quarta-feira, 25 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Além da Petrobras

Folha de S. Paulo

Com nova troca, Bolsonaro mostra que projeto eleitoral ignora lógica e escrúpulo

Jair Bolsonaro (PL) e seus adeptos lançaram nova ofensiva da campanha para conter —ou parecer que tenta conter— os preços dos combustíveis e da energia elétrica.

O governismo abriu mão de impostos, com aumento da dívida pública; quer impor cortes de tributos a estados e municípios, suspender no Congresso reajustes de energia elétrica e ensaia promover um tabelamento de preços ao menos temporário na Petrobras.

Não foi por outro motivo que o candidato a reocupar o Planalto demitiu o terceiro presidente da petroleira em menos de quatro anos, no cargo havia meros 40 dias. Bolsonaro cria instabilidade a fim de obrigar a direção da estatal a segurar a alta dos combustíveis. Os reajustes já têm sido espaçados.

O mandatário e sua trupe populista querem financiar a aquisição de alguns pontos nas pesquisas de voto por meio da apropriação de receitas de governos estaduais e municipais, da redução forçada do faturamento da Petrobras e da instabilidade do setor elétrico.

É incerto se a frente vai alcançar integralmente seus objetivos. Seja como for, terá conseguido ao menos difundir ainda mais a percepção de que estabilidade administrativa, contratos, estatutos, leis e normas de responsabilidade orçamentária correm risco no país sob a atual administração.

A quarta mudança no comando da Petrobras é ato que mistura incompetência com demagogia. Se o comando de qualquer instituição é alterado com tamanha frequência, as escolhas do presidente são também más ou irresponsáveis.

No caso, trata-se da maior empresa e maior investidora do Brasil, produtora de um insumo crucial para a economia e de mercadoria de peso nas exportações. É decisão que afeta a imagem econômica do país, acionistas (entre eles o próprio Tesouro Nacional), credores e outros tantos participantes do mercado, como importadores de combustível.

Um tabelamento informal pode até mesmo afetar o abastecimento, em parte importado.

Pelas normas da companhia, o novo indicado para presidir a Petrobras, Caio Mário Paes de Andrade, não apresenta um currículo com os requisitos necessários para ocupar o cargo. Ainda que o nome venha a ser aprovado, não se diz com que objetivos assumiria a empresa, além daqueles do interesse político de Bolsonaro.

Não se veem mais programas ou diretrizes de administração para a petroleira. Mas não só para ela: a política econômica parece rendida ao imediatismo de um projeto de estelionato eleitoral.

A vez de Tebet

Folha de S. Paulo

Com Doria fora, senadora tem a árdua tarefa de viabilizar postulação de 3ª via

Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, João Amoêdo, Alessandro Vieira, Eduardo Leite, Rodrigo Pacheco, Sergio Moro e João Doria.

Todos esses nomes integram o rol de caídos na tentativa, pessoal ou por procuração, de criar condições para viabilizar uma candidatura presidencial alternativa ao duopólio Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) neste ano.

O ex-governador de São Paulo, que desistiu da postulação na segunda (23) após ter sido minado pelo próprio partido, é a vítima mais recente do processo.

Foi dos que mais durou no páreo: desde que irrompeu na política ao tirar o PT da prefeitura paulistana no primeiro turno de 2016, o tucano Doria se comportou como presidenciável. A vez na fila agora é da senadora Simone Tebet (MDB-MS).

A emedebista é o que marqueteiros chamam de folha em branco, em termos de imagem, com algumas vantagens apontadas por seus apoiadores para compensar a experiência executiva algo exígua.

Aos 52 anos, é pouco conhecida, portanto enfrenta baixa rejeição, vem de família política tradicional numa região importante para a economia e, acima de tudo, é mulher. Este atributo é lembrado quando se analisa a repulsa a Bolsonaro no público feminino.

Tebet terá uma árdua tarefa pela frente. Primeiro, convencer o PSDB e seu parceiro de federação, o Cidadania, a ser apoiada como candidata. Grupos tucanos resistem à iniciativa do presidente da sigla, Bruno Araújo, de priorizar a senadora sul-mato-grossense.

Ele conta com um aliado poderoso —o sucessor de Doria no governo paulista, o ainda desconhecido Rodrigo Garcia, para quem um projeto nacional anódino tende a favorecer a construção de sua própria figura numa eleição dura.

Tebet também terá de lidar com seu partido, que historicamente evita lançar candidaturas presidenciais e, quando o faz, não despende muita energia com elas. Hoje, boa parte do MDB está com Lula.

Caso ultrapasse esses obstáculos, Tebet não deverá contar com um integrante original da terceira via, o União Brasil, que desembarcou do projeto com suas grandes verba eleitoral e capilaridade. Um acerto com Ciro Gomes (PDT), que sobrou na pista da esquerda dominada pelo PT, parece improvável.

Enquanto isso, ela busca elaborar um discurso de consenso e, na economia, cerca-se de nomes outrora associados ao PSDB, de orientação liberal. Mais importante, Simone Tebet terá de provar ao eleitor sua viabilidade na disputa: a senadora patina em 1% de intenção de voto, segundo o Datafolha.

Os sócios do caos

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e seus aliados no Congresso agem de forma improvisada e irresponsável para baratear combustíveis e eletricidade

Em mais um golpe contra a Petrobras, a maior estatal brasileira, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o terceiro líder da empresa nomeado desde a sua chegada ao Palácio do Planalto. Com a nomeação do substituto, a companhia atingirá a marca muito rara – e assustadora para o mercado – de quatro comandantes em menos de quatro anos. Empenhado, como sempre, muito mais na reeleição do que na função de governar, o presidente continua tentando controlar, e talvez congelar até as eleições, os preços dos combustíveis. Ao insistir nessa intervenção, menospreza a gestão empresarial e os interesses de mais de 750 mil acionistas nacionais e estrangeiros. Não só o Executivo, no entanto, é marcado pela mistura de populismo, irresponsabilidade e incompetência. Nesse tipo de jogo, há uma clara parceria entre o presidente da República e forças do atraso alojadas no Congresso Nacional.

Enquanto o presidente Bolsonaro tenta impor seus interesses eleitorais à Petrobras, congressistas mexem nas finanças de Estados para baratear combustíveis e energia elétrica. Já haviam interferido na gestão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), para obrigar os governos estaduais a uniformizar a alíquota cobrada sobre gasolina e diesel. Foi uma evidente violação dos padrões federativos. Mas a organização nacional, a ordem republicana e as instituições democráticas têm sido, em Brasília, muito menos valorizadas do que haviam sido até 2019.

Não ocorre, no entanto, apenas uma depreciação de valores democráticos. É função dos Poderes cuidar do País, produzindo normas, defendendo a ordem legal e empregando os meios públicos em tarefas de interesse – pelo menos idealmente – coletivo. Na tradição norte-americana, esses poderes são chamados branches of government, ramos do governo. É uma boa denominação, porque aponta, com clareza, o caráter genérico de suas funções: trata-se de governar, atendendo a aspectos diferentes da atividade pública. Em Brasília, no entanto, a noção de governo, incluída a ideia de administração, é hoje uma raridade.

No Executivo, como no Legislativo, tem predominado a busca de soluções fáceis para inconvenientes imediatos. Se o aumento de alguns preços causa incômodo e pode levar a perdas eleitorais, a saída é improvisar um remédio. A ação pode ser obviamente grosseira e desastrada, como têm sido as tentativas, sempre toscas e autoritárias, de intervir na política de preços da Petrobras. Também pode ser mais complexa, mas igualmente improvisada, incompetente e populista, como a produção de leis para intervir na tributação estadual.

É evidente bobagem tratar o ICMS como causa de aumento de preços. Se esse tributo fosse zerado, no dia seguinte os preços dos combustíveis poderiam subir, se houvesse alta das cotações internacionais, dos custos da Petrobras ou do valor do dólar. É fácil juntar esses pontos, mas tanto no Executivo quanto no Legislativo aquela tolice é repetida.

Pode-se defender com outro objetivo a redução, por exemplo, das alíquotas sobre a eletricidade, muito importante para o consumo familiar e para a vida empresarial. Energia elétrica é um item relevante para atividades tão diferentes quanto as de um salão de beleza e as de uma fábrica de caminhões. Faz sentido baratear esse insumo, mas é um erro enorme cuidar disso de forma improvisada, sem levar em conta o peso desse item para as finanças estaduais e sem discutir formas de compensação para os Estados.

Nenhuma dessas preocupações foi expressa pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, ao defender a criação de um teto para o ICMS sobre energia elétrica e combustíveis. Ao encaminhar o projeto, ele falou sobre “a realidade emergencial do mundo de hoje”. Mas esse problema, longe de ser emergencial, é conhecido há muito tempo, e nada justifica enfrentá-lo de forma tosca e improvisada. Ao agir dessa forma, o presidente da Câmara confirma seu invencível despreparo para questões de interesse público, mas ao mesmo tempo reafirma sua proximidade com o estilo bolsonariano de desgoverno.

Desesperança para os sem-teto

O Estado de S. Paulo

Inflação atinge construção civil em cheio e custos travam Programa Casa Verde e Amarela, agravando o crônico déficit habitacional do País

As consequências da disparada da inflação são sentidas diariamente nas visitas aos supermercados e aos postos de combustíveis, que consomem uma parcela cada vez maior da renda da população. É fácil identificar os efeitos da subida dos preços no dia a dia, mas há também implicações de médio e longo prazos que agravam gargalos que o País finge enfrentar há décadas, como o déficit habitacional. Reportagem publicada pelo Estadão mostrou que materiais, serviços e mão de obra na construção civil subiram 13,8% no ano passado e já acumulam alta de 2,9% neste ano, segundo o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC). O cenário teve forte impacto na construção de unidades habitacionais do Programa Casa Verde e Amarela, substituto do antigo Minha Casa Minha Vida, que busca atender famílias com renda entre R$ 2,4 mil e R$ 7 mil mensais. Entre janeiro e abril, apenas 68,8 mil imóveis se enquadraram nos critérios da política pública, menos da metade dos 140,5 mil do mesmo período de 2021. Se a média for mantida, os contratos não passarão de 206,4 mil até dezembro, nível mais baixo desde 2009, ano de seu lançamento.

Como o programa estabelece um teto máximo para o preço dos imóveis, o avanço nos custos da construção impede que as unidades se encaixem dentro desses limites e, consequentemente, que as famílias tenham acesso aos financiamentos mais baratos para adquiri-los. Às construtoras, resta assumir uma parte do prejuízo e conter perdas futuras, desistindo de projetos novos dentro do Casa Verde e Amarela e investindo em edifícios para nichos de renda mais elevada. A questão é que o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) reservou R$ 65 bilhões ao programa neste ano, dos quais apenas 27% foram empenhados. Logo, como costuma acontecer com lamentável frequência no governo, sobram, não faltam, verbas para enfrentar o crônico déficit habitacional brasileiro.

Quem vê as luxuosas torres em construção no centro expandido de São Paulo talvez não imagine que o Casa Verde e Amarela representou 45% dos lançamentos e vendas do mercado imobiliário em 2021. Não é por outro motivo que as construtoras defendem aumentar os subsídios a que as faixas de menor renda têm direito nos financiamentos, de forma a compatibilizar as operações ao valor dos imóveis, ainda que isso diminua a quantidade de famílias potencialmente alcançadas pelo programa. Em paralelo, às vésperas do período eleitoral, o fantasma de demissões convenceu o Ministério da Economia a reduzir o imposto de importação sobre o vergalhão de aço, um dos principais insumos do setor, despertando a fúria da indústria siderúrgica.

Em 2019, a Fundação João Pinheiro estimou o déficit habitacional em 5,8 milhões de famílias no País, um conceito que abarca desde pessoas que gastam mais de um terço da renda com aluguel àquelas que vivem em habitações absolutamente precárias. A pandemia de covid-19 sem dúvida piorou o quadro e infelizmente não há sinais de reversão – os indicadores oficiais são defasados, mas basta um passeio nas ruas das principais capitais para observar a proliferação de barracas. Para cada situação é preciso buscar uma solução específica, algumas de caráter temporário. A Prefeitura de São Paulo propôs a criação de campings para moradores de rua, algo urgente para devolver um mínimo de dignidade aos sem-teto. Alguns municípios contam com o aluguel social e aproveitam imóveis vazios para destiná-los a pessoas carentes – e aos que apontam falta de recursos orçamentários, é bom lembrar que parlamentares e juízes contam com auxílio-moradia financiado pelos impostos pagos pela sociedade. É preciso retomar as contratações do Casa Verde e Amarela para a antiga faixa 1, com renda mensal de até R$ 2 mil, paralisadas há mais de três anos. E a articulação entre União, Estados e municípios é fundamental para que as ações tenham resultado efetivo. Ao contrário do que diz o presidente Jair Bolsonaro, não falta “visão de futuro” às pessoas que vivem em áreas de risco, mas certamente falta ao governo.

Já se fala em recessão mundial

O Estado de S. Paulo

Desaceleração nos países ricos, comércio mundial estagnado e mercado de trabalho ruim são sinais de advertência

Um cenário sombrio, porém real, da economia mundial foi desenhado num dos disputados painéis do Fórum Econômico Mundial na cidade suíça de Davos. Inflação em alta na Europa, nos Estados Unidos e em outros países (o Brasil se destaca entre estes); riscos de uma crise energética na Europa, dependente do suprimento de gás pela Rússia; escassez de alimentos; e persistência de problemas ambientais estão entre os elementos de uma conjuntura que pode levar à recessão global. A observação foi feita pelo ministro para Assuntos Econômicos e Proteção Climática da Alemanha, Robert Habeck. Não adianta resolver apenas a questão da inflação ou do suprimento de gás, disse Habeck. É preciso enfrentar todos os problemas ou pelo menos a maioria deles.

Embora possa soar um tanto exagerada, a advertência não pode ser ignorada. A invasão da Ucrânia pela Rússia agravou problemas resultantes da pandemia de covid-19 ou a eles acrescentou outros. As consequências já começam a surgir nas estatísticas sobre a atividade econômica mundial, que, neste momento, indicam a piora da situação.

Três importantes organizações econômicas internacionais divulgaram no mesmo dia relatórios que mostram essa tendência. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou uma aguda retração da evolução do PIB dos países associados – que estão entre as maiores economias do mundo – no primeiro trimestre de 2022. O crescimento foi de apenas 0,1% na comparação com o trimestre anterior. No último trimestre do ano passado, o aumento tinha sido de 1,2%.

Consideradas apenas as sete maiores economias do mundo (que formam o G-7), o resultado foi ainda pior. O PIB desses países encolheu 0,1% no primeiro trimestre do ano. No trimestre anterior o aumento tinha sido de 1,2%, igual ao de todo o grupo que constitui a OCDE.

Entre as causas do mau desempenho das principais economias do mundo, a OCDE cita o fraco resultado da balança comercial desses países, afetada fortemente pelos gargalos na cadeia mundial de suprimentos, e a queda da demanda interna.

O comércio mundial de bens também vai mal. Em sua pesquisa trimestral Barômetro do Comércio de Bens, a Organização Mundial do Comércio (OMC) constatou ligeiro aumento, de 98,7 para 99 pontos, mas ainda abaixo da marca divisória de 100, acima da qual há crescimento. Por isso, mesmo com a discreta melhora, o comércio mundial continua a patinar.

Do ponto de vista social, além de estudos de instituições multilaterais que mostram o avanço rápido da fome no mundo, o mais recente trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que o mercado mundial de trabalho se deteriorou de maneira acentuada no primeiro trimestre do ano. O número de horas trabalhadas, por exemplo, ainda está 3,8% abaixo do nível observado antes da pandemia. A recuperação é desigual e tem ampliado a distância entre os países ricos e os pobres. E em boa parte destes as limitações fiscais impedem a adoção de políticas públicas de apoio aos mais necessitados.

Intervenção na Petrobras não tem como dar certo

O Globo

Não tem limite a sanha do presidente Jair Bolsonaro por intervir no preço do diesel e da gasolina, de olho na eleição. Nem bem acaba de trocar o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras — ambos refratários à intervenção —, promoveu uma nova troca no comando da estatal, descontente com o nome que ele próprio indicou há 40 dias. Qualquer que seja o resultado dessa nova mudança na política de preços da empresa, está claro que não dará certo.

Bolsonaro pode trocar ministro, presidente, a diretoria inteira da Petrobras, que não superará todos os obstáculos a suas intenções. Primeiro terá de enfrentar os empecilhos internos: a estrutura rígida de governança da estatal (reforçada depois dos desvarios do governo Dilma Rousseff com o preço do combustível) e as exigências da Lei das Estatais, aprovada depois dos crimes desmascarados pela Operação Lava-Jato, justamente para preservar o patrimônio público de ingerência política.

Os requisitos para alguém ocupar a presidência da Petrobras vão muito além das qualificações do novo indicado, o executivo Caio Paes de Andrade (falta-lhe experiência em gestão pública e em empresas do setor). A indicação terá ainda de passar por comitês internos que dificilmente a endossarão. A reunião de acionistas para aprová-la só pode ser convocada para o final de junho e, mesmo que o nome passe (o governo, afinal, tem maioria no Conselho), a presidência da empresa não tem o poder de mexer na política de preços a seu bel-prazer. Bolsonaro teria ainda de aparelhar o comitê encarregado disso, que tem mais dois diretores. É o que ele planeja.

É até provável que consiga vencer esses obstáculos de ordem política. Mas não tem como mudar a realidade econômica. A intervenção nos preços, mesmo a dilatação do prazo entre reajustes, teria consequências bem mais nocivas que apenas deteriorar o balanço da Petrobras, que pagou no ano passado R$ 37,3 bilhões em dividendos ao Tesouro e R$ 203 bilhões em impostos, contribuindo para a saúde fiscal. O impacto nas bombas seria o oposto do imaginado por Bolsonaro.

A crise dos combustíveis é global e tem alcance bem maior que o imaginado no início da Guerra na Ucrânia. A demanda já é pressionada pela Europa, com a substituição do petróleo russo, e pela China, com a recuperação da atividade depois dos lockdowns. O Brasil importa 30% do diesel e 15% da gasolina que consome. Se o preço deixar de seguir a cotação internacional, como quer Bolsonaro, ninguém importará para vender com prejuízo por aqui. É certo que haverá desabastecimento e filas nos postos, cenas nada agradáveis para um presidente em campanha.

A melhor forma de garantir o preço justo na bomba teria sido levar a cabo o plano de privatização de refinarias, de modo a criar um mercado realmente competitivo. Teria sido possível também conceber um fundo de estabilização para subsidiar o preço na bomba, mantido não pelo acionista da Petrobras, mas pelo Tesouro, talvez com recursos dos dividendos pagos nos tempos de bonança. Nada disso foi feito. Bolsonaro ignora que preços de mercado refletem o equilíbrio entre oferta e demanda — e não dá para manipulá-los por decreto. Ele quer que a Petrobras funcione como a venezuelana PDVSA, estatal aparelhada e levada à bancarrota para financiar os desmandos do chavismo. Conhecemos esse roteiro. Não tem como dar certo.

Desistência de João Doria mostra que bolsonarismo ocupou espaço do PSDB

O Globo

Quase 30 anos separam a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil, em 1994, da entrevista coletiva em que o ex-governador de São Paulo João Doria anunciou a desistência de sua pré-candidatura à Presidência pelo PSDB. Nessas quase três décadas, o partido fundado em 1988 a partir de uma dissidência do PMDB, reunindo alguns dos nomes mais preeminentes e respeitados da política nacional, exerceu protagonismo inequívoco, que começou a esvanecer a partir da ascensão do bolsonarismo em 2018.

A decisão de Doria é explicada não só pelas resistências internas, mas também pelas dificuldades do partido para se impor politicamente no maior e mais rico estado do Brasil, cidadela inexpugnável do tucanato desde 1995, quando elegeu Mário Covas para o Palácio dos Bandeirantes. Mas surpreende pelo histórico da legenda.

O PSDB governou o Brasil duas vezes com FH, que venceu ambos os pleitos em primeiro turno — fato inédito desde a redemocratização. Esteve no segundo turno em todas as demais disputas, com exceção de 2018, quando Jair Bolsonaro derrotou Fernando Haddad (PT). O legado tucano fica patente não apenas em seu desempenho nas urnas. Conquistas como a estabilização da moeda, os avanços na educação e na saúde e os programas sociais (aperfeiçoados pelos petistas) são inquestionáveis.

Quando passou o governo a Rodrigo Garcia para se dedicar à corrida ao Planalto, Doria deixou uma herança notável, em particular pelo pioneirismo na vacinação contra a Covid-19. Não é exagero dizer que foi por força de seu engajamento que o Ministério da Saúde apressou a campanha, depois de hesitação inadmissível. Mas o bom desempenho à frente do governo paulista não foi suficiente para catapultá-lo nas pesquisas eleitorais. Sem projeção nacional, Doria nunca decolou como se esperava do pré-candidato de um dos partidos mais influentes do país.

Por ora, é nebuloso o cenário que se formará diante da desistência dele. A única certeza até agora é a derrocada do PSDB, que se acentua à medida que as hostes tucanas vão sendo devoradas pelo bolsonarismo. Não há melhor evidência disso que o desempenho no enclave de São Paulo, onde a candidatura do bolsonarista Tarcísio de Freitas desafia a hegemonia da legenda.

Mesmo sem jamais vestir com conforto o figurino da direita, o PSDB aglutinou um ânimo que o levou a sucessivos duelos com o PT. Mas o sentimento antipetista foi confiscado pelos bolsonaristas nos últimos anos. A renúncia de Doria é o último movimento na digestão dos tucanos pelo bolsonarismo, sem que o PSDB tenha esboçado reação.

Rachado mesmo antes das prévias em que Doria derrotou o gaúcho Eduardo Leite, o partido se encaminha para as urnas na situação mais desafiadora de sua história. Não deverá ter candidato à Presidência, corre o risco de eleger uma bancada ainda menor que em 2018 e, o pior, de perder o governo de seu quintal paulista. Nas urnas, o PSDB mira sua própria sobrevivência.

Frenesi de Bolsonaro paralisa administração da Petrobras

Valor Econômico

Há uma ofensiva coordenada do Planalto em várias frentes para impedir reajustes dos combustíveis

O presidente Jair Bolsonaro é o principal responsável pela fuzarca em seu governo e seu jeito histérico de agir paralisa a administração da maior empresa estatal do país, a Petrobras. Bolsonaro demitiu na noite de segunda-feira José Mauro Coelho, empossado há 40 dias, o terceiro a ser cortado da direção da companhia porque seguiu as regras e aumentou os preços dos combustíveis. Antes de Coelho, o presidente já mandara para casa o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, substituindo-o por Adolfo Sachsida, secretário especial de Política Econômica do Ministério da Economia e fiel bolsonarista.

O que quer o presidente da República sobre o reajuste dos combustíveis e o que propõe que a Petrobras faça? O que se sabe ao certo é que Bolsonaro quer se reeleger a qualquer custo e aumentos de gasolina, diesel e gás tornam um pouco (ou muito) mais distante esse objetivo. Ele não está preocupado em obter uma solução sensata, ainda que temporária, para a escalada dos preços do petróleo, agravada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

O presidente quer impedir a Petrobras de fazer aumento constante seguindo a política de paridade de preços internacional, sem, no entanto, assumir responsabilidade por isso. A consequência é que já se foram três presidentes da estatal pelo mesmo motivo. Foi nomeado agora para o cargo Caio Paes de Andrade, secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, um leigo no assunto, para dirigir uma das maiores empresas de petróleo do mundo em meio aos mais turbulentos períodos do setor desde os choques dos anos 70-80.

Além dos que se foram da Petrobras, houve também os que quase chegaram lá e desistiram, como Adriano Pires, por conflito de interesses, e Rodolfo Landim, por seu amor ao Flamengo, que preside. Paes de Andrade não atende às exigências da Lei das Estatais e não seria surpresa se fosse vetado. Mas que para que o novo presidente seja ratificado será necessário uma nova eleição de vários conselheiros da empresa, a segunda em menos de dois meses. Conselheiros independentes cogitam protelar a convocação de nova assembleia, o que estenderia a transição por mais 45 dias.

Bolsonaro quer também mexer na diretoria, o que indica uma intenção firme de obter o que pretende. Está sendo ajudado nesta tarefa pelo ministro Paulo Guedes, o liberal, que intervém nos preços de mercado praticados pela Petrobras. Guedes nunca sugeriu nada sobre como atenuar o impacto dos aumentos dos combustíveis e, diante das convulsões de Bolsonaro, assobiava, olhava para o lado e pregava a privatização da companhia.

Uma das ideias agora atribuídas ao ministro, em campanha pela reeleição do chefe, é o de espaçar os aumentos por pelo menos 100 dias, o que pode empurrar reajustes até depois das eleições. Joaquim Silva e Luna esperou 89 dias para reajustar o diesel - e ser demitido. É difícil crer que 11 dias a mais farão alguma diferença, a não ser no calendário eleitoral, o único que o governo tem em vista.

Não há ovo de Colombo na questão. Ou o presidente muda a política da paridade de preços, e com isso, o estatuto que obriga a União a compensar a estatal no caso de alterações, ou coloca alguém que lhe seja subserviente para impedir por um tempo os ajustes de preços. No primeiro caso, seria preciso arregimentar um número razoável de conselheiros alinhados com o intervencionismo interessado do presidente, em um processo desgastante e demorado. Ganhar tempo tende a ser uma opção mais ao sabor do caráter de Bolsonaro, sempre tendente à linha de menor esforço.

Há uma ofensiva coordenada do Planalto em várias frentes para impedir reajustes dos combustíveis, ou, se possível, fazer os preços retrocederem, ainda que pouco e temporariamente. O Centrão, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, patrocinam nova iniciativa oportunista para jogar a conta de redução de impostos para os Estados. Primeiro, a Câmara aprovou regime de urgência para votar a suspensão da rodada de aumentos de energia elétrica, o que favorece o governo. Depois, busca que energia e combustíveis sejam considerados bens essenciais e tenham alíquota não superior à padrão do ICMS, de 17%. O Supremo já decidiu essa questão e deu prazo até 2024 para que os Estados façam isso.

A incúria de Bolsonaro levou à queda de três executivos da Petrobras e de um ministro sem que ele tivesse sido atendido em seus resmungos eleitorais. Desta vez pode ser diferente - ou não.

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