolsonaro escapou de um impeachment pelo acordo com os partidos do Centrão, do qual resultou, como celebração do entendimento, as emendas do relator. Elas são a lembrança presente do estelionato eleitoral de Bolsonaro. Ao invocar a nova política e atacar a corrupção de governos do PT, Bolsonaro se elegeu e se engajou em práticas tão nocivas quanto as do mensalão como forma de se manter no poder. A bancada que elegeu em sua onda pseudomoralizadora também se locupletou com as emendas secretas, com a hipocrisia do presidente viralizando na bancada eleita.

O núcleo duro do bolsonarismo é simpático ao dinheiro - foram R$ 270 milhões repassados de forma obscura para obras Brasil afora, algo só revelado após exigência do Supremo Tribunal Federal. O deputado Eduardo Bolsonaro, o 02, fez uso de R$ 9,5 milhões, dos quais apartou R$ 300 mil para a cidade de Miracatu, onde seu tio, irmão do presidente, Renato Bolsonaro, é chefe de gabinete da prefeitura.

A tropa de choque ideológica, que não despreza oportunidades, foi pelo mesmo caminho. O major Vitor Hugo, candidato ao governo de Goiás pelo PL, encaminhou R$ 131 milhões para obras várias. A deputada Bia Kicis, que conseguiu se alçar a presidente da comissão mais importante da Câmara, a de Constituição e Justiça, serviu-se de R$ 32 milhões, com especial apreço à Codevasf, destinatário principal das emendas secretas, que recebeu um terço do dinheiro. Todos os dias chegam denúncias de obras inacabadas, abandonadas, pessimamente executadas ou superfaturadas pela estatal, cuja área de atuação só não chegou ainda ao Chuí por descuido. Seu presidente é um indicado pelo chefão da Casa Civil e orientador das emendas secretas, Ciro Nogueira (PP-PI). Carla Zambelli, que ameaça concorrer ao Senado por São Paulo, repassou R$ 25 milhões. Helio Lopes, seguidor compulsivo de Bolsonaro, obteve R$ 20 milhões. Luiz Philippe de Orleans e Bragança contentou-se com R$ 10 milhões.

Os ataques contra a corrupção do PT serviram para desviar a atenção dos métodos usados por ele para consolidar seu poder - semelhante nos fins, diferente nos meios. Se o mensalão - no qual o presidente do PL, ao qual o presidente se filiou, foi condenado e preso - comprou a prestações o apoio ao governo Lula, as emendas secretas abriram canal exclusivo de distribuição de verbas para quem se aproximou da cúpula do poder na operação de salvamento de um governo acuado. Uma diferença é que no mensalão e no petrolão o Ministério Público foi atuante, e agora, não.

A deterioração política expressa no descontrole do destino do dinheiro público, incentivada pelo Executivo, prosperou com o avanço da centro-direita no Congresso, como havia progredido sob os governos petistas com o mesmo arco partidário. Só agora, com dois meses de atraso, o Congresso cumpriu parcialmente as exigências de transparência feitas pela ministra Rosa Weber, do STF. Em uma pilha desorganizada de prestação de contas de 343 deputados e 64 senadores, pode-se aferir que a cúpula dos partidos que comandam o Congresso ficou com a maior parte das verbas distribuídas, bolsonaristas incluídos.

O nepotismo é uma praga crônica e um Congresso conservador é uma instituição que preza acima de tudo a família. A campeã de emendas secretas, com R$ 399,2 milhões, foi Eliane Nogueira, genitora do chefão do Orçamento da República e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, suplente no Senado de seu filho. Em qualquer país civilizado, o que não é o caso do Brasil, seria um escândalo e atrairia a atenção da Justiça. Em seguida vêm os maiorais do Congresso, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, com R$ 357,4 milhões, que não esqueceu o pai, prefeito de Barra de São Miguel (agraciado com R$ 6 milhões) e seu reduto eleitoral, Arapiraca (R$ 45 milhões). Como quase toda a turma do Centrão, Lira enviou a maior parte do dinheiro das emendas para a Codevasf e suas empresas “de ponta”.

Os então líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra, com R$ 256,6 milhões e Eduardo Gomes, líder do Congresso, com R$ 243 milhões, estão no top ten das emendas escondidas. Ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), coube R$ 180,3 milhões, dinheiro para ele bem utilizado porque os 853 municípios de Minas “são uma síntese do Brasil” (Folha, ontem). Há um retrocesso evidente, mas as facções do Congresso que se aproveitam da apatia motivada do chefe do Executivo têm boas chances nas urnas em outubro.

Planalto quer uma Petrobras igual à estatal venezuelana

O Globo

O motivo para a troca de comando no Ministério de Minas e Energia não é surpresa. A pasta tem influência sobre duas variáveis que têm sido críticas para segurar a popularidade — e o projeto eleitoral — do presidente Jair Bolsonaro: a alta dos combustíveis e a alta da energia. Em desafio ao interesse de Bolsonaro, o almirante e agora ex-ministro Bento Albuquerque defendia a política de preços da Petrobras e atacava iniciativas do Congresso para congelar a conta de luz ou destinar recursos a gasodutos.

Albuquerque foi o bode expiatório para o candidato que, mesmo tendo acabado de trocar o presidente da Petrobras, chamou o lucro da estatal de “um estupro, um absurdo”. O novo ministro, Adolfo Sachsida, é um economista liberal que também já criticou a tentativa de segurar os preços da gasolina e do diesel. Mas tem uma característica que o distingue de Albuquerque: é um bolsonarista canino. Foi o primeiro economista a se aproximar do presidente, antes mesmo de Paulo Guedes.

A sete meses do fim do mandato, não se sabe se Bolsonaro trocará de novo o presidente na Petrobras. Ele já dispensou do cargo Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, por manterem a política de preços alinhados com as cotações internacionais. Nem bem assumiu, o novo presidente, José Mauro Ferreira Coelho, aumentou o diesel em 8,87% (terceiro reajuste do ano, num total de 47%). Não agradou.

O Planalto gostaria de implantar na Petrobras um modelo equivalente ao da PDVSA, estatal venezuelana posta a funcionar a serviço do chavismo e destroçada por Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Desde a gestão Pedro Parente, nomeado por Michel Temer em 2016, a Petrobras tenta, apesar das pressões do Congresso, adotar um modelo oposto, voltado ao mercado.

Parente recebera a estatal castigada pela manipulação de preços no governo Dilma Rousseff, responsável à época pela dívida mais alta do mundo (US$ 100 bilhões). A mudança de modelo e alta do petróleo equacionaram o problema. A Petrobras registrou lucro recorde de R$ 107 bilhões em 2021 e pagou mais de R$ 37 bilhões em dividendos ao Tesouro. No primeiro trimestre do ano, lucrou quase R$ 45 bilhões, gerando mais recursos ao governo na forma de dividendos e impostos.

Bolsonaro prefere ignorar essa parte da realidade. Também ignora que, quem quer que seja o ministro ou o presidente da estatal, será impossível intervir nela como no passado. O esquema de corrupção desbaratado pela Operação Lava-Jato foi uma das razões para a aprovação da nova Lei das Estatais em 2016, estabelecendo regras rígidas de governança e transparência. A própria Petrobras tornou sua gestão mais profissional. Ao sair, Luna e Silva afirmou que, pela lei, é impossível mudar a política de preços para satisfazer ao presidente da República.

A ideologia traz soluções fáceis a problemas intrincados. Sabe-se o que acontece toda vez que o Planalto intervém no mercado. Os efeitos não se restringem ao balanço da Petrobras. Apesar de a empresa ser autossuficiente em petróleo, 30% dos combustíveis são importados no Brasil. O resultado, ao primeiro sinal de congelamento político de preços, é o desabastecimento. Muito caminhoneiro bolsonarista ficaria sem diesel... Ajudaria se o presidente propusesse ideias para suavizar picos de preços sem desestruturar as finanças da Petrobras. Mas isso dá trabalho — e o obrigaria a descer do palanque.

Dados apresentados sobre emendas do relator ainda são insuficientes

O Globo

O Congresso Nacional deu nesta semana um passo importante ao obedecer à decisão judicial e entregar documentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) com dados sobre a distribuição de recursos por emendas do relator, mecanismo adotado pelo governo Bolsonaro para comprar apoio no Legislativo. Em 2020 e 2021, R$ 38,1 bilhões (em valores corrigidos) foram repartidos por deputados e senadores sem que se soubesse o nome do parlamentar e o destino do dinheiro. Foi essa falta de transparência que deu origem à alcunha de “orçamento secreto”.

No final do ano passado, o Congresso apresentou medidas para tentar jogar luz nas futuras emendas após a decisão do STF. Acertadamente, a ministra Rosa Weber exigiu que detalhes sobre o passado também viessem à tona. Foi o que finalmente começou a acontecer com a divulgação dos dados. Mas, embora valiosa, ela é insuficiente. De acordo com um levantamento do GLOBO, com os dados de 404 congressistas, 70% das verbas ainda continuam secretas. Os valores divulgados correspondem a apenas R$ 11 bilhões do total. Falta, acima de tudo, uma profunda investigação para identificar desvios.

O Brasil é um país com pouco dinheiro para as demandas de investimento existentes. As mazelas estão por todos os lados. Por isso é uma lástima que parte considerável dos poucos recursos existentes seja alocada sem nenhuma racionalidade.

Em 2021, o senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), relator do Orçamento, e a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foram os recordistas de destinações. Nos últimos dois anos, integrantes da cúpula do Congresso enviaram recursos da ordem de R$ 1 bilhão. Quem lidera a lista é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, seguido de Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo no Senado.

Acre, Piauí, Alagoas e Pernambuco estão entre os estados mais pobres da Federação. Devem constar em qualquer análise séria sobre potenciais alvos de verba pública. Mas resolver os problemas desses locais não foi a prioridade das emendas do relator. Prevaleceu o atendimento descarado a redutos eleitorais.

Mesmo com a entrega de documentos ao STF, parte das emendas do relator continua secreta. O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) presidiu o Senado entre 2019 e 2021, período em que foi o principal operador do mecanismo. Ao contrário dos demais parlamentares, Alcolumbre não detalhou as emendas que destinou. Só apresentou uma lista de emendas dele e de outros parlamentares somando escandalosos R$ 17 bilhões. Sua assessoria informou que ele não se pronunciaria porque se recupera de cirurgia.

Ora, há pelo menos cinco meses os congressistas sabem que deveriam prestar contas. Com tanto esforço para evitar a transparência, a ministra Rosa Weber deveria voltar a se pronunciar sobre esse caso. É imperativa uma varredura nas informações prestadas por todos. Não pode restar nenhuma dúvida sobre a lisura dos congressistas.

Bolsos e mentes

Folha de S. Paulo

Benesses variadas fazem parte da estratégia de Bolsonaro para cooptar militares

Jair Bolsonaro (PL) seduz setores das corporações armadas com um ideário que vai da defesa de policiais e militares envolvidos em operações controversas até a apologia da ditadura, qualificação que rejeita, instaurada após o golpe de 1964.

"Meu Exército" é como o capitão reformado gosta de se referir à Força que deixou há mais de 30 anos para seguir carreira política. Sempre que pode, Bolsonaro usa a identificação com a caserna como instrumento de intimidação política e institucional —a atual pressão do Ministério da Defesa sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é apenas o exemplo mais recente.

Mas não é apenas com ideologia que o mandatário busca cooptar militares. Os bolsos das fardas também têm sido agraciados com benesses de dimensões e justificativas variadas em seu governo, em contraste com restrições orçamentárias enfrentadas pela maioria dos setores da administração.

Um exemplo vexatório é o da portaria editada em abril do ano passado para permitir o acúmulo de remunerações em valor acima do teto salarial do serviço público, hoje de R$ 39,3 mil mensais.

Embora válida também para civis, a medida foi particularmente proveitosa para militares inativos que ocupam postos na gestão federal, casos do próprio Bolsonaro, em menor escala, do vice, Hamilton Mourão, e de ministros.

Como noticiou a Folha, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria-Geral da Presidência, engordou seus contracheques em R$ 350,7 mil ao longo de 12 meses graças à norma, recebendo ao todo R$ 874 mil no período.

Seu congênere Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, foi o segundo maior beneficiário na caserna, com R$ 342 mil de um total de R$ 866 mil. Ao todo, 43 reservistas se beneficiaram da portaria —que tem amparo legal, ressalve-se, mas claramente dribla o propósito do teto.

Há agrados mais amplos e custosos aos fardados. Por ocasião da reforma previdenciária, em 2019, eles obtiveram uma reestruturação vantajosa de carreira, o que destoa do controle de reajustes e contratações corretamente aplicado ao restante dos servidores.

Em consequência, dados do Tesouro Nacional apontam que o gasto federal com pessoal militar ativo cresceu 5,7% acima da inflação sob Bolsonaro até 2021, enquanto os desembolsos com os funcionários civis tiveram queda de 8,4%.

O problema está menos na despesa mal justificada do que numa relação imprópria entre presidente e Forças Armadas, que inclui uma distribuição despropositada de cargos no Executivo e nas estatais —e aberrações como o envolvimento, voluntário ou não, na ofensiva contra o processo eleitoral.

Intervenção sem foco

Folha de S. Paulo

Lucro da Petrobras, que também decorre de duros ajustes, eleva a receita pública

Com lucros em alta, as estatais despertam cobiça política. Se há menos espaço hoje para o clientelismo mais grosseiro, graças a barreiras institucionais recentes, o governo Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores no Congresso, com os olhos nas eleições, mostram disposição de intervir nas empresas.

Os resultados de Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica Federal e Correios no ano passado renderam dividendos de R$ 46 bilhões ao Tesouro Nacional, como noticiou o jornal Valor Econômico. Por representar a maior fatia dos recursos, a petroleira é o foco de atenção.

A companhia já trocou de comando duas vezes porque Bolsonaro precisava demonstrar incômodo com o reajuste dos combustíveis. Nesta quarta (11) caiu o ministro de Minas e Energia, por motivos ainda não devidamente esmiuçados.

O mandatário também atacou publicamente o lucro gigantesco da estatal, de R$ 44,5 bilhões apenas no primeiro trimestre. No período, foram aprovados R$ 48,5 bilhões em dividendos (a União tem 37% do capital) e pagos R$ 69,9 bilhões em impostos e royalties.

A alta nas cotações do petróleo é parte da explicação para os resultados. Como a Petrobras segue, com defasagens, a referência dos preços internacionais, a lucratividade sobe em momentos com o atual.

Mas há outros fatores cruciais, que tendem a ser desconsiderados no discurso político: a empresa só tem gerado tais retornos depois de anos de saneamento financeiro.

O pagamento de dívidas excessivas decorrentes de projetos perdulários, ajustes na folha de pagamento e disciplina no uso do dinheiro em empreendimentos rentáveis de extração também estão por trás do desempenho.

Longe de se tratar de um estupro, como classificou Bolsonaro em sua retórica abrutalhada, os lucros são testemunho de uma gestão responsável que contribui para o país e o governo na forma de dividendos, impostos e royalties.

Os recursos proporcionam mais espaço no Orçamento. Mesmo na vigência do teto para os gastos federais, podem ser usados para abater dívida e com isso reduzir os juros, o que ao longo do tempo também resulta em ganho de bem-estar.

Ilusão é imaginar que seja virtuoso utilizar uma empresa listada em Bolsa para fazer política pública, de boa qualidade ou não, sem ressarcimento por parte do Tesouro. O que o governo não tem são bons planos para o dinheiro público.

É do TSE a palavra final sobre eleição

O Estado de S. Paulo

A sociedade precisa superar a falácia da ‘insegurança’ das urnas eletrônicas. O TSE já demonstrou que o processo eleitoral é limpo. O resto é desinformação ou má-fé

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez uma deferência às Forças Armadas ao convidá-las a indicar representante para compor a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) da Corte e ao responder às dúvidas levantadas por alguns militares acerca da segurança das urnas eletrônicas. A rigor, não precisava nem deveria, pois as Forças Armadas não existem para validar o processo eleitoral e, ademais, não há qualquer dado objetivo que justifique a desconfiança no sistema por meio do qual o País escolhe seus representantes há 26 anos, sem a ocorrência de fraudes. Referência internacional em segurança, eficiência e rapidez na realização de eleições, o sistema eleitoral brasileiro é motivo de orgulho, não de suspeição.

Como o Estadão revelou há poucos dias, as Forças Armadas fizeram 88 questionamentos ao TSE sobre o processo eleitoral nos últimos oito meses, e 81 já tinham sido respondidos e divulgados. No dia 9 passado, a equipe técnica da Corte respondeu às sete dúvidas remanescentes. Em detalhado ofício às Forças Armadas, os técnicos do TSE esclareceram, uma por uma, as suspeitas de “fragilidade” das urnas eletrônicas e outras “vulnerabilidades do processo eleitoral” apontadas pelos militares. É assim que se combate a desinformação.

Muitas das suspeitas enumeradas pelos militares, de acordo com os especialistas do TSE, são apenas “opiniões” e provêm de “equívocos” e “erros de premissa”, como, por exemplo, acreditar que a totalização dos votos de todo o País é feita em uma “sala escura” em Brasília, também chamada de “sala secreta” pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Trata-se de uma mentira difundida por Bolsonaro com o evidente propósito de provocar falsas dúvidas nos eleitores quanto à lisura do processo eleitoral. Do presidente, seria ocioso esperar comportamento diferente. É lamentável, no entanto, que alguns militares se prestem ao papel de fiadores desse ardil.

“Não há, com o devido respeito, uma ‘sala escura’ de apuração”, responderam os técnicos do TSE. “Os votos digitados na urna eletrônica são imediatamente computados e podem ser contabilizados em qualquer lugar, em todos os pontos do País”, diz trecho do documento enviado pela Corte às Forças Armadas. “É impreciso afirmar que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) não participam da totalização. Muito pelo contrário, os TREs continuam comandando as totalizações em suas respectivas unidades da Federação.”

Isso é tão verdadeiro que nem é preciso ir tão longe na história das urnas eletrônicas. Nas eleições municipais de 2020, quando o TSE enfrentou problemas técnicos que causaram atraso na divulgação da totalização dos votos, muitos candidatos a prefeito Brasil afora já comemoravam sua eleição porque contabilizaram os votos recebidos com base nos boletins de urna em seus respectivos municípios. Superado o problema que causou a lentidão, o TSE confirmou os mesmíssimos resultados, como era esperado.

Lá se vão quase quatro décadas desde que o processo eleitoral – do início ao fim – passou a ser uma responsabilidade intransferível de autoridades civis do País. E, em todo esse tempo, nunca houve problemas graves o bastante para justificar a mais tênue desconfiança sobre a lisura dos resultados das urnas.

A participação institucional dos militares na realização das eleições limita-se ao transporte das urnas até localidades remotas do País. Por si só, isso já é uma contribuição inestimável das Forças Armadas à democracia, pois garante que todos os brasileiros, sem exceção, exerçam seu direito ao voto.

Respondidas as dúvidas levantadas pelas Forças Armadas, a sociedade deve superar esse falso debate em torno da segurança das urnas eletrônicas. Convém lembrar que a Polícia Federal, analisando inquéritos abertos desde 1996, jamais encontrou indícios de fraudes na votação eletrônica. Ademais, e sobretudo, é do TSE a palavra final sobre eleições no País. E a Corte já se pronunciou. Basta de dar trela aos arautos do caos. Só eles ganham com a confusão.

É crucial voltar a investir no País

O Estado de S. Paulo

Mesmo que faça muito bem o que precisa ser feito, o Brasil levará ainda duas décadas para reconstruir a infraestrutura indispensável ao crescimento

Se bem conduzido a partir do início do governo que tomará posse no dia 1.º de janeiro de 2023, um programa de modernização da infraestrutura do País levará duas décadas para ser concluído com resultados que assegurem o crescimento contínuo da economia brasileira. Além de boa gestão pública, item de que o Brasil carece agudamente desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, um programa com essas características exigirá muito mais recursos – públicos e privados, sobretudo estes – do que tem sido aplicado nos últimos anos. O desafio é imenso, não apenas para assegurar os investimentos necessários, mas, sobretudo, para estabelecer regras claras e estáveis que estimulem a entrada de capital privado e garantam sua adequada remuneração e, no setor público, critérios de transparência e de planejamento que evitem o arbítrio e o desvio de finalidade e de recursos.

“Ainda não conseguimos alterar de forma material a trajetória de investimentos em infraestrutura”, diz o economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, na apresentação da Carta de Infraestrutura na qual se analisam o fluxo e o estoque dos investimentos a partir de 2010, com projeções para 2022. Investe-se muito pouco. No ano passado, os investimentos alcançaram 1,73% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2022, segundo projeções da consultoria, devem ficar em 1,71%. A modernização exige pelo menos 3,64% do PIB durante 20 anos.

A trajetória de queda dos investimentos se observa desde 2013, quando surgiram os primeiros sinais da grave crise econômica causada pela irresponsável política econômica do governo petista de Dilma Rousseff e que se agravaria até 2016, ano em que ela foi afastada do cargo. A pequena melhora observada a partir de 2020 nos investimentos públicos não decorreu de alguma decisão adequada do governo Bolsonaro, mas da iniciativa de governos estaduais.

Mesmo quando as estatísticas mostravam volume expressivo de investimentos, especialmente do setor público, o resultado não era proporcional aos montantes contabilizados. “Não investimos necessariamente bem”, observam os autores da publicação. Exemplo notório de maus investimentos é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado com estardalhaço em 2007, no início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a mobilização de centenas de bilhões de reais e metas ambiciosas. “O PAC foi um programa mal concebido e pior executado, gerando enorme desperdício de recursos”, afirmam.

Os investimentos públicos ainda estão sujeitos a forte influência política, diz o estudo. Orçamento secreto, destinações de recursos para áreas de interesse eleitoral de políticos da base governista e mau uso do dinheiro público dão a dimensão das mudanças necessárias para fazer o investimento público render aquilo que o contribuinte tem o direito de esperar. Para alcançar o volume de investimentos necessário será preciso planejamento adequado e, para garantir sua correta destinação, é preciso criar formas de controle e acompanhamento mais rigorosas e eficazes, de modo a conter o desperdício e a corrupção.

A reforma do Estado, que reduza despesas correntes e crie espaço para a ampliação dos investimentos, será essencial. Trata-se de uma mudança com que todos os cidadãos preocupados com o futuro do País concordam. Mas ela contraria muitos interesses e, por isso, sua aprovação demandará empenho e competência política do futuro presidente da República.

O investimento privado – que já tem peso maior do que o público e deverá ser ainda mais importante – precisará de maior segurança jurídica, estabilidade das regras e fiel obediência a elas. Atraí-lo exigirá também o rompimento do que a Carta de Infraestrutura chama de “véu de incerteza” que encobre o País e que foi tecido pela destruição da reputação do Brasil em decorrência das más políticas do governo Bolsonaro no campo diplomático e na área ambiental.

A tarefa é certamente complexa. Mas é possível mudar para assegurar os investimentos em infraestrutura de que o País necessita. 

Otimismo num cenário incerto

O Estado de S. Paulo

Alguns indicadores alimentam a sensação de que os problemas passaram, mas muitos continuam ameaçadores

A alta das vendas do varejo em março foi o terceiro resultado mensal positivo consecutivo, e levou o volume vendido a ficar 2,6% acima do nível de fevereiro de 2020. Também o setor de serviços já opera em ritmo bem superior ao observado antes da pandemia. A taxa de desocupação se estabilizou num nível inferior ao observado até meados do ano passado. Dados como esses, aferidos mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram um cenário melhor do que se podia esperar no início do ano.

Nesse quadro menos sombrio, a pandemia parece ter desaparecido do horizonte de boa parte dos analistas. Assim, projeções para o desempenho da economia vão subindo, como mostram as pesquisas semanais do Banco Central com a média das avaliações das instituições financeiras. Não faz muito tempo, não eram raras as projeções de queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022. A média das projeções vem subindo e, depois de ficar abaixo de 0,5% em boa parte do ano, agora se aproxima de 1%.

Seria bom se esse cenário se consolidasse e, nos próximos meses, fosse adornado por mais indicadores positivos que apontassem para uma recuperação mais rápida e sustentada da atividade econômica.

Além dos dados animadores, porém, há outros que recomendam precaução nas projeções. O primeiro deles é a inflação, que na prévia para abril alcançou 1,73%, com o que o resultado acumulado de 12 meses chegou a 12,03%. É para conter esse vigor inflacionário que o Comitê de Política Monetária (Copom) vem elevando a taxa Selic, o juro básico da economia. Em sua mais recente reunião a aumentou de 11,75% para 12,75%. No início do ano passado, a Selic estava em 2%.

O endurecimento da política monetária afetará o desempenho da economia nos próximos meses. Consumidores serão em alguma medida desestimulados a tomar empréstimos para fazer compras de bens de maior valor, empresas igualmente tenderão a recorrer menos a financiamentos bancários. A inadimplência já está alta e poderá aumentar. O desempenho da economia, assim, poderá não ser tão animador como hoje se projeta.

A taxa de desocupação, embora tenha caído do pico de 14,9%, observado no início do ano passado, para 11,1% nas pesquisas mais recentes divulgadas pelo IBGE, continua alta. E a renda real média do trabalho é 8,6% menor do que a de um ano antes.

A política fiscal, marcada por ardilosas manobras orçamentárias do Executivo e estimuladas pelo Congresso, gera dúvidas que o clima eleitoral tenderá a acentuar. Não há sinais de que, por esse lado, possa haver melhora neste ano.

No plano internacional, de onde provêm pressões inflacionárias, também não há razões para esperar mudanças positivas. A guerra na Ucrânia continua a impulsionar preços de importantes itens do comércio mundial e que afetam o Brasil, como petróleo, trigo, milho e fertilizantes. E a atividade econômica mundial está em desaceleração.

Não sem razão, “incerteza” é uma palavra repetida várias vezes na ata da última reunião do Copom. Ser otimista diante de tantas incertezas requer alguma dose de prudência.

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