quinta-feira, 5 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Lula deveria expor suas propostas com clareza e detalhes

O Globo

Um dos efeitos deletérios da decadência do debate político no Brasil — resultado dos atos e palavras de Jair Bolsonaro — é abaixar o sarrafo nas exigências dos demais candidatos. É um equívoco. Todas as falhas, independentemente de quem seja o autor, precisam ser apontadas. O Brasil que vai às urnas no final do ano precisa eleger alguém capaz de enfrentar desafios nada triviais. Precisão no diagnóstico e clareza de propósito são exigências para todos os postulantes.

Nos dois quesitos tem sido decepcionante o desempenho do líder nas pesquisas e principal desafiante de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas vésperas de ser lançado oficialmente pré-candidato, Lula deixou claros em entrevista à revista americana Time seu apego ao passado e sua incapacidade de vislumbrar uma saída para os problemas presentes e futuros do Brasil.

Questionado sobre seus planos para a economia — área crítica em qualquer governo —, voltou a tergiversar, como tem feito em suas manifestações recentes. Deu duas respostas sem substância. Afirmou que não discutiria o assunto antes de ganhar a eleição e que basta examinar seus dois mandatos para saber o que vem pela frente. Ora, tais declarações ignoram que uma das maiores preocupações dos eleitores no atual momento diz respeito à economia e que Brasil e mundo passaram por transformações profundas desde que ele saiu da Presidência. Mais detalhes são necessários — e rápido.

Ainda na entrevista à Time, Lula se mostrou desorientado com a cena global. Foi sensato ao defender a transição gradual para uma matriz energética limpa (ele não apoia o fim imediato da exploração de petróleo como o esquerdista colombiano Gustavo Petro) e o resgate do protagonismo brasileiro nos temas ambientais. Ao mesmo tempo, sua posição sobre outros temas internacionais foi desastrosa. Negou-se a chamar o venezuelano Nicolás Maduro de ditador e afirmou que o ucraniano Volodymyr Zelensky era tão culpado quanto Vladimir Putin pela guerra na Ucrânia. São dois absurdos.

Antes da entrevista, as gafes de Lula já se acumulavam. Num discurso em São Paulo, disse que Bolsonaro “não gosta de gente, ele gosta de policial”. No dia seguinte, teve de pedir desculpas à polícia. Desde o começo do ano, Lula tem atacado a reforma trabalhista do governo Temer, essencial para a geração de empregos na crise. Falou em demitir militares de cargos comissionados, despertando temores entre as Forças Armadas. Chamou a classe média de “escravista”. Sugeriu até que sindicalistas pressionassem deputados em suas próprias casas, um acinte.

Está envolvida na formulação de seu programa de governo uma centena de economistas, a maioria defensores das barbaridades cometidas nas gestões petistas. Mas nenhum pode falar em seu nome. Não se sabe quem é o líder, não há interlocutor confiável com o empresariado ou a classe política, como em 2002. Não há linha de comando clara. A área de comunicação atravessou uma crise sem paralelo, com troca de marqueteiro antes mesmo de a campanha começar.

Com o lançamento da pré-campanha, é esperado que Lula e os demais candidatos de oposição apresentem com clareza e detalhes suas propostas para os desafios do Brasil. As posições de Bolsonaro — explícitas e subterrâneas — são todas conhecidas. Não bastará não ser Bolsonaro para derrotá-lo.

Sucessivos casos de racismo mostram quanto o Brasil ainda precisa avançar

O Globo

O que choca no comentário do vereador paulistano Camilo Cristófaro (expulso ontem do PSB) durante sessão da Câmara na terça-feira não é apenas o racismo inaceitável, mas também a circunstância. Sua frase abjeta foi pronunciada numa Casa que tem obrigação de abolir e lutar contra essa chaga que envergonha o Brasil. Não há demonstração mais clara de quanto o país ainda precisa avançar para combatê-la do que somar-se, à profusão de manifestações racistas que têm vindo à tona nos últimos dias, a de um representante eleito pelo povo.

Sem saber que seu áudio seria ouvido no plenário, Cristófaro soltou o seguinte despautério: “Eles arrumaram e não lavaram a calçada. É coisa de preto, né?”. Pela gravação, não fica claro a que ou a quem se referia. Não importa. A afirmação por si só expõe o desrespeito à lei e a falta de decoro. Depois da repercussão, vieram as desculpas. Cristófaro deu duas versões para justificar o comentário. Na primeira, alegou que se referia a “carros pretos” de difícil manutenção. Depois afirmou que se dirigia, num galpão de carros, a um colega negro com quem alegou ter intimidade para falar o que falou. Não convenceu nem seu partido, que anunciou a desfiliação.

O episódio na Câmara aconteceu apenas um dia depois de outro caso abominável envolvendo denúncia de racismo. Uma mulher negra registrou queixa na polícia contra uma passageira branca, acusada de fazer comentários racistas sobre seu cabelo no metrô de São Paulo. “Toma cuidado com seu cabelo porque ele está muito próximo ao meu e pode me causar doença”, disse ela, segundo relatou a vítima. À polícia, a acusada alegou que apenas quis dar uma dica para que ela evitasse pegar doença e disse que não teve intenção de ofender. Como quase sempre, os acusados raramente reconhecem a gravidade de seus atos. Nenhum racista acha que é racista.

Nas partidas da Copa Libertadores, têm sido deploráveis as manifestações racistas de torcedores imitando macacos para ofender jogadores. Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), CBF e clubes têm sido complacentes com esse comportamento inaceitável. Só depois de repetidos episódios esboçaram reação para combatê-lo. Reportagem do GLOBO mostrou que a punição a esse tipo de crime nos estádios é rara — apenas um quarto dos casos vai a julgamento — e, quando ocorre, branda.

É verdade que o país tem uma legislação robusta para coibi-lo, o problema é aplicá-la. “Não tem ninguém preso por racismo no Brasil”, disse a jornalista Flávia Oliveira, colunista do GLOBO, comentando o caso do metrô na GloboNews. Mas a reação da sociedade tem mudado, chamando a atenção para o comportamento repugnante. Passageiros se indignaram, saíram em defesa da vítima e chamaram a polícia, que levou a acusada para prestar depoimento. O racismo não desaparecerá espontaneamente. Combatê-lo deve ser uma missão diuturna das instituições e da própria sociedade. Cabe aos cidadãos denunciar, à polícia investigar, à Justiça punir.

Lula calado é um poeta

O Estado de S. Paulo

Líder petista parece que tem uma cota de besteiras para dizer até a eleição. Não é à toa que o principal foco de crises de sua campanha seja a área de comunicação

A julgar por suas declarações nas últimas semanas, parece que o ex-presidente Lula da Silva tem uma cota de besteiras para dizer até a eleição. É impressionante. Não é à toa que o principal foco de crises em seu comitê de campanha seja a área de comunicação. 

Muito distante daquele líder político dotado de um acurado tino eleitoral, atributo que é reconhecido até por seus adversários, o Lula de 2022 nem parece ser alguém que precisa, mais uma vez, conquistar eleitores fora da tradicional órbita de atração do lulopetismo para confirmar seu favoritismo na disputa pela Presidência da República. O que o líder petista anda dizendo tem chocado até aliados históricos. Tanto é assim que próceres do PT e “marqueteiros” preparam o discurso que Lula deverá ler no ato de lançamento de sua pré-candidatura, no próximo sábado, tal é o receio quanto aos danos que a incontinência verbal do ex-presidente pode causar.

O mais recente desatino de Lula, dito em entrevista à revista Time, foi atribuir ao presidente da Ucrânia, Volodmir Zelensky, uma parcela da responsabilidade pela invasão de seu país por tropas russas. “Ele (Zelensky) quis a guerra. Se ele não quisesse a guerra, teria negociado um pouco mais”, disse Lula à Time, como se houvesse espaço para uma negociação de boa-fé com quem se senta à mesa armado até os dentes. Lula trata como simétricas as posições da vítima e do agressor, o autocrata russo Vladimir Putin, um despautério que não tem o respaldo de nenhum líder democrático no mundo.

Lula, que não sabe o que é uma guerra, ainda teve o desplante de censurar o comportamento de Zelensky, dando a entender que seu passado como ator o faria buscar mais os holofotes do que a diplomacia. “O comportamento dele é um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo. Ele aparece na televisão de manhã, de tarde e de noite (...) como se estivesse em campanha. Ele deveria estar mais preocupado com a mesa de negociação.” 

A incrível insensibilidade de Lula em relação ao líder de um país que tem de confortar seus concidadãos em meio às agruras de uma guerra só perde para seu cinismo – afinal, se alguém busca os holofotes todo o tempo e transforma cada gesto seu em peça de campanha, este é, inequivocamente, Lula da Silva.

Chega a ser embaraçoso para alguém que se arvora em líder de uma notável “frente ampla” pela democracia e contra o autoritarismo no Brasil dar amparo a um evidente ato de violência injustificada perpetrado contra um país soberano, sobretudo em entrevista à imprensa estrangeira. Ao fim e ao cabo, Lula se junta ao presidente Jair Bolsonaro na condescendência com que trata os crimes de guerra cometidos por Putin contra o povo ucraniano.

Em relação aos temas domésticos, Lula também não tem poupado esforços para chocar – ou ao menos constranger – apoiadores e afugentar eleitores mais moderados. Semana sim e outra também, o ex-presidente tem dito, entre outras bobagens, que é preciso “abrasileirar o preço da gasolina”, como se a política de preços da Petrobras não estivesse fundamentalmente ligada às oscilações do mercado internacional, assim como o milho, a soja e outras commodities.

Há poucos dias, em outra fala desastrada, Lula deu a entender que policiais não seriam “gente” ao dizer que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policiais”. O petista se desculpou com a categoria logo em seguida.

Em outro aceno a seu público cativo, Lula prometeu, novamente, revogar a reforma trabalhista, a despeito dos dados que atestam a importância da medida, aprovada no governo de Michel Temer, para a redução do desemprego. Isso o fez levar sermão de ninguém menos que Paulinho da Força (Solidariedade). “Esquece essa história de reforma trabalhista. Ganha a eleição que eu resolvo com o (deputado) Marcelo Ramos na Câmara em dois meses”, disse o notório líder da Força Sindical ao petista.

Nessa toada, o País ainda haverá de sentir saudades de Dilma Rousseff e sua “saudação à mandioca”. Malgrado o desastre de seu governo, ainda era possível achar graça nas bobagens de Dilma. Com Lula, não há graça nenhuma. 

A Petrobras real e a Petrobras populista

O Estado de S. Paulo

Novo presidente da estatal anuncia uma gestão baseada nas regras do mercado e sem interferências do governo; Bolsonaro e Lula sonham com outra coisa

A serena entrevista que o novo presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, concedeu ao Estadão (4/5) é reconfortante para os cidadãos e contribuintes responsáveis. Coelho demonstrou, na primeira entrevista exclusiva que concedeu desde sua posse, correta compreensão de seu papel à frente de uma empresa gigantesca que tem a União como sua controladora, mas que também tem ações negociadas em bolsa, razão pela qual a busca de resultados é seu objetivo central. E, para isso, diz ser preciso obedecer aos princípios da livre concorrência, além de praticar os preços de mercado.

A reafirmação, pelo presidente da Petrobras, de princípios até banais em empresas privadas bem geridas é fortemente fundamentada e tem significado político igualmente forte. Com frequência a empresa foi dirigida de acordo com interesses políticos, o que quase a levou à ruína na era lulopetista. Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro vem forçando a Petrobras a conter os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. São itens que pesam na inflação, e inflação alta, como a atual, prejudica as pretensões do candidato à reeleição

Os dois antecessores de Coelho foram demitidos por causa de sua resistência às pressões de Bolsonaro para o controle dos preços dos derivados. Coelho imagina estar livre delas. “O presidente já entendeu muito bem a questão de preço de mercado”, disse ele ao Estadão. Por isso, está focando sua gestão na execução do plano estratégico da companhia, que, entre outras metas, tem a redução da dívida gigantesca contratada na era lulopetista, o foco na exploração e produção de petróleo, a venda de ativos e gestão de acordo com as regras de um mercado mundial volátil e sujeito a variáveis de grande intensidade (pandemia, lockdown na China, conflito na Ucrânia).

Se Coelho tiver êxito em sua gestão, contribuirá para evitar que o atual presidente da República ou seu sucessor, se Bolsonaro não for reeleito, transforme a empresa na “Petrobras dos sonhos” dos governantes populistas: preço controlado, investimentos de acordo com interesses políticos e práticas pouco transparentes, entre outros vícios de gestão.

É possível que os interesses e os instrumentos do bolsonarismo no controle da Petrobras sejam menos ambiciosos e menos sofisticados do que os utilizados pelo petismo. Nos governos Lula e Dilma, a Petrobras foi usada não apenas pelo bilionário esquema de corrupção que engordou bolsos e contas de políticos e partidos.

A empresa foi também o instrumento para investimentos igualmente bilionários para beneficiar aliados políticos internacionais, como o governo bolivariano de Hugo Chávez na Venezuela, e nacionais. Obras incompletas ou concluídas com grande sobrepreço são o resultado dessa gestão irresponsável. O severo controle de preços imposto pela administração petista à Petrobras a levou a acumular as dívidas bilionárias que até hoje afetam seus resultados econômico-financeiros.

Bem gerida desde 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, a Petrobras vem produzindo resultados cada vez melhores para seus acionistas e para o País. No ano passado, pagou à União dividendos de R$ 37,3 bilhões e recolheu tributos federais no valor de R$ 53,8 bilhões. Além disso, transferiu para as três esferas de governo (União, Estados e municípios) royalties no total de R$ 54,5 bilhões.

Na incansável campanha eleitoral a que se dedica desde que saiu da cadeia, Lula vem insistindo em formas de controle de preços dos combustíveis, usando diversas palavras para isso. Já falou em “abrasileirar” a política de preços da Petrobras, desvinculando-a das oscilações do mercado internacional. Tem criticado os lucros acumulados pela empresa e ultimamente diz que a Petrobras deve ser “uma empresa de desenvolvimento”. Quem conhece os feitos do governo petista sabe bem o que isso significa. Bolsonaro, de sua parte, dificilmente terá abandonado sua ideia de controlar o preço da gasolina, do gás e do diesel.

Espera-se que, apesar de tudo, José Mauro Coelho siga o modelo de gestão que anunciou.

Bagunça

O Estado de S. Paulo

Com seu voluntarismo, Bolsonaro é o único responsável pelo retorno das greves do funcionalismo público federal

A retomada da greve do funcionalismo público tem tudo para causar confusão no País nas próximas semanas. A sociedade já teve uma amostra da força dos servidores no início do ano, quando a mobilização de auditores fiscais causou filas e transtorno na liberação de cargas em portos e fronteiras. No Banco Central (BC), o movimento vai afetar a publicação de praticamente todos os indicadores do órgão. Com exceção da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), colegiado que define a taxa básica de juros da economia e que divulga os termos de sua decisão uma semana depois, o governo ficará no escuro a respeito de dados essenciais para nortear políticas públicas, como o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), prévia do Produto Interno Bruto (PIB); a pesquisa Focus, termômetro das expectativas do mercado sobre indicadores macroeconômicos; e o fluxo cambial, que pode até afetar as cotações da moeda.

Agora, é a vez da Polícia Federal (PF), cuja insatisfação se tornou ameaça para a adoção de paralisações e a entrega dos cargos de chefia. A origem dessa bagunça generalizada tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. É imprescindível lembrar como e quando começou o movimento grevista do funcionalismo. Foi no fim do ano passado, ainda na tramitação do Orçamento no Congresso, quando o governo pediu formalmente a reserva de recursos para a reestruturação das carreiras das forças de segurança federais, um eufemismo para um reajuste salarial para uma parte relevante da base de apoio do presidente.

O voluntarismo de Bolsonaro foi como pólvora para que o funcionalismo público cobrasse sua parte no quinhão de R$ 1,7 bilhão reservado na peça orçamentária. Para alguém que foi eleito pela maioria dos brasileiros após quase 30 anos de mandato como deputado federal, a inconsequência de Bolsonaro chega a ser surpreendente. Propostas para botar panos quentes no ânimo dos servidores passaram por um aumento no vale-alimentação a um reajuste linear de 5% para todos, ínfimo diante da inflação, mas quatro vezes maior que a verba aprovada.

A persistência no erro, porém, parece ser um traço intrínseco de Bolsonaro. Ele manteve a malfadada aposta ao prometer, no cercadinho do Palácio da Alvorada, simulacro do Brasil real no imaginário bolsonarista, dobrar o número de convocados nos concursos realizados pela Polícia Federal e pela Polícia Rodoviária Federal. O teatro, com direito a ordens por telefone para que subordinados cumprissem o determinado, não durou nem um dia, uma vez que o Orçamento não comporta mais estripulias de sua caneta destrambelhada. Serviu, porém, para dar ânimo extra aos grevistas, já que a retomada dos concursos é demanda generalizada entre as carreiras típicas de Estado. Ao menos até o início de julho, limite a partir do qual a concessão de benesses fica proibida por lei em razão do período eleitoral, o País tem tudo para viver dias de desordem e de escuridão estatística. A depender do resultado do pleito de outubro, a baderna pode se prolongar por mais quatro anos.

Querelas inúteis

Folha de S. Paulo

Reação de Bolsonaro e Congresso não parece capaz de evitar alta de combustíveis

O expressivo reajuste de preços da Petrobras revoltou consumidores e agitou o mundo político em março. Da direita à esquerda, candidatos, detentores de mandatos e o governo federal em particular atacaram os aumentos, de modo quase sempre demagógico e oportunista.

O Congresso modificou o ICMS sobre combustíveis, que deverá ser cobrado por meio de um valor nacional fixo por litro. A União abriu mão de receita, zerando parte das alíquotas. Jair Bolsonaro (PL) demitiu o presidente da Petrobras de modo tão conturbado quanto inócuo —preços continuaram a subir.

O diesel encareceu ainda mais do que a gasolina. Teria quando muito havido estabilidade, em relação ao início de março, caso os estados renunciassem ao valor total de sua arrecadação sobre o óleo. Não se trata de um caminho viável.

Ademais, a Petrobras está à beira de anunciar nova rodada de reajustes, caso prossiga a sua política —correta— de adequar seus preços aos do mercado internacional. E não há nenhum sinal de mudança, o que, aliás, é impedido pelo regulamento da gigante estatal.

O governo federal acusa os estados de terem fixado um valor excessivo para o novo ICMS dos combustíveis. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acusa União e estados de minarem o esforço parlamentar de tentar baixar o preço por lei. São desculpas rotas.

Os governos estaduais alegam que fixaram o valor do imposto de modo a manter a receita em nível equivalente ao de novembro de 2021. Já estariam, por esse raciocínio, perdendo arrecadação.

O governo federal não se importa com os cofres. Abre mão de recursos em variadas frentes, com objetivos eleitoreiros, concedendo subsídios socialmente iníquos.

Apenas com o diesel, deixará de receber cerca de R$ 20 bilhões em um ano. Dito de outro modo, a dívida pública aumentará nesse montante, mais a taxa de juros que incidirá sobre o passivo. Além de não resolver um problema, o combustível caro terá piorado outro, o endividamento excessivo.

A demagogia e a incompetência técnica têm agravado os problemas nacionais, em particular desde o início da década de 2010. Voluntarismo e populismo impõe soluções simplistas e enganosas para máquinas complexas como o governo e a economia do país.

A maior inflação em quase 20 anos é sem dúvida um flagelo terrível, mas a intervenção espalhafatosa de Bolsonaro na Petrobras só serviu para corroer a imagem da maior empresa brasileira.

Devem-se buscar paliativos que favoreçam a população mais pobre, mas também essa discussão segue a reboque da política rasteira.

A trilha do dinheiro

Folha de S. Paulo

Esquema do centrão vai de emendas sem critério técnico a empreiteiras obscuras

Com o enfraquecimento da Presidência nos últimos anos, o Congresso assume poder crescente sobre o gasto federal; sob Jair Bolsonaro (PL), a aliança com o centrão impulsiona despesas incluídas por deputados e senadores no Orçamento; graças a essas emendas parlamentares, elevam-se os recursos da estatal Codevasf.

Siga o dinheiro —a recomendação consagrada em língua inglesa para investigações intrincadas— e será constatado que os contratos da Codevasf privilegiam duas empreiteiras maranhenses pouco conhecidas e de práticas no mínimo heterodoxas, reveladas pela Folha.

A primeira delas é a Engefort, para a qual estavam reservados R$ 620 milhões em verbas orçamentárias até o início do mês passado. Em 2021, a empresa venceu 53 de 99 licitações por pregão eletrônico para obras de pavimentação, por 10 vezes disputando sozinha e 9 ao lado de uma empresa de fachada de um irmão de seus sócios.

A outra é a Construservice, dona de R$ 140 milhões em contratos firmados durante o governo Bolsonaro —antes de 2019, ela não tinha transações com a administração federal. As credenciais dessa empresa são ainda mais nebulosas.

Seus dois donos no papel já declararam não sê-lo de fato, numa investigação policial de 2015. O verdadeiro mandachuva seria Eduardo José Barros da Costa, réu nas Justiças Estadual e Federal em ações referentes a casos de corrupção.

Corrupção, claro, é a primeira suspeita a vir à mente em casos de transações mal explicadas entre governo e empreiteiras —e há elementos para dar início a uma apuração rigorosa. Mas há outros danos ao Orçamento e à política pública em jogo. Cumpre fazer de volta a trilha do dinheiro.

As verbas da Codevasf subiram de R$ 1,7 bilhão (valores corrigidos), em 2018, para R$ 2,1 bilhões neste ano, mais da metade oriundos de emendas parlamentares. O aumento se deu num período em que os investimentos federais como um todo minguaram. Antes mais voltada à irrigação, a estatal diversificou seus projetos.

Mais recursos não significaram bons serviços, como mostram o asfalto esfarelado em Petrolina (PE) e as crateras em Imperatriz (MA). A pulverização do gasto público em obras paroquiais, sem análise de relevância, tende a reduzir sua eficiência econômica e social.

É desejável, numa democracia, que o Congresso seja decisivo na elaboração do Orçamento. Mas tal papel deve implicar responsabilização e prestação de contas.

Fed sinaliza comedimento na aceleração dos juros

Valor Econômico

Powell mostrou confiança de que a estabilidade de preços virá nos “próximos anos”

O Federal Reserve americano elevou a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, para o intervalo entre 0,75% e 1% e esse ritmo será mantido pelo menos em suas reuniões de junho e julho. No mês que vem, o balanço de ativos do banco começará a encolher à razão de US$ 30 bilhões em títulos do Tesouro e US$ 17,5 bilhões em papéis de hipoteca, montante que dobrará após três meses. O principal ato de Jerome Powell, presidente do Fed, na apresentação da decisão, foi demonstrar que, ainda que a inflação esteja muito alta, sua abordagem é otimista quanto aos resultados e ainda gradualista no aperto monetário. “Temos boas chances de estabilizar os preços sem que a economia entre em recessão”, disse.

A frieza de Powell sobre a escalada inflacionária, que é a maior em 40 anos, tem razão de ser. O Fed “tem de evitar adicionar incertezas em um ambiente já repleto delas”, avisou. Neste caminho, afirmou que o Comitê de Mercado Aberto do banco em nenhum momento cogitou uma alta de 0,75 ponto percentual nas reuniões subsequentes. Ele também traçou limites práticos para o horizonte da política monetária, ao apontar que o Fed pretende chegar “expeditamente” ao juro neutro - pelas previsões dos membros do banco, algo entre 2% e 3% - e então avaliar se as condições financeiras decorrentes desse aperto são suficientes para colocar a inflação a caminho dos 2%. Não parece haver dúvida de que este nível será atingido até o fim do ano, mesmo a um ritmo menor de reajustes subsequentes dos fed funds, com altas contínuas de 0,25 ponto percentual a partir de setembro.

O presidente do Fed disse que a desaceleração do PIB no primeiro trimestre (1,4% anualizado) não reflete a tendência geral da economia americana. A queda nos estoques não sinaliza nada claramente para o futuro, enquanto que a robustez da demanda dos consumidores e dos investimentos das empresas, sim.

O Fed não vacilará, segundo Powell, em entrar em território em que os juros contraem a atividade, mas só depois. “A discussão sobre quão alto deverá ir o juro só ocorrerá quando atingirmos o nível neutro”, contou. “Isso não significa que temos esta direção hoje, mas se preciso não hesitaremos em tomar esta decisão”.

A visão de Powell pressupõe que o mercado de trabalho está mais apertado do que nunca, com quase duas vagas não preenchidas para cada americano desempregado, e que ele suportaria um freio de arrumação que contivesse a corrida dos salários e a oferta de vagas. Da mesma forma, os gastos das famílias e os investimentos das empresas estão fortes. O objetivo é trazer equilíbrio ao mercado de trabalho e reduzir a demanda a um ponto em que ela possa ser atendida por uma oferta instável, golpeada pelo combate à covid na China e a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Para ele, a criação de empregos vai desacelerar, pelo efeito combinado de políticas fiscais e monetárias que deixaram o modo estimulativo. A participação da força de trabalho tem crescido e isso ao longo do tempo vai aumentar o desemprego, reduzir vagas e amortecer salários. “Há chances de se fazer um pouso suave, ou mais suave”.

Uma sucessão de grandes choques recentes retirou a previsibilidade dos cenários. Mais surpresas ruins podem vir do front da guerra na Europa ou dos lockdowns chineses, com repercussões duplas, nas cadeias de produção e nos custos gerais, transmitidos pela alta dos preços da energia e petróleo.

Fleugmático, Powell respondeu serenamente a perguntas incômodas, como a de democratas e republicanos, que discordam em quase tudo, concordarem que o Fed está atrasado no combate à inflação, ou se o Fed havia perdido credibilidade. Ele refutou as duas premissas. Na primeira, disse que até outubro a inflação teve algumas quedas, para disparar a seguir. Na segunda, insinuou que as sinalizações do BC de que mudaria o ritmo de alta dos juros foi suficiente por si só para que os títulos do Tesouro fossem rapidamente para 3%.

Powell tergiversou sobre se seria necessário que as cadeias de produção se normalizassem para que a inflação voltasse aos 2%. A implicação é de que se isso não ocorresse, a dose de juros deveria então ser maior, entrando em terreno contracionista. Sob bombardeio, o Fed, que não tem de seguir calendários para atingir metas, ainda está “zen”, ao contrário de parte dos investidores. Powell mostrou confiança de que a estabilidade de preços virá nos “próximos anos”.

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